Vivemos um dos maiores desafios na história da economia portuguesa. Depois de um período de retoma económica que começou em 2013, a pandemia de Covid-19 está a provocar a maior contração do PIB desde que há registos.

Apesar dos esforços que permitiram a recuperação da nossa credibilidade externa, e da continuidade de Portugal como um dos destinos mais seguros do mundo, o “cisne negro” de 2020 veio exercer enorme pressão sobre as nossas débeis finanças públicas e sobre alguns dos setores mais importantes, tais como o turismo, os componentes automóveis e, obviamente, o retalho.

No curto prazo, a estrutura produtiva nacional tem conseguido aguentar o embate. Os nossos empresários responderam de forma rápida e eficaz na proteção da saúde dos seus trabalhadores, na adaptação dos processos e na gestão da tesouraria. Contudo, ainda não chegámos à fase mais difícil. Muitas empresas não enfrentam ainda uma crise de tesouraria e até de solvência, em grande parte devido às medidas de lay-off simplificado e moratórias determinadas pelo Governo.

À escala europeia, o Plano de Recuperação negociado em Conselho Europeu promete acelerar a resposta dos Estados-membros ao problema comum que enfrentamos e, apesar das incertezas e divergências, a maioria de nós não esperava uma abordagem tão musculada.

É positivo verificar que quase todos os Estados-membros compreendem que os riscos são transnacionais e que podem, no limite, comprometer o projeto Europeu. Para Portugal, o Plano é generoso, mas o país encontra-se numa posição de partida mais complicada do que outros. Temos uma enorme dívida externa, falta de competitividade de muitos setores e o setor mais afetado, o do turismo, foi aquele que mais contribuiu para o crescimento dos últimos anos.

Muito antes dos efeitos da “bazuca” se propagarem pela economia e mesmo que esta segunda vaga não provoque lockdowns generalizados na Europa, grande parte do nosso tecido empresarial irá necessitar de liquidez adicional. O prolongamento das moratórias até setembro de 2021 irá proteger as empresas e a banca, mas estas medidas por si dificilmente serão suficientes.

Nos últimos tempos, “reestruturação” foi uma palavra frequentemente lida e ouvida, embora para já circunscrita a um par de dossiês mediáticos e sem dúvida muito relevantes. Para evitarmos danos maiores, serão necessárias muitas mais reestruturações e refinanciamentos, de menor dimensão, mas que, se não acontecerem, haverá consequências mais graves e duradouras do que aquelas causadas pelos processos que todos os dias enchem telejornais.

As reestruturações são geralmente complexas, pois implicam assegurar liquidez no curto prazo para a sobrevivência das empresas e articular stakeholders com interesses diversos, num contexto em que é necessário planear e implementar medidas que alterem o rumo dos acontecimentos e permitam à empresa ser viável e adequadamente capitalizada.

O impacte social e o mediatismo das reestruturações tendem a retrair gestores e acionistas, que permanecem demasiado tempo em negação, esperando que a situação normalize através dos métodos do passado. Raramente acontece. Os credores, sem conhecerem a real situação da empresa, focam-se por vezes no curto prazo, procurando proteger exclusivamente a sua posição numa negociação imediata, que pode acabar por arrastar a empresa para uma situação pior em que todos saem a perder.

A resposta a este desafio terá de mobilizar diversos setores da sociedade. Precisaremos de uma resposta capaz de empresários, bancos, administradores judiciais, tribunais e instituições do Estado em geral, para evitarmos a falência de empresas que até seriam operacionalmente viáveis e têm sido fundamentais para a nossa economia. Os processos de insolvência descontrolados representam quase sempre a destruição de ativos tangíveis e intangíveis, ou seja, do stock de capital da economia, já por si insuficiente.

No passado, apesar das mudanças legislativas introduzidas (e.g. Processo Especial de Revitalização), não foi pela capacidade de restruturar empresas que a economia portuguesa recuperou. Desta vez, pela natureza diferente da crise, não teremos escolha. Com ou sem novos investidores externos, com alterações ligeiras ou profundas ao nível operacional e estratégico e com maiores ou menores necessidades de refinanciamento, o país não se pode dar ao luxo de perder boas empresas.