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A encruzilhada do IUP e as liquidações ilegais

A Constituição da República de Cabo Verde é clara. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.
9 Fevereiro 2022, 08h06

Cabo Verde tem provado estar dotado de um corpo de juristas e legisladores de qualidade no domínio fiscal, que têm vindo a desenvolver e adaptar o regime fiscal às necessidades e realidades atuais. Este sucesso tem sido demonstrado quer do ponto de vista interno, quer na cada vez maior integração e cooperação no panorama da fiscalidade internacional, incluindo com vista a atrair investidores estrangeiros.

Há, porém, uma área que tem sido esquecida: a tributação do património, não obstante a Lei de Bases do IUP (Imposto Único sobre o Património) datar já de 1998. Tal resulta de não terem sido totalmente concretizados os instrumentos e mecanismos que permitem a liquidação e cobrança desse imposto, nomeadamente de o Regulamento de Avaliações Tributárias não ter sido publicado no prazo antecipado, que seria de 180 dias contados da entrada em vigor do Regulamento do IUP. E esse Regulamento de Avaliações Tributárias continua a não existir, volvidos vintes anos.

Ora, a falta deste Regulamento de Avaliações Tributárias tem gerado inúmeras liquidações de IUP que são ilegais, e que os contribuintes poderão contestar. Isto porque as Câmaras Municipais de Cabo Verde têm ignorado que as regras de avaliação dos imóveis continuam, pois, a ter de seguir o regime da Contribuição Predial Autárquica, que remonta a 1963.

Consequentemente, liquidam IUP com referência a valores de avaliação de imóveis errados (por exemplo, o valor da respetiva aquisição indicado na escritura pública de compra e venda). A Câmara Municipal da Praia terá sido uma das Câmaras a acautelar a situação, não obstante mesmo em relação a esta não ser claro que estão a cumprir os requisitos legais na avaliação dos imóveis aí localizados.

Transparência precisa-se, com urgência, sendo importante notar que a desconformidade na liquidação de IUP pelas Câmaras Municipais é em prejuízo dos contribuintes proprietários de imóveis, que acabam por pagar IUP ilegalmente liquidado.

Ora, a Constituição da República de Cabo Verde é clara. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.

Por outro lado, os proprietários não são, por regra, notificados de quaisquer procedimentos de avaliação e liquidação do IUP que antecedem a cobrança, não lhe sendo se quer possível perceber a fundamentação que subjaz ao cálculo do valor do IUP. Até quando continuará esta prática? Quantas reclamações de contribuintes são precisas, ainda mais numa altura de choque económico sentido no país?

E recorrer ao regime de avaliações com referência a 1963, fará sentido? Naturalmente que em muitas situações não. Esse sistema foi criado para uma sociedade que já não existe. No âmbito desse diploma, as regras de avaliação têm como critério o rendimento coletável do prédio, e não o seu preço ou custo ou valor patrimonial tributário. Esse rendimento coletável dos prédios corresponderá em algumas situações ao valor anual do arrendamento que lhes for atribuído, por confronto com outros que na mesma localidade estejam arrendados, depois de efetuadas as deduções ou correções legalmente exigidas.

Não obstante o desfasamento das regras de avaliação de imóveis estipuladas no Regulamento da Contribuição Predial Autárquica de 1963 com a realidade atual, a lei é para aplicar corretamente e ninguém pode ser obrigado a pagar impostos cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.

Sabemos que a fiscalidade assume, em qualquer Estado, um fator de obtenção de receita imprescindível para a criação e manutenção da estrutura de serviços públicos essenciais, mas sabemos igualmente que a cobrança de impostos, designadamente o IUP, tem, obrigatoriamente, de se conformar com o estrito respeito pelas normas legais concretamente aplicáveis e não se deixar transfigurar pela aplicação de regras inexistentes, que podem variar de Câmara Municipal para Câmara Municipal, e que carecem totalmente de suporte legal.

Os proprietários têm o direito de reclamarem das liquidações de IUP. Podem e devem fazê-lo, tendo um prazo de cinco anos para o efeito com referência ao da data da liquidação de IUP na medida em que a sua ilegalidade é com base em erro imputável aos serviços.

Este artigo é escrito em coautoria com Tiago Costa, Sócio da CCG & Associados, membro da Miranda Alliance.

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