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“A minha obrigação era sair”, diz João Talone sobre demissão do Banco de Portugal

Nomeados por Mário Centeno, quatro membros do Conselho Consultivo do BdP colocaram o seu lugar à disposição do seu sucessor. Um desses membros, João Talone, afirmou ao JE que apresentou a demissão a 18 de junho e que sai do BdP para “dar liberdade a novo ministro” das Finanças na escolha dos membros independentes
13 Julho 2020, 07h35

Nomeados em 2017, João Talone, Francisco Louçã, Murteira Nabo e Luís Nazaré anunciaram, por escrito, quererem dar liberdade ao novo ministro das Finanças para escolher quem entender para o órgão consultivo do Banco de Portugal (BdP). Em declarações ao Jornal Económico, Talone, um dos membros que tinga sido nomeado por Mário Centeno, diz que pediu a demissão a 18 de junho, três dias depois da tomada de posse de João Leão, para “dar liberdade” ao novo governante para escolher os novos membros.

“Achei que saindo o ministro das Finanças, a minha obrigação era sair, dando liberdade ao novo ministro das Finanças escolher os novos membros independentes do conselho consultivo do Banco de Portugal”, afirmou ao JE João Talone, salientando que os quatro membros deste órgão do BdP “são escolha pessoal do ministro das Finanças que é depois proposta a Conselho de Ministros que aprova os nomes”.

O conselho consultivo pronuncia-se, de forma não vinculativa, sobre o relatório anual de actividade do Banco de Portugal, bem como a sua atuação decorrente das funções que lhe estão cometidas e sobre os assuntos que lhe forem submetidos pelo governador ou pelo conselho de administração.

Depois de terem sido nomeados por Mário Centeno, em 2017, os quatro membros do Conselho Consultivo do Banco de Portugal colocaram o lugar à disposição do atual ministro das Finanças. João Talone, Francisco Louçã, Murteira Nabo e Luís Nazaré comunicaram a João Leão a sua intenção de abandonarem as funções, o que deram também a conhecer ao BdP, com a finalidade de dar espaço ao novo ministro para poder escolher pessoas da sua confiança.

O primeiro a informar que pretendia deixar de integrar o Conselho Consultivo foi João Talone que escreveu ao atual ministro das Finanças que, tendo sido nomeado por decisão do Conselho de Ministros, mas por indicação de Mário Centeno, e na medida em que este deixara o cargo, entendia que deveria ser dada oportunidade ao novo ministro de escolher os nomes que considerasse adequados para a função. A demissão foi apresentada a 18 de junho, três dias depois da nomeação de João Leão como ministro das Finanças.

Reuniões do conselho consultivo não têm actas

Francisco Louça e João Talone manifestaram ambos, por escrito, uma outra preocupação sobre como decorrem as reuniões do conselho xonsultivo, onde, e ainda que tudo ali possa ser debatido, nada fica registado, pois não se produzem actas.

Por seu turno, Luís Nazaré, que já esta semana notificou João Leão de que colocava igualmente o lugar à sua disposição, esclareceu qual foi o propósito: “Dar margem ao Governo para fazer as nomeações que entender, pois são da sua escolha.”

Além disso, fala-se ainda em “potencial conflito de interesse”. Com Mário Centeno a caminho do cargo de governador do BdP, o facto de terem sido nomeados por Centeno enquanto exercia funções de ministro e nomeador, poderá levantar dúvidas. Mas Louçã, Talone e Nazaré são unânimes a garantir que Centeno “manteve o distanciamento necessário”.

O ex-ministro das Finanças, Mário Centeno, escolheu também os nomes do conselho de auditoria que tem como missão avaliar o trabalho do governador do Banco de Portugal.  A missão deste órgão de fiscalização do BdP é avaliar o trabalho do governador de Portugal, que poderá ser Centeno. Em causa pode estar um conflito de interesses.

Este conselho integra três membros todos eles designados por Centeno: Nuno Fernandes como presidente, Óscar Figueiredo e Margarida Vieira de Abreu. Se Mário Centeno for o próximo governador do Banco de Portugal, este conselho de auditoria irá controlar o trabalho de quem o nomeou, o que pode representar um conflito de interesses.

Já para o conselho consultivo, o ex ministro das Finanças nomeou quatro elementos: Francisco Louça, Luís Nazaré, Murteira Nabo e João Talone. Uma decisão que também pode representar conflito de interesses, embora seja uma estrutura sem poder efetivo, que se reúne apenas pontualmente.

Mário Centeno foi ouvido esta quarta-feira, 8 de julho, pela Comissão de Orçamento e Finanças, numa audição obrigatória no processo de nomeação para o cargo de governador do BdP. Apesar de apenas o PS estar a favor da nomeação, Centeno afirmou sentir-se “qualificado, motivado e apoiado” para ocupar o cargo de governador, rejeitando a possibilidade de conflitos de interesse.

Na audição, em que defendeu que não há conflitos de interesse entre o Ministério das Finanças e o Banco de Portugal, e em que viu sete dos oito partidos presentes na comissão de orçamento e finanças a mostrarem-se desagradados com a sua indigitação para governador.

A audição ao ex-ministro das Finanças é obrigatória por lei e haverá até um relatório com a avaliação dos deputados ao próximo líder do supervisor da banca, um documento que terá como relator o deputado socialista João Paulo Correia. Ainda assim, o Parlamento não tem poder vinculativo em relação a esta nomeação, apesar de todos os partidos, excepto o PS,  terem considerado que Centeno não reúne condições para ser governador do Banco de Portugal.

O PAN não concorda com a transição de Mário Centeno para o Banco de Portugal e já avançou com uma proposta de lei para impedir os ministros das Finanças de transitarem automaticamente para governadores do Banco de Portugal. “Mário Centeno não pode ir para o Banco de Portugal porque este seu salto direto da pasta das Finanças iria politizar uma instituição que se quer técnica e a sua independência face ao poder político”, sublinhou André Silva.

Iniciativa Liberal avança com providência cautelar para impedir nomeação de Centeno

A Iniciativa Liberal vai avançar com uma providência cautelar para impedir a nomeação de Mário Centeno como governador do Banco de Portugal, revelou João Cotrim de Figueiredo na audição de Centeno.

“Dada a insatisfação com o processo legislativo, iremos interpor providência cautelar para que nomeação não ocorra antes do processo legislativo”, anunciou, justificando que vai avançar com a medida cautelar “enquanto cidadão em defesa das pessoas que elegeram”.

Cotrim de Figueiredo não explicou quais os fundamentos em causa para a providência cautelar, que precisa de ser aceite pelos tribunais para ter efeitos. A medida visa suspender a nomeação de Centeno que, dos oito partidos com assento na comissão de orçamento e finanças, só tem o acolhimento do PS. Ainda que não haja qualquer poder vinculativo do Parlamento nesta designação, que cabe ao Governo.

Recorde-se também a IL tinha um diploma que queria impedir que a audição parlamentar a Centeno ocorresse antes de haver uma posição no Parlamento sobre o projeto de lei do PAN, que pretende legislar um período de nojo de cinco anos entre a saída do Ministério das Finanças e a entrada no Banco de Portugal. Se esta regra estivesse em vigor, impediria a indicação de Centeno.

O diploma vai ainda ser alvo de discussão na especialidade, mas aguarda neste momento pelo parecer do Banco Central Europeu.

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