As mudanças rápidas de comportamento ao nível das pessoas e organizações são um enigma no mundo, particularmente no domínio das ciências sociais. Concretamente nos negócios, a mesma empresa pode ser conservadora num contexto e embandeirar em arco noutro, uma modesta inovação. Na física dir-se-ia que estamos perante uma fase de transição. Não é possível analisar uma molécula de água ou um eletrão no metal e explicar os respetivos comportamentos coletivos. Uma molécula de água se cair sobre um bloco de gelo congela, enquanto se cair num copo de água mistura-se com as outras. Os comportamentos são uma novidade: novas fases de matéria[1].
Neste âmbito, destaca-se o sociólogo polaco Zygmunt Bauman (1925-2017), na sua obra “Europa Líquida”, a fase líquida da modernidade corresponde à efemeridade e vulnerabilidade, não permitindo a consolidação cultural. Isto é, a solidificação, o que torna complicada a consolidação de novas ideias e a construção de caminhos para a resolução de problemas sérios.
Outros autores, como Marshal McLuhan (1911-1980), estudioso da comunicação, inspirado no mito de Narciso, observa que construímos extensões dos nossos órgãos sensitivos para nos entorpecer. Ou seja, precisamos a todo o tempo de ferramentas que nos auxiliem a responder a toda a pressão sensorial que sofremos no quotidiano. Trata-se de uma espécie de autoamputações, que, tal como o mito de Narciso, hipnotizam-nos com o nosso próprio reflexo, imobilizando-nos para tudo o resto e que verdadeiramente interessa. Sem termos consciência disso, através de tecnologias como os smartphones, as TVs digitais e os tablets, entre outras, entramos na chamada sociedade do espetáculo.
De acordo com Guy Debord (1931-1994), é nesta sociedade do espetáculo que vivemos, especialmente no que tange à participação, expressa pela massa consumidora das performances sociais. Debord vai mais longe, referindo que transitámos do ser para o ter e que chegamos, já, à fase do parecer que se tem. Afirma, ainda, que quem gera os produtos de consumo, especialmente os mediáticos, são aqueles que têm interesse em reorganizar o povo, dando-lhe a orientação pretendida.
Em consequência, as imagens do espetáculo passam a ser mediadoras das relações sociais e a ficção emergente do espetáculo passa a ser a realidade da vida em sociedade, tendo por base uma alienação generalizada que caracteriza a modernidade. O resultado desta inércia, é a abstração da ação em favor da contemplação do objeto, tornando a generalidade dos indivíduos em meros espetadores.
Assim, forma-se, em torno dos indivíduos, um círculo vicioso, sendo que à medida que estes mais contemplam, menos vivem; e, por conseguinte, quanto mais procuram e aceitam reconhecer-se nas imagens dominantes da sociedade, menos compreendem a realidade, a sua própria existência e menos alcançam os seus desejos.
Analisando à luz destas teorias o filme Joker[2], eu diria que face à exposição total em que vivemos, ao egoísmo de uns e ao adormecimento de outros, cada um montou a sua própria personagem para viver em sociedade. Em escassas gerações, passamos do ser, para o ter, depois para o parecer que se tem e, presentemente, para o parecer que se é, vivendo uma espécie de “Sociedade das Máscaras”, onde, na realidade, nada, nem ninguém, são o que parecem ser. Assim como na realidade virtual, as máscaras parecem servir à sociedade de cobertura à necessidade de libertar tensões latentes, à semelhança do que acontece no filme.
O Joker mascara-se de palhaço, tendo sido vendido durante muitos anos como o mal. Todavia, por detrás de uma máscara de palhaço e de um sorriso excêntrico, está uma história de humilhação e mentira, sem respaldo na sociedade espetadora e adormecida. Só Batman, o herói mascarado de morcego, poderá salvá-la da tragédia e autodestruição, simbolicamente representada na decadência de Gotham City.
É desejável tomar atenção que as pessoas, jovens ou seniores, quando se sentem agredidas na sua humanidade, seja em Hong Kong (China), em Bagdad (Iraque) ou em Santiago (Chile), saem à rua, lutam pelos seus direitos e, acima de tudo, tentam encetar a mudança do estado das coisas. Um derradeiro ato de esperança democrática, na defesa da soberania e da liberdade individual.
[1] Fonte: Bahacall, S., Loonshots, (2019), St Martin’s Press.
[2] Realizado por Todd Phillips, atores Robert De Niro, Joaquin Phoenix, Zazie Beetz, EUA/CAN, 2019, Cores, 122 min.
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