Os profetas da desgraça passam o tempo a ditar o fim de qualquer coisa, humanidade incluída. E os livros em papel não são exceção. Quantas vezes não veio a lume o fim desse objeto de culto? Quantas vezes não se enalteceu o e-book, o audiolivro e derivados? Que vão continuar a ser desenvolvidos e aprimorados, e que também queremos ter por perto, numa qualquer nuvem ou num ficheiro bem guardado.
Mas isso não significa que os livros em papel estejam condenados. E menos ainda que não se possa olhar para eles com os olhos no futuro. Foi exatamente isso que Pedro Sousa e Rui Castro Prole, de 25 e 24 anos, resolveram fazer. Aplicaram o princípio da Economia Circular a livros usados, i.e., descobriram como dar-lhes uma nova utilização em vez de, muito simplesmente, os deitar fora.
A mensagem que querem passar é inequívoca – “potenciar a utilização de bens em segunda mão num momento em que se torna urgente compreender que o consumo não se pode basear em bens descartáveis e que um bem usado não significa obrigatoriamente um bem em fim de vida – particularmente quando falamos de livros” – e constitui um dos pilares da Stuff Out, como se pode ler no site.
Além disso, explicam, querem “tornar a Cultura mais acessível, tirando partido das novas tecnologias, para disponibilizar uma plataforma online onde todos podem encontrar os livros que procuram de forma prática e a preços acessíveis”.
Do digital para o calor humano
E assim nasceu uma plataforma online de venda de livros em segunda mão, em janeiro de 2020. A adesão foi boa, a pandemia estalou em março mas não pôs em causa o projeto. Pelo contrário, terá ajudado a dar-lhe asas. Ao ponto de, no início de julho, a vontade de tornar a Stuff Out tangível se ter tornado realidade.
Na loja instalada na Rua da Quintinha, nº 70, na zona do Príncipe Real, em Lisboa, desde dia 1 de julho que está recheada com cerca de três mil títulos à espera de leitores curiosos. Em menos de um mês, o trio que agora lidera o projeto – Andreia Cabeça juntou-se aos cofundadores e é um dos rostos da loja e do projeto – descobriu o quão emocionante é contactar com o público.
Rui Castro partilha o seu entusiasmo e a surpresa que tem sido esse calor humano. “Para mim e para o Pedro, que nunca tínhamos tido um negócio de porta aberta, era tudo digital, estamos super surpreendidos, porque temos pessoas que gostam do que fazemos e que acompanham o nosso trabalho há três, quatro, cinco e seis meses. Pessoas que fazem 30 km de carro para vir à nossa loja e que fazem questão em visitar-nos para nos dizer isso, que gostam do nosso trabalho! Para nós foi um ‘choque’, uma surpresa, porque online isso não existe”.
Sinal de que o negócio está a correr bem. Rui confirma. “A loja tem alavancado o site, sem dúvida, mas ainda não conseguimos perceber se são pessoas que nos conhecem através da loja e depois exploram o site, ou se começam pelo site e depois percebem que existe uma loja física. O que posso dizer é que a confiança no negócio aumentou quando se tem um negócio de porta aberta, onde se pode ir reclamar e levantar uma encomenda. Além disso, permite-nos perceber melhor o que os nossos clientes gostam, o que estamos a fazer bem e o que podemos melhorar. Tem sido uma experiência muito enriquecedora para nós”.
Convidar quem os visita a partir à descoberta
O espaço quer-se cosy com um toque vintage. E tem um recanto dedicado à leitura, ideal para ficar por aqui a dialogar com um ou mais livros. A decoração é, também ela, um work in progress. Desde objetos e móveis em segunda mão, todos eles à venda, a livros que, não estando em condições de mudar de mãos, são usados para decorar uma ou outra parede. No fundo, há toda uma mensagem de sustentabilidade subjacente ao conceito da Stuff Out, pois não estão a produzir bens novos, mas sim a dar uma nova oportunidade a bens que já existem.
“Nós somos uma empresa que não tem produção própria nem fornecedores regulares. Ou seja, não temos o elemento básico da cadeia económica. Quando vendemos os livros que temos em loja não podemos repô-los. Daí também a dinâmica que queremos incutir junto das pessoas que procuram a Stuff Out: visitem a loja ou o site e deixem-se surpreender pela oferta, em vez de procurarem um autor específico ou um determinado título. Especialmente na loja. Isto é um espaço de leitura, as pessoas estão à vontade para ler, folhear, ver, sem compromisso de compra”.
Ficámos a saber que neste trabalho de recuperação de livros, apenas compram a particulares e em todo o país. E que, até agora, na curta existência da loja física, os “best sellers” são as BD e os livros de arte antiga. Como se explica este sucesso? Rui arrisca dizer que “talvez seja porque o digital não consegue replicar a experiência de folhear e sentir as emoções que esses livros proporcionam”.
O trio de jovens empreendedores já fervilha de ideias, mas quer pensar nelas “com pés e cabeça” antes de divulgar o que quer que seja. Da caixinha de segredos saiu apenas que irão tirar tirar uma semana em outubro para fazer um brainstorming. “Vamos debater todas as ideias novas, tomar nota de tudo o que valer a pena e guardar num bloco de notas, pois ainda há muito para fazer entretanto. Isto porque, para o ano, vamos ter uma nova aventura e vai ser de certeza uma coisa mais fora da caixa do que abrir uma loja”.
A Stuff Out fica no nº 70c da Rua da Quintinha, em Lisboa, e está aberta de 2ª feira a domingo, das 11 às 19 horas. E online, claro.
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