Desconheço se os navios ucranianos apresados pela marinha russa no estreito de Kerch – que separa o Mar de Azov do Mar Negro – navegavam em águas territoriais russas. Os russos dizem que sim, os ucranianos dizem que não. Uma vez que não estamos em condições de avaliar fidedignamente o trajeto dos navios ucranianos, tentaremos analisar os acontecimentos apenas numa perspetiva política e com a imparcialidade possível.

No seguimento de uma iniciativa do presidente Petro Poroshenko, o parlamento ucraniano impôs a lei marcial, e o governo de Kiev colocou em alerta as tropas na fronteira com o Donbass agitando a possibilidade de uma guerra entre a Rússia e a Ucrânia. A OTAN convocou uma reunião de emergência da Comissão OTAN-Ucrânia, e o Conselho de Segurança reuniu-se igualmente de emergência para discutir o assunto.

Interessa, pois, encontrar respostas para duas questões, enquadrando-as temporalmente: a quem interessa no presente momento criar uma crise política? E o que é que cada uma das partes tem a ganhar?

Entre outros, dois acontecimentos merecem uma particular atenção: a realização de eleições presidenciais na Ucrânia, em março de 2019, que poderão ser proteladas devido à imposição da lei marcial; e o encontro próximo entre Vladimir Putin e Donald Trump na cimeira do G-20, onde o primeiro fará mais uma tentativa para convencer o segundo a repensar as sanções em vigor. Não há coincidências em política internacional.

O estado calamitoso em que se encontra a economia ucraniana e a necessidade de consolidar o acordo feito com o FMI para pagar a sua dívida cada vez maior, tem feito com que outros candidatos com uma posição pró-russa tenham ganho um terreno considerável a Poroshenko nas sondagens. Por outro lado, este tem de convencer os europeus e os americanos da necessidade de continuarem a apoiar o Governo ucraniano. Trump considera agora a possibilidade de não se encontrar com Putin.

A Rússia não ganha nada em provocar esta crise, não só porque quer ver aliviadas as sanções como se configura no horizonte a elevada probabilidade das eleições serem vencidas por um candidato que não lhe é hostil. Com a informação disponível, faz mais sentido afirmar que a Ucrânia tem mais a ganhar em provocar uma crise e como tal seja a responsável pelos acontecimentos. Para já, parece que Poroshenko não irá atingir os objetivos que alegadamente almejava.

Este incidente transporta-nos para a questão fundamental e insolúvel que inquina a segurança internacional. A liberdade de manobra dos Estados vizinhos das grandes potências está limitada pela segurança das últimas. Este acontecimento, como outros, nomeadamente o da Geórgia, provam que a Rússia não fará concessões na sua vizinhança em matéria securitária. Assim como a China não fará no Mar do Sul da China, e os Estados Unidos não fizeram e nem farão na América Central e do Sul. Relembremos Grenada, Chile e todas as democracias da América Central que foram derrubadas através de golpes de Estado sediciosos.

Antes de emitirmos considerações de natureza normativa sobre política internacional e sobre o comportamento das grandes potências fará, porventura, sentido pensar em termos de geopolítica, a ciência que explica estas coisas com clareza.