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A Estrada para Oxiana: leitura imprópria para viajantes de sofá

A sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante.
  • Marta Teives
27 Julho 2019, 10h27

“Aqui estou eu refastelado: uma agradável mudança depois daquela pensão na Giudecca há dois anos. Fomos ao Lido hoje de manhã, e o Palácio dos Doges pareceu-me mais belo visto de uma lancha do que de todas as vezes que o vi de uma gôndola. Os banhos, em dia de calmaria, devem ser os piores da Europa: a água parece saliva quente, com beatas a flutuarem‑nos para dentro da boca e cardumes de alforrecas.”

Excêntrico, profundamente cativante, cómico e de fina ironia para lá do característico humor britânico, o inglês Robert Byron nasceu em 1905 e estudou em Eton e no Menton College, Oxford, sendo um produto típico da geração “Brideshead”.

 

 

Em 1933 partiu com a sua excêntrica personalidade numa viagem pelo Médio Oriente, passando por Beirute, Jerusalém, Bagdade e Teerão, tendo por destino final Oxiana — a região do rio Oxus, antigo nome do Amudária, que servia de fronteira entre o Afeganistão e a União Soviética. A chegada ao seu destino, a lendária Torre de Qabus, embora uma maravilha por si só, é muito menos extraordinária do que o registo das suas aventuras.

Historiador de arte particularmente interessado nas raízes centro-asiáticas da arquitectura islâmica, profundo conhecedor da língua inglesa, exímio escritor, Byron definiu os parâmetros da literatura inglesa de viagem que lhe sucederia inclusive até ao presente, de Patrick Leigh Fermor, Eric Newby e Colin Thubron, a Bruce Chatwin (que considerava “A Estrada para Oxiana” um «texto sagrado, para além da crítica»).

A sua descrição da Mesquita do Xeique Lutfullah (assim nomeada em honra do sogro do Xá Abbas, figura maior da dinastia Safávida, que a mandou erigir em 1618) na praça principal da cidade irariana de Ispaão, pode ser seguida e devidamente admirada pelo leitor do século XXI em visita à cidade.

O entusiasmo de Byron pelo edifício está bem patente no texto: “Nunca me deparei com um esplendor deste género em toda a minha vida. Ali no meio, lembrei-me de outros interiores, com os quais o pudesse comparar: Versalhes, ou as salas de porcelana do Schönbrunn, ou o Palácio dos Doges, ou a Basílica de S. Pedro. Todos são de grande riqueza, mas nenhum deles é tão rico (…) Na Mesquita do Xeque Lutfullah, a riqueza é criada apenas pela luz e pela superfície, pelos motivos e pelas cores.”

Byron morreu aos 35 anos quando o barco onde seguia foi torpedeado por um submarino alemão, durante a Segunda Guerra Mundial.

É extraordinário como um livro de viagens publicado em 1937 ainda consegue passar para os seus leitores uma tamanha aura sobre um lugar e criar um tal fascínio a que só resistem os viajantes de alma mais empedernida. A edição portuguesa é da Tinta da China.

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