Com a votação a sugerir a necessidade de coligações para a formação de um governo estável, as contas são muito simples de fazer. Num quadro em que a AfD não faz parte do perímetro de entendimento nem da CDU nem do SPD, os democratas-cristãos e social-democratas juntos – uma geometria recorrente no contexto germânico – conseguem um governo de maioria, mas este só será absoluto com o concurso dos Verdes. E se o ‘conluio’ entre a CDU (mais a CSU bávara, evidentemente) e o SPD parece estar nas intenções dos dois partidos, já o ‘acréscimo’ dos Verdes pode merecer alguma reserva do partido, o mais afastado do centro (pela esquerda) dos três.
De qualquer modo, os dois líderes centristas, Friedrich Merz pela CDU e Olaf Scholz pelo SPD, têm tido o maior cuidado em deixarem de lado o que os separa, para relevarem aquilo que eventualmente os pode aproximar a partir desta.
O histórico dos governos germânicos informa que o país gosta de maiorias confortáveis – pelo que uma que tenha mais de metade dos votos do Parlamento (que não tem sempre o mesmo número de lugares) será sempre mais confortável para o futuro chanceler. Nesse contexto, o mais provável é que a CDU e o SPD prefiram ter no governo o concurso dos Verdes. Até porque é uma equação que ‘tira de um lado o que acrescenta do outro’: se os ecologistas não estiverem no governo, estarão no Parlamento a engrossar as fileiras da oposição, por muito pouco audível que optem por ser.
A alternativa a estas duas hipóteses de coligação seria a tentativa de a CDU (mais a CSU) formarem um governo sem coligação – e sem maioria absoluta. Mas o conforto governativo aconselha a que isso só seja tentado quando a votação coloca determinado partido num lugar muito próximo da maioria absoluta, tendo por isso uma necessidade reduzida de ‘pedinchar’ apoio parlamentar. Podia até dar-se o caso de esse apoio poder ser fornecido por um dos partidos mais pequenos presentes no hemiciclo – mas nestas circunstâncias funciona sempre o mesmo ‘travão’: os alemães tendem a não gostar de experimentalismos políticos, nem de governos com força insuficiente para tomar decisões.
Numa situação-limite, o partido mais votado poderia coligar-se com um desses pequenos partidos – que todos os dias batalham para atingirem a fasquia dos 5%, abaixo da qual não têm direito a sentar-se no Parlamento. Recorde-se que há uma exceção a essa regra: qualquer partido que, mesmo não atingindo a barreira dos 5%, consiga ganhar em pelo menos três distritos eleitorais, terá direito a estar no Parlamento. Se um partido que cai abaixo de 5% ganha pelo menos três distritos eleitorais, tem direito à parcela de lugares que obteria se não houvesse limite. Esta é, aliás, uma das razões que fazem com que os lugares parlamentares não sejam sempre os mesmos de eleição para eleição.
Entre estes pequenos partidos está, para alguma incredulidade dos analistas, o partido liberal que até agora fazia parte da coligação de Olaf Scholz, juntamente com os social-democratas do SPD e com os Verdes. Aparentemente, os alemães não perdoaram ao seu líder, Christian Lindner – ministro das Finanças antes de Pistorius – o facto de o responsabilizarem pela cessação que atirou o país para eleições antecipadas. Lindner foi estrondosamente demitido por Scholz no final do ano passado, num momento de dramatismo que, também ele, é muito raro na Alemanha.
Desde que saiu do governo de coligação de três partidos de Olaf Scholz, Lindner foi relegado às bancadas da oposição, lutando pela sobrevivência política do seu partido – que, tendo sido formado em 1949, ficou fora do Parlamento uma única vez, em 2013. “Aqueles que querem preservar o potencial de um partido liberal no Parlamento da Alemanha devem erguer essa bandeira agora”, disse Lindner um dia destes, citado pela imprensa germânica.
A Aliança Sahra Wagenknecht (BSW) e o ‘velho’ Die Linke, o principal partido de extrema-esquerda repetidamente considerado uma espécie de braço legal das aventuras extremistas dos anos de 1960 (mas não é: é apenas o que sobra do Partido Socialista que governava a Alemanha de Leste, RDA), também estão nesse quadro. De qualquer modo, e pelo que está exposto, o facto de os partidos ultrapassarem ou não o limite dos 5% poderá ter um impacto significativo na formação do futuro governo. Se todos falharem a ida para o Parlamento, o número de grupos no Bundestag passará de sete para quatro – o valor mais baixo desde 2017. Seja como for, a imprensa germânica salienta que o Die Linke aposta ‘descaradamente’ na hipótese de ganhar três distritos para ultrapassar uma eventual minguada de votos.
A importância desta eventualidade resulta do facto de a presença ou não destes partidos mudar a percentagem dos que permanecem. Os democratas-cristãos (CDU/CSU), que estão com cerca de 30% de intenções de voto, poderiam ver a votação crescer para os 37% com o mesmo número de votos. Ora, de repente pode suceder que os democratas-cristãos possam colocar a hipótese de formar uma coligação apenas com os Verdes, dispensando os social-democratas.
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