A nova tabela de preços da ADSE na área da oncologia já não vai entrar em vigor no dia 1 de novembro, mas sim no arranque de 2026, sabe o Jornal Económico (JE). A decisão acontece depois de um dos prestadores, o grupo Lusíadas Saúde, ter ameaçado rasgar a convenção com o subsistema público de saúde e suspender os tratamentos dos doentes com cancro.
Em causa estão reduções no valor pago por medicamentos oncológicos que variam entre os 22% e os 63%. É o caso do Ramucirumab, cujo preço atual é superior a 3.500 euros, mas que com a revisão passará a 1.300, ou do Acalabrutinib, em que o corte é superior a 55%, passando de 240 para 106 euros.
Desagradado com esta “redução unilateral dos preços” que o subsistema de saúde comunicou no início do mês aos prestadores privados, o grupo Lusíadas enviou uma carta à ADSE a lamentar a decisão “injustificada”, “eticamente preocupante” e “insustentável” que “compromete seriamente a sustentabilidade económica da prestação de cuidados”.
“Como tal, seremos forçados, com grande pesar, a suspender estes serviços (…) Não podemos continuar a operar em moldes que nos impedem de garantir a qualidade e a segurança dos cuidados de saúde até agora prestados, de forma responsável e segura”, lia-se na missiva, a que o JE teve acesso.
Deixando a porta aberta ao diálogo numa reunião com caráter de urgência, o grupo Lusíadas sublinhava ser “incompreensível” a imposição de “cortes desta natureza” a partir do dia 1 de novembro, quando os restantes financiadores fazem o “caminho inverso”. Ou seja, “reconhecem a realidade” e “procedem em conformidade a atualizações no preço”. numa área tão “complexa” e “sensível” que envolve “custos crescentes”.
Argumentos que o Lusíadas expôs também na reunião urgente que, entretanto, se realizou e que terão levado a ADSE a adiar a entrada em vigor da nova tabela de preços e regras do regime convencionado na área da oncologia para o dia 1 de janeiro “por motivos de ordem operacional”.
“Transição adequada e segura”
Em resposta a perguntas do JE, fonte oficial da ADSE confirma o adiamento da entrada em vigor da nova tabela de medicamentos oncológicos “de forma a assegurar que, até essa data, todos os procedimentos necessários estejam devidamente desenvolvidos e garantidos por todas as partes envolvidas”.
O instituto público presidido por Maria Manuela Faria sublinha que “o adiamento da entrada em vigor de algumas medidas por parte da ADSE, como é o caso desta, não é inédito e não tem outro significado senão o de garantir que tanto os prestadores como a própria ADSE dispõem das condições necessárias para assegurar, nas datas determinadas, uma transição adequada e segura”.
A ADSE assegura, por fim, que “a continuidade dos tratamentos oncológicos dos seus beneficiários não está em causa, quer no grupo Lusíadas, quer nos restantes prestadores privados com os quais mantém convenções em vigor”.
Mas a manter-se a tabela já definida, sabe o JE, o grupo Lusíadas também não alterará a posição já tomada na carta enviada à direção da ADSE. Contactada pelo JE, fonte oficial do grupo privado de saúde não quis fazer qualquer comentário. A Luz Saúde e o grupo Mello Saúde (CUF) também não comentaram o assunto.
A insatisfação com os preços “desajustados” determinados pela ADSE não é uma questão nova, e não abrange apenas a área da oncologia. Prestadores privados e médicos têm vindo a abandonar as convenções com o subsistema público do Estado devido às condições menos vantajosas quando comparadas com as oferecidas pelas seguradoras.
Situação que tem obrigado os 1,3 milhões de beneficiários da ADSE a recorrer cada vez mais ao chamado regime livre através do qual pagam como qualquer particular, reavendo depois parte do valor.
Em maio deste ano, em declarações ao JE, o presidente da Associação 30 de Julho, que representa os beneficiários da ADSE, afirmava que o facto de existirem cada vez menos médicos e atos convencionados tem gerado muitas queixas, sendo, aliás, esse “um dos maiores problemas” dos utentes que descontam 3,5% do seu salário ou pensão.
“Temos defendido que a ADSE deve garantir aos seus beneficiários o acesso à generalidade dos cuidados de saúde, de qualidade, em tempo útil e com preços justos”, defendeu, na ocasião Fernando Vaz de Medeiros.
O economista Eugénio Rosa, antigo vogal do conselho diretivo da ADSE, alertou, na mesma altura, para o fardo demasiado pesado que os beneficiários carregam. Recorrendo ao regime livre saem “lesados”, uma vez que acabam por pagar, em média 50% da fatura, quando no convencionado, em média, pagam apenas 20%.
Só que as possibilidades de recorrer a cuidados de saúde onde haja acordo com a ADSE têm vindo a encurtar, sobretudo em especialidades como dermatologia, psiquiatria, ginecologia e obstetrícia. Neste último caso, onde a ADSE praticamente não tem médicos convencionados, exemplifica, uma consulta no privado custa 100 euros, dos quais os beneficiários recebem de volta só 30/35 euros.
No regime livre, segundo cálculos de Eugénio Rosa, os beneficiários da ADSE gastam cerca de 400 milhões de euros, que se juntam aos 700 milhões que descontam, 3,5% do salário ou da pensão. “É muito pesado”, considerou, defendendo ser necessário “um esforço” e “proatividade” tendo em vista uma “negociação flexível” com os prestadores privados.
“É preciso é haver da parte da ADSE uma abertura para encontrar preços que sejam justos e equilibrados” porque “há capacidade para melhorar”, posicionou-se o antigo deputado do PCP.
Almofada da ADSE cresceu
Há um mês, no Parlamento, a presidente do conselho diretivo da ADSE afirmou que a almofada financeira do subsistema de saúde é, neste momento, de 1.300 milhões de euros, face aos 1.100 milhões de euros anunciados em 2023.
Questionada sobre se mantém a confiança na sustentabilidade do sistema, Maria Manuel Faria reiterou que sim, apontando o reforço da almofada financeira, apesar da queda nos resultados líquidos da ADSE em 2024, para 134 milhões de euros, com o impacto da entrada de mais de 200 mil funcionários das autarquias.
“Temos de ter muita cautela”, enfatizou, devido ao envelhecimento e por a ADSE ser um sistema solidário, defendendo que é preciso pensar que “quem entra agora na ADSE e é novo vai ter as mesmas coberturas e o mesmo descanso na saúde quando tiver 60 anos”. “Esta almofada é para prevenir todas essas situações”, indicou.
Nessa audição na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública. a presidente da ADSE discordou que tenha havido perda de benefícios e, simultaneamente, aumento das contribuições. “Temos tido uma preocupação grande” em fazer chegar aos beneficiários esses mesmos benefícios, salientou, notando que as reclamações estão “num nível inferior face a 2023”.
No início deste ano, recorde-se, o subsistema de saúde avançou com mudanças no sentido de alargar os benefícios, entre os quais se destacou o custo máximo de 500 euros por qualquer cirurgia realizada no regime convencionado, assumindo a ADSE ”todo o restante valor”.
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