É quase chegada a altura de dizermos adeus à geringonça e poucos têm dúvidas de que na próxima legislatura poderá haver outro tipo de entendimentos à esquerda resultantes de um novo (des)equilíbrio de poderes. Vários cenários se colocam, mas um deles é particularmente aterrador pelos efeitos que provocaria nos portugueses e no país: o que sucederia se a esquerdas alcançassem a maioria de dois terços dos deputados eleitos, necessária para levar a cabo uma revisão constitucional?

Recentemente, António Costa largou o tema de uma possível alteração na Constituição aquando da apresentação do programa político do PS. É verdade que o fez no âmbito estrito de um comentário sobre a abordagem judicial ao problema da violência doméstica. Mas foi o suficiente para que várias vozes contra se fizessem ouvir através dessa janela entreaberta pelo primeiro-ministro. Uma delas parece ser a do presidente da República. Mas em política, e particularmente à esquerda, o que hoje é verdade, amanhã é mentira.

No entanto, quanto a mim e na hipótese que espero jamais se verifique – graças ao bom senso até agora comprovado do eleitorado nas urnas – de as esquerdas alcançarem os mencionados 2/3, vejo como muito provável que o PS ceda a pressões de partidos como o BE e o PAN, para além dos comunistas, sucumbindo assim à tentação de não perderem a única oportunidade que se lhes depararia de regredirem no tempo e de alcançarem aquilo com que sempre sonharam e que aliás sempre publicamente revelaram: a estatização da economia e da sociedade portuguesas e a quase extinção do setor privado em diversos setores de atividade.

Quanto ao presidente da República, independentemente dos seus desejos, convém recordar que neste caso ele não tem o poder de recusar a promulgação da revisão, de acordo com a Lei. Ou seja, terá a influência da palavra, mas estará de “pernas e mãos atadas” a assistir às novas diatribes constitucionais.

Temos assim as esquerdas que recusam o projeto europeu, que atacam as tradições nacionais, que odeiam a economia livre de mercado, em condições de recriar o texto fundamental da nossa matriz democrática. É algo que deve ser impedido a todo o custo e que deve ser alertado repetidamente ao eleitorado do centro e da direita: “um voto em Costa, Catarina ou Jerónimo, pode significar uma revisão constitucional à esquerda”.

Desejaria poder dizer que este cenário é de pura ficção científica, mas na verdade as sondagens mais recentes têm deixado em aberto essa possibilidade. É por isso tão importante que tenhamos bem presente o significado acrescido de cada voto em outubro próximo. Como escreveu Adelino Amaro da Costa: “Os portugueses já fizeram maioritariamente a sua escolha: a Europa Ocidental é o seu modelo. Pois bem. É preciso que essa escolha se reflita com rigor na lei fundamental e é necessário um poder político capaz de a interpretar, na prática, sem ambiguidades”. Estas palavras têm várias décadas e não é altura de as fazer regredir, ressuscitando fantasmas de estatismos passados que comprometem o direito à propriedade privada e à liberdade conforme a conhecemos hoje.

 

Não é difícil escolher uma figura e um momento, entre tantos e tão tristemente caricatos, em torno deste “Golagate”. Mas escolho aquele em que o ministro da Administração Interna, perante as câmaras e quando questionado, bateu no microfone do jornalista da SIC e disse algo como: “Isto que tem aqui também é inflamável”. Um episódio com entrada direta no baú dos tesourinhos deprimentes deste Governo. Cabrita, um político experimentado, foi atingido pelo calor dos fogos de verão.