Os recentes elogios do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa à ação do governo de Pedro Passos Coelho são pedagógicos. O mesmo se pode dizer daqueles que proferiu, no princípio de janeiro deste ano, nas cerimónias que marcaram o primeiro ano após a morte de Mário Soares, evocando-lhe, entre outros, o mérito no processo de transição de Portugal para a Democracia e o da adesão à então Comunidade Económica Europeia.

Estas palavras são importantes porque, demasiadas vezes, a sociedade portuguesa parece entregue a um maniqueísmo esquerda-direita, muito PS versus PSD, que envenena tudo quanto toca. Basta ouvir um militante de base de um daqueles partidos, ou seja, nem sequer é preciso perder tempo com as extensões do debate parlamentar em qualquer um dos três canais de notícias no cabo. Parecem quase todos fotocópias do PS Galamba, do PSD Relvas e, quando não tão maus, a parte que resta parece querer assumir a intransigência divina-discursiva do ex-bloquista Daniel Oliveira.

Já não é só na extrema-esquerda que o programa do partido, ou as diretivas emanadas da cúpula, respaldam as certezas em tudo, desde a apanha da azeitona à física nuclear, anestesiando o livre pensamento.

Mário Soares ainda hoje é criticado porque muitos portugueses foram atingidos pelo drama do processo de descolonização e, esmagados pela dor do que perderam, não foram capazes de perceber as circunstâncias históricas.

Passos Coelho é glosado pelo “ir além da troika” e pela profecia da vinda do “diabo”, que realmente está retido em parte incerta, sem que na arena política uma parte substancial do tecido político-partidário faça um esforço de honestidade intelectual por reconhecer o dramatismo das finanças e da economia portuguesas no pós-Sócrates.

A Web Summit pode exemplificar especificamente o que poderia e deveria ser a vida política portuguesa: apoiar, continuar, fazer crescer as boas ideias. Não foi por ter sido trazido para Portugal por João Vasconcelos e Paulo Portas que o evento de Paddy Cosgrave deixou de ser, e bem, apoiado por António Costa e o Governo atual, dando repercussão mundial ao trabalho digital e tecnológico que está a mudar a face da economia portuguesa.

Entre um governo e outro não estamos condenados a destruir tudo, porque estava mal, para começar de novo, porque agora finalmente estará bem. Os negócios podem agradecer mas o país só perde com isso. Os partidos dariam um grande exemplo se se entendessem nas questões de fundo (Educação, Justiça e Segurança Social à cabeça) e nas grande obras (aeroporto de Lisboa e estratégia ferroviária) e fizessem política com o resto, que ainda assim chegaria e sobraria.

Volto ao Presidente da República. As palavras de Marcelo Rebelo de Sousa têm peso. Restabelecem o equilíbrio entre as fações, prestam justiça e fazem acreditar ao português comum, aquele que vive a léguas do pingue-pongue partidário, que o bom senso ainda tem um papel importante a desempenhar na vida política. Sem ressabiamentos eternos, nem falsidades repetidas, a vida pode ser muito melhor. Até na esfera pública.