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“Acordos pontuais na saúde são desejáveis e possíveis. Um pacto é uma quimera”

Antigo diretor-geral da Saúde Constantino Sakellarides lembra que os dois principais partidos, PS e PSD, têm divergências na saúde há meio século, o que impede que haja um pacto de regime nessa área. O facto de as duas forças dependerem “demasiado” dos líderes do momento, e não de programas estáveis, não ajuda. Ainda assim, “deve haver um esforço para existirem pontos comuns”.
5 Maio 2025, 07h00

O antigo diretor-geral da Saúde Constantino Sakellarides defende que acordos pontuais na saúde entre o Partido Socialista (PS) e a Aliança Democrática (AD) “são possíveis e desejáveis”, mas um pacto de regime nesta área não passa de uma “quimera” tendo em conta as “divergências” entre os dois principais partidos que sobressaem há 50 anos.  Por um lado, o PSD “tende a favorecer soluções que têm uma forte componente privada”, por outro, o PS “tende a favorecer soluções que envolvem o Serviço Nacional de Saúde (SNS) por si”.

Em conversa com o Jornal Económico (JE), o médico e professor catedrático junta ainda uma outra dificuldade, que se prende com a “demasiada dependência” dos partidos dos líderes do momento e não dos seus programas.

“Se houvesse programas estáveis que acompanhassem os partidos durante décadas, com os devidos ajustamentos, era mais fácil encontrar formas de pactuar. Quando os partidos não vivem dos programas estáveis, mas das ideias do governante do momento, é evidente que pactuar é mais difícil”, analisa o antigo responsável pela autoridade de saúde, apontando que o PS de José Sócrates não é o mesmo de António Costa nem nenhum dos dois é igual ao de Pedro Nuno Santos. E o mesmo acontece com o PSD de Luís Montenegro e os anteriores líderes, Rui Rio e Pedro Passos Coelho.

Analisando até os últimos oito anos em que o PS esteve no poder, realça Sakellarides, se olharmos para o que dizem os três ministros da saúde – Adalberto Campos Fernandes, Marta Temido e Manuel Pizarro – vemos que “não têm uma linha coerente” e que “cada ministério é o ministério do ministro” que o assume. “Com que PS se vai pactuar? E com que PSD se vai pactuar?”, questiona, defendendo, ao mesmo tempo, que “deve haver um esforço para encontrar pontos em comum” porque há “vantagem em aproximar posições em aspetos que garantem estabilidade do nosso sistema de saúde e o seu desenvolvimento a favor das pessoas”.  “Acho que é possível chegar a acordos pontuais. É desejável e possível. Agora, a quimera que vai haver um pacto de regime na saúde entre o PS e a AD não acredito.”

Sobre o que é possível negociar, o antigo DGS aponta como a principal lacuna no Serviço Nacional de Saúde a inexistência de um plano plurianual de investimento que seja “realista” e com “metas para serem cumpridas”. “Era um bom motivo para pactuar”, sugere. Esse plano, constata o médico, “não vem em nenhum dos programas”, do PS ou do PSD. “Vêm partes dele. Mas sem essa componente de garantia plurianual e a garantia que o ministro das Finanças não o obstaculiza quando está atrapalhado, e está atrapalhado com frequência”.

Havendo cada vez mais objetivos orçamentais a cumprir, a que se junta agora o militar, mais complicado se afigura, receia. “Bem se pode dizer que não vai afetar a política social, mas uma coisa é dizê-lo, outra coisa é demonstrá-lo na prática quando se for fazer o orçamento”, aponta, insistindo na ideia de que é preciso ter metas concretas também nas áreas sociais, não apenas em matérias económicas e financeiras.

Sakellarides acrescenta também que é “injusto” comparar-se o desempenho de Parcerias Público Privadas (PPP) com o desempenho de hospitais do SNS precisamente porque os primeiros tiveram a garantia de um orçamento plurianual e os segundos não.

“Enquanto as PPP tiveram garantia de um orçamento plurianual e que era cumprido, os hospitais não tinham nada disso. A gestão dos hospitais do SNS tinha de ser pior necessariamente devido aos constrangimentos de não ter nenhuma expectativa de plurianual para o desenvolvimento do que seria as PPP com a garantia de um orçamento seguro”, aponta, dizendo que é “útil” para uma discussão saudável, “sem atropelar os nossos preconceitos”, analisar em que circunstâncias se compara o que se compara. É preciso, nesse sentido, que os programas eleitorais, e depois os programas de Governo, sejam “fundamentados, explicados” e que “assumam a sua agenda política”.

É precisamente neste ponto que o antigo diretor-geral da Saúde mais críticas tem a fazer ao programa da AD. Sendo o regresso às PPP a medida que a AD tem para a saúde mais “estruturante”, de “longe a mais emblemática do último ano”, a mais “complexa”, que “modifica mais o sistema de saúde português”, e que foi anunciada, “e bem”, com detalhes, “como é que merece num programa eleitoral duas linhas e meia?”, interroga-se o médico que foi um dos convidados a participar nas sessões setoriais no Largo do Rato para dar contributos para o programa socialista.

“Quem lê o programa” da coligação PSD/CDS – continua o professor – “pensa que é uma coisa como outra qualquer quando é absolutamente central”. Para o médico, uma das possíveis explicações para que não tenha sido dado o devido destaque à intenção de tornar o SNS em PPP é que “não convém dar grande relevância” a esse aspeto neste momento. Mas mesmo que haja “motivos de discordância” e que a medida seja “polémica”, há boas formas de apresentar a proposta que suscitam um debate interessante, explicando quais são as vantagens do modelo, quais são os riscos, como se ultrapassam, mas essa não foi a opção da AD no programa eleitoral, analisa Sakellarides.

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