As eleições legislativas mostraram um vencedor claro, mas novamente sem maioria absoluta, o que obrigará a entendimentos com partidos da oposição, à semelhança do que sucedeu no ano passado, para aprovar o Orçamento do Estado (OE) para o próximo ano. Este exercício já se afigurava complicado pela incerteza que envolve a economia global, que vai desde a questão comercial às guerras em curso, e forçará o Governo a incluir uma série de riscos no seu planeamento – sendo que as contas certas continuarão a ser prioritárias, mesmo com os três mil milhões de euros previstos em descidas de impostos ou com a possibilidade de o crescimento desiludir.
A AD venceu as legislativas do passado fim-de-semana, mas novamente com um desenho parlamentar que obriga a entendimentos com a oposição. A situação política interna junta-se assim a uma lista de riscos, a maioria externos, ao exercício orçamental para o próximo ano, que tem uma exigência redobrada devido à necessidade de começar a reembolsar os empréstimos ao abrigo do PRR.
Em entrevista à RTP3 esta quarta-feira, o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, reforçou a confiança num crescimento este ano em linha com a previsão constante no programa eleitoral da AD, ou seja, de 2,4% – embora reconhecendo que este objetivo é agora “mais exigente”. “Em todo o caso, os números que temos apontam para um crescimento acima de 2%, mesmo com toda a incerteza que existe”, reforçou.
Ouvidos pelo JE, vários economistas apontam para a dificuldade em obter estes números, embora haja divergência quanto ao seu realismo. Óscar Afonso, diretor e professor na Faculdade de Economia do Porto (FEP), sublinha que esta previsão do ministro “é compatível” com a inscrita no OE2025, ou seja, 2,1%. No entanto, Bruxelas atualizou recentemente as suas projeções macro, relembra, incluindo os impactos previstos da guerra comercial de Trump e a queda abrupta do PIB no primeiro trimestre, quando recuou 0,5% em cadeia.
“Se a Comissão vier a ter razão e a economia crescer apenas 1,8% em 2025, provavelmente será o investimento público a ser sacrificado, como habitualmente, para compor as contas e manter um ligeiro excedente”, considera. E sinaliza a prioridade: “elevar o potencial de crescimento económico do país, o que requer reformas estruturais”.
Também Susana Peralta, professora na NOVASBE, argumenta que, após a leitura do PIB nos primeiros três meses, “o cenário macro que a AD apresentou torna-se ainda mais irrealista”. Reconhecendo o seu ceticismo quanto ao “impacto desmesurado de uma baixa de impostos na atividade económica”, a economista alerta que, num “contexto de contração ou, pelo menos, abrandamento económico, é muito arriscado baixar impostos”.
Ainda assim, o défice não é o cenário base, até porque a “economia tem-se comportado acima das previsões” nos últimos tempos, muito pela interligação com Espanha, que tem dominado o crescimento europeu.
Por sua vez, Óscar Afonso gostaria de ver “a retoma do acordo de 2014 entre PSD e PS para a redução gradual da taxa de IRC até 17%”, em linha com o programa eleitoral da AD. “Entendo que a eliminação da progressividade do IRC é mais prioritária para a atração de investimento estruturante, mas ainda mais importante é a previsibilidade e confiança dos investidores na não reversão do desagravamento fiscal.”
Superavit é para manter
Também no capítulo do saldo orçamental Miranda Sarmento procurou transmitir confiança, reforçando que o Governo continua a esperar superavits este ano e no próximo – ainda que 2026 seja “mais exigente”. O ministro lembrou os cerca de 3 mil milhões de euros (cerca de 1% do PIB) de empréstimos do PRR que pesarão no exercício do próximo ano, mas reiterando que as contas públicas se manterão no verde, mesmo contabilizando este efeito. Caso excluíssemos esta componente, o saldo orçamental “ficaria em torno de 1%” em ambos os anos, continuou.
Os avisos quanto a um possível défice surgiram de várias instituições (Banco de Portugal, Comissão, Conselho de Finanças Públicas), mas os economistas ouvidos pelo JE duvidam que o país regresse aos saldos negativos. Ricardo Ferraz, professor no ISEG e na Universidade Lusófona, acredita em novo superavit, até porque “nenhum ministro neste momento gostaria de estar à frente da pasta das Finanças e passar de um excedente orçamental para um défice”.
“É uma questão de credibilidade também, não é só uma questão de solvência”, acrescenta, lembrando o impacto destes números nos custos de financiamento para o Estado.
No entanto, a questão do PRR não pode ser ignorada. O prazo para a conclusão do plano está a aproximar-se e o ritmo de execução tem deixado a desejar, levando mesmo a uma reprogramação recente que retirou alguns dos projetos mais ambiciosos e menos exequíveis no momento. Para Susana Peralta, o plano não irá, por si só, “colmatar as necessidades de investimento do país” e, dados os atrasos, o impacto efetivo deverá ser ainda menor do que previsto pelo Governo.
Oposição irá viabilizar
Independente dos aspetos económicos, a geometria parlamentar obrigará igualmente a negociações intensas entre os três partidos mais votados, embora os especialistas ouvidos pelo JE se mostrem confiantes que o OE será aprovado.
Susana Peralta identifica “um seguro de vida para o OE”, dado que “o PS está numa situação muito frágil”; Ricardo Ferraz aponta até uma data para o arranque das conversações, a segunda quinzena de julho, com a AD a “tentar incluir um conjunto de propostas do Chega e do PS”, que irão ambos lutar para “serem líderes da oposição”.
“O PS não vai ter uma grande margem para romper com a AD e para votar contra” o OE, acrescenta, pelo que será “o principal parceiro negocial”.
Também Paulo Trigo Pereira, professor no ISEG e redator principal do Budget Watch do Instituto de Políticas Públicas (projeto do qual fazem parte ainda Susana Peralta e Óscar Afonso), acredita que a estabilidade cresceu com este resultado eleitoral, visto que, “ao contrário do que sucedia há um ano, a AD tem mais votos do que todos os partidos de esquerda”. Coligações negativas estão, portanto, fora de hipótese.
“Com o PS enfraquecido, obviamente que vai negociar essa viabilização, espero, mas vai certamente aprovar este orçamento”, remata.
Já ÓscarAfonso avisa: “É mais do que o próximo OE que está em jogo, é o futuro do nosso sistema político e do país”, considerando que o OE2026 será apenas uma consequência do desenrolar desse jogo.
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