Marcelo Rebelo de Sousa deu mais uma última aula esta semana, em Castelo de Vide, em Portalegre, na Universidade de Verão do PSD. É a segunda vez que se despede de alunos, porque já o tinha feito em setembro de 2018, quando se despediu da “fascinante aventura” do ensino como professor Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa na cerimónia de abertura do ano académico, na Aula Magna. Tinha de ser, porque estava a cumprir 70 anos, na altura a idade de jubilação.
Agora, em Castelo de Vide, despediu-se dos jovens sociais-democratas, aparecendo na sala de surpresa, quando todos esperavam uma videoconferência. E explicou que se trata de uma última aula porque depois de terminar este mandato, o segundo, daqui a cinco meses, não vai comentar política.
“Tenciono depois afastar-me da política totalmente. Quem foi Presidente da República não pode andar a opinar sobre primeiros-ministros, governos e líderes da oposição”, afirmou.
Em jeito de balanço, respondendo a perguntas num painel intitulado “As respostas do Presidente”, Marcelo Rebelo de Sousa admitiu que os seus mandatos em Belém ficaram “aquém do que tinha sonhado”, mas salientou que o povo lhe deu “sempre razão” nas dissoluções da Assembleia da República que decidiu.
Questionado sobre o que correu pior ou melhor desde que foi eleito em 2016, considerou ter acertado “em bastantes coisas”, mas que também falhou noutras.
Do lado positivo, salientou o ter tentado “fazer os impossíveis” para garantir a estabilidade política, apesar das três dissoluções do parlamento no seu segundo mandato. “Foi o que correu melhor mesmo quando não correu bem, porque não se traduziu necessariamente em haver soluções governativas que durassem os 10 anos”, afirmou.
Pelo lado negativo, apontou a incapacidade de renovação do sistema político, da administração pública ou o distanciamento das pessoas em relação aos políticos, embora salientando que as responsabilidades foram partilhadas com “outros órgãos de soberania”
“Digamos que, para aquilo que eu tinha pensado e sonhado em alguns momentos, de facto aquilo que foi possível fazer ficou aquém do que eu tinha pensado e sonhado realizar”, disse. E reconheceu que isto se acentuou no segundo mandato, a que se abalançou porque “não podia dizer que não” à recandidatura em 2021, quando se vivia “a pior fase da pandemia da covid-19”.
Apelo à moderação
Estando no quadro do partido, o Presidente da República defendeu que o papel do PSD no combate aos extremismos deve ser “afirmar a diferença da moderação”, tal como o do PS, alertando que será sempre mais fácil encontrar consensos ao centro.
Foi questionado sobre qual deve ser o papel do PSD numa altura em que crescem as forças populistas e admitiu que os sociais-democratas têm “uma tarefa difícil” no centro-direita, equiparando este desafio ao do PS no centro-esquerda, que é serem os representantes da moderação.
“Se não conseguir – eu acho que tem condições para conseguir, assim como o PS – afirmar a diferença da moderação que distingue o centro-direita da direita mais radical, que resolva os problemas dos portugueses, então torna-se muito difícil a função dos partidos desta natureza e isso não é boa notícia para a democracia”, avisou.
O ativo russo e a CPLP
Falou-se de Portugal, mas o que se passa lá fora foi o tema inicial. O Presidente da República fez uma intervenção inicial em que abordou a situação internacional, apontando o presidente norte-americano, Donald Trump, como o exemplo de um novo estilo de lideranças políticas, mais emocionais e que apostam no contacto direto com os cidadãos, sem mediação, num mundo em que a balança de poderes também se alterou.
“Com uma coisa peculiar e complexa: é que o líder máximo da maior superpotência do mundo, objetivamente, é um ativo soviético, ou russo”, afirmou. “Em termos objetivos, a nova liderança norte-americana tem favorecido estrategicamente a Federação Russa”, afirmou, referindo-se à atuação do presidente norte-americano na guerra da Ucrânia. “Passaram de aliados de um lado para árbitros do desafio”, afirmou, acrescentando tratar-se de um árbitro que apenas quer negociar com uma das equipas, excluindo quer a Ucrânia, quer a Europa.
Questionado, o Presidente da República falou da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, apelando que o país mantenha a sua política de apoio aos países e pessoas dos estados que integram a CPLP.
Rebelo de Sousa não se referiu à legislação sobre imigração aprovado pelo atual governo, que voltou à Assembleia da República depois de um chumbo do Tribunal Constitucional, mas deixou um recado: “O fundamental é conseguirmos gerir as conjunturas, nunca esquecendo o que é estrutural. As conjunturas são como as modas – mais acima ou mais abaixo, mais coloridas ou menos coloridas, mais emocionais ou menos emocionais. Não podemos é, por causa de razões conjunturais, deitar fora uma questão estrutural”. E avisou que “as modas passam”, mas “há feridas e melindres que se provocam sem querer”.
À medida que se aproxima do final do mandato, cada evento pode ser entendido como uma despedida de Marcelo Rebelo de Sousa, principalmente quando prometeu recolhimento.
Em 2018, aquando da “oratória de sapiência” na Aula Magna, já Presidente, foi desafiado a fazer um sumário desta última aula, ao que disse que copiava o que Sebastião da Gama escreveu num dos seus diários. “No sumário pus assim: conversa amena com os rapazes. Sei coisas que vocês não sabem, do mesmo modo que vocês sabem coisas que eu não sei ou já esqueci. Estou aqui para ensinar — ensinar, não, falar delas. Aqui, e no pátio, e na rua, e no vapor, e no comboio, e no jardim, onde quer que nos encontremos”. O que seria, também, para esta última aula na Universidade de Verão do PSD.
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