O Ministério Público levou a cabo, nos últimos anos, a maior limpeza do sistema político e económico português das últimas décadas. Nunca antes as autoridades portuguesas se atreveram a investigar e a acusar tantas figuras poderosas da política, da alta finança e das empresas. É como se o Ministério Público tivesse mudado de rosto e de personalidade.

A Procuradora Geral da República (PGR), Joana Marques Vidal, é a figura-chave por detrás dessa mudança de atuação que é hoje visível até para o português mais distraído. Independentemente de as pessoas investigadas serem culpadas ou não – cabe aos tribunais decidirem isso -, a mensagem que Joana Marques Vidal passou para o português comum é que, finalmente, ninguém está acima da lei, seja um ex-primeiro ministro, um banqueiro influente ou um vice-presidente da República de Angola. Em Portugal, a lei aplica-se a todos e o Ministério Público não tem medo de investigar quem quer que seja, para espanto dos que até há pouco tempo se consideravam donos do regime.

Por isso sim, a Justiça deve ser cega e dita “estúpida”, porque caso contrário não será Justiça mas sim um jogo de conveniências. E sendo a Justiça um jogo de conveniências, o mal que permite será sempre superior ao bem que produz, pois é ao abrigo dessas conveniências que florescem esquemas que todos nós, contribuintes, teremos de pagar mais tarde ou mais cedo.

É por isso preocupante assistir às movimentações que têm tido lugar para que Joana Marques Vidal não seja reconduzida para um segundo mandato como Procuradora Geral da República. É verdade que os seus dois antecessores, Pinto Monteiro e Souto de Moura, cumpriram mandatos únicos de seis anos, mas a recondução não é proibida pela lei. Quanto aos prazos, existe um precedente relativamente recente, o de Cunha Rodrigues, que ocupou o cargo durante 16 anos, entre 1984 e 2000. Não se compreende, por isso, a leitura que a ministra da Justiça faz da lei, quando afirma que o mandato da PGR deve ser “longo e único”.

Por outro lado, há a questão do timing. Anunciar a não-recondução de Joana Marques Vidal nesta altura só pode transmitir a mensagem errada, face aos casos judiciais que a PGR tem em mãos. Este facto é tão evidente que não é crível que o Governo não o possa ter em conta quando chegar a hora de tomar a decisão final sobre o assunto. À mulher de César…