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Alfredo Carvalho: “Mesmo sem a lei proteccionista, a Tecnicil avançaria com o leite. O barulho que existe é político”

Presidente do Conselho de Administração da Tecnicil Industria revela que para lançar o leite e sumos de fruta recorreu a financiamento externo, cedendo 18% das acções da Tecnicil (2,5 milhões de euros) ao AFIG, fundo internacional que também investiu 5,5 milhões de euros na aquisição de obrigações da empresa cabo-verdiana.
19 Março 2018, 16h41

Alfredo Carvalho, presidente do Conselho de Administração do Grupo Tecnicil e da Tecnicil Industria, defende que o Estado deve sim proteger as empresas que produzem no seu território, rechaça as criticas de favorecimento por parte do vice-primeiro ministro (accionista e ex-administrador da Tecnicil) e desafia empresas estrangeiras concorrentes a abrirem as suas fabricas em Cabo Verde. Porque, a seu ver, toda a polêmica a volta da lei que agrava taxas de importação de lacticínios e sumos de fruta nasceu de “pessoas loucas ou de ma-fe, que não conhecem os processos de montagem de uma industria”.

 

Económico Cabo Verde – Depois da água e dos refrigerantes, a Tecnicil opta pelo sector do leite. Como nasceu esta ideia?

Alfredo Carvalho – Bem, na verdade não é só o leite, acabamos de lançar no mercado o iogurte Mimo. E a ideia surgiu há quatro anos, na sequência de uma constatação de que grande parte dos produtos que consumimos, especialmente bebidas, é importada. Constatamos também que muitos países com as mesmas condições que Cabo Verde não seguem este padrão, isto é, não importam tudo o que consomem. No caso concreto do leite, temos o exemplo das Canárias, que apesar de ter as mesmas características climatéricas que Cabo Verde, produzem muito leite. E Canárias não tem vacas! O leite que produzem é todo ele reconstituído. Aliás, a reconstituição do leite é um processo normal e muito utilizado nos países do Norte de África, Índia, ou mesmo no Brasil. A Nestlé, maior comercializadora mundial de produtos alimentares, reconstitui boa parte do seu leite. Também os sumos de fruta passam por esse processo. A Alemanha produz sumos de laranja, manga, etc., mas não tem campos de cultivo dessas frutas. A partir dessas constatações, notamos que Cabo Verde pode também entrar nesse ramo, pelo que começámos a fazer o nosso trabalho de casa. Fizemos em 2014 um estudo de viabilidade que confirmou que esse seria um negócio viável.

– Essa viabilidade é já a contar com a exportação ou o estudo só centrou-se no mercado interno?

Ainda que fosse só para o mercado nacional o estudo indica para a viabilidade do negócio. E quando acrescentamos a exportação fica ainda mais atractivo. Por isso, decidimos avançar com o negócio, dando arranque ao processo de elaboração dos projectos técnicos e a procura de financiamento.

– A montagem financeira foi feita com recurso a financiamento externo e interno?

O financiamento foi garantido com recurso ao mercado externo, na sua totalidade. Temos uma modalidade de financiamento em que 30% das nossas necessidades foi através da venda de acções e 70% por via da venda de obrigações.

– Quem adquiriu essas acções?

Um fundo internacional, o AFIG II, que é gerido pelo AFIG. Tínhamos outras soluções mas esta mostrou-se melhor.

– Este modelo de financiamento implicou alterações na estrutura accionista da Tecnicil?

Claro, tivemos inclusive de aprovar o aumento do capital da empresa em 18% e vendemos esses 18% ao AFIG. Este mesmo fundo investiu nos restantes 70% de obrigações que colocamos a venda para financiar o negocio. Esta é a primeira vez que uma empresa privada utiliza esta modalidade para se financiar.

– Estamos a falar de que valores?

O investimento total é de um milhão e 100 mil contos e recorremos a um financiamento de 8 milhões de euros, repartidos em 2,5 milhões pela venda de acções e 5,5 milhões de euros em obrigações.

– O retorno do investimento será em quantos anos?

Se os pressupostos considerados pelo estudo se efectivarem, a partir do terceiro ano o projecto começa a ser rentável. Mas pressupostos são pressupostos, nem sempre o que se assume que vai acontecer acontecerá da forma prevista, para melhor ou para pior.

– Mesmo assim foi necessário o Governo propor uma lei protectora para a Tecnicil avançar. Se não houvesse essa lei (agravamento de taxas alfandegárias para lacticínios e sumos de fruta) aprovada pelo Parlamento no âmbito do OE 2018, a Tecnicil estaria hoje no mercado do leite e sumos de fruta?

Claro que sim. Decidimos avançar com o projecto em 2015, na altura com o PAICV no Governo.

– O anterior Governo conhecia este projecto?

Não. Nós fazemos quando fazemos os nossos projectos não contamos com nenhum Governo. Consideramos apenas as condições do mercado e nada mais. O actual Governo conhece este projecto porque convidamos o primeiro-ministro para visitar a nossa fábrica de desenvolvimento de projectos em meados de 2017. Mas também convidamos, o ministro das Finanças, o líder da bancada parlamentar do MpD, a líder da bancada do PAICV, o presidente da Câmara de Comercio de Sotavento. Estamos a falar de um projecto que começou a ser criado em 2014. Só pra ter uma ideia, as negociações para o financiamento demoraram mais de um ano. Depois do financiamento demos inicio a construção da fábrica, que durou um ano e tal. Com a fábrica pronta fomos a procura dos equipamentos, que não se encontram a venda. Portanto, só loucos e pessoas de má-fé ou talvez que não conheçam esses processos é que podem pensar que um projecto desta envergadura fica pronto em um ano.

– Se a Tecnicil iria avançar com o projecto independentemente da lei proteccionista e se o estudo de viabilidade, que antecede esta mesma lei, aponta para o sucesso do negócio, qual o motivo de a Tecnicil ter apresentado a proposta para agravar taxas alfandegárias e esperar a sua aprovação para entrar no mercado?

Precisamente, para tornar o projecto mais atractivo, mais competitivo. De facto, o projecto já era rentável, mas qualquer deslize nos custos de produção, que pode acontecer a qualquer momento, pode comprometer o negócio. Repara: para produzir leite, é preciso comprar leite no mercado internacional. E o preço do leite está quase diariamente a sofrer oscilações, idem para manteiga e sumos. Portanto, o preço das matérias-primas pode não ser competitivo neste momento. Há riscos grandes que estão ligados aos custos de produção.

– Quer dizer que o custo da matéria-prima nos países de origem pode aumentar?

Isso e não é só isso. O preço da água vai aumentar, a electricidade… enfim, tudo isso.

– Esta lei proteccionista começará a surtir efeito a curto, médio ou longo prazo?

Curto prazo e longo prazo, dependerá de até quando estará em vigor. Esta medida adoptada pelo Governo vem fazer com que o produto nacional seja mais competitivo no preço. Fará com que o produto importado aumente de preço, enquanto o nacional manterá o seu preço, mantendo obviamente a mesma qualidade que o importado.

– Fica a ideia de que esta lei proteccionista serve apenas para proteger os interesses das empresas e não o consumidor.

É assim: esta lei foi feita para proteger as empresas nacionais, mas não foi feita para penalizar o consumidor. O que o Governo quer é que o por exemplo o leite consumido em Cabo Verde seja produzido em Cabo Verde. Não é só a Tecnicil Industria a produzir, a Mimosa ou Montanhês (ambos de Portugal) se quiserem pode vir produzir aqui também, com as mesmas regras. A Compal pode produzir a partir de Cabo Verde também. Não falei de iogurtes porque os iogurtes vivos não importamos. O que importamos são sobremesas, que erradamente se chamam de iogurte. O iogurte tem de ser vivo e a única empresa que comercializa iogurtes em Cabo Verde é a Iogurel, que por causa dessa medida, sai também beneficiada.

– Porquê apenas lacticínios e sumos de fruta merecem esta protecção?

Nós apresentamos uma proposta para a Câmara do Comercio de Sotavento, que a submeteu ao Governo e o Governo achou que era possível. A Tecnicil Industria tem capacidade para abastecer todo o mercado com leite, iogurte vivo e sumos de fruta. Não sei se outras industrias terão essa capacidade. Oiço pessoas a falar de ovo, de frangos, mas não sei se essas industrias têm capacidade para dizer “a partir de amanhã vou abastecer o mercado nacional com ovos de qualidade certificada, a preço competitivo e em quantidade necessária. Em relação ao leite, o interessante é que hoje quase todos os hotéis encomendam o nosso leite.

 

– Tem sido boa a aceitação desses novos produtos, como leite?

– No Sal, a apenas a Riu ainda compra o nosso leite, porque têm um fornecedor exclusivo que é a Emicela. Mas a Emicela está em negociações connosco para lhe vendermos leite. O próprio Riu já nos contactou a pedir as nossas condições. Mesmo a nível do consumidor nacional, dificilmente encontras uma pessoa que já experimentou o leite Vida e dizer que não tem qualidade.

– A contestação à lei e a polémica envolvendo a Tecnicil não prejudicaram a imagem da marca?

Claro que prejudicaram. E sentimos isso. Sabemos de pessoas que fazem questão de irem aos pontos de venda e dizerem para não comprar o leite Vida.

– Com que interesse?

Só pode ser político. Este barulho todo é político. Porquê não sei.

– Acontece que o vice-primeiro ministro e ministro das Finanças, Olavo Correia, foi quem levou a proposta ao Parlamento, depois que a Tecnicil, de que é accionista e antigo administrador, e a Câmara do Comercio a sugeriram. Ou seja, o ministro estaria directamente a beneficiar uma empresa sua, pressupondo tráfico de influência.

Não. De novo, digo: esta questão é mais política do que outra coisa qualquer. E é uma matéria que está a ser averiguada pelos órgãos judiciais. E é bem que o façam. Porque nós sabemos o que fizemos. Este projecto vem de 2014, com o PAICV no poder. Decidimos investir em 2015, e era o PAICV que estava no poder. Arrancamos as obras e encomendámos os equipamentos também com o PAICV no poder. Onde está o tráfico de influência aqui? A proposta de alteração de taxas fizemos para a Câmara de Comércio que, entretanto, havia sido ouvida pelo Governo no âmbito da elaboração do Orçamento de Estado. E a CCISS nos contactou a pedir propostas que poderiam ser incluídas no OE 2018. Enviamos uma extensa lista, que não apenas essa de agravamento de taxas que a CCISS achou por bem levar ao Governo e que seria mais prioritário para indústria nacional. Entretanto, eu também tive encontro com o primeiro-ministro e lhe falei da proposta que a Tecnicil tinha enviado para a CCISS. Dei-lhe cópia dessa proposta. Falei com o ministro das Finanças e abordei-lhe também sobre a nossa proposta e dei-lhe cópia da mesma. Falei com a líder da bancada parlamentar do PAICV e ofereci-lhe uma cópia da nossa proposta que submetemos à CCISS. Portanto, não fizemos nada às escondidas.

– O problema é que além do alegado proteccionismo no leite, o Governo – segundo foi notícia – estaria a proteger a Tecnicil, arrendando um prédio na Praia, para instalar um departamento do próprio Ministério das Finanças, e os apartamentos da Vila Verde Resort, no Sal, aos trabalhadores da TACV.

É tudo uma falsidade enorme. Aqui estamos a falar de Tecnicil Imobiliaria e não da Tecnicil Industria. A Vila Verde não está a ser gerida pela Tecnicil, mas sim por uma empresa portuguesa, a Atmos, que contratamos para esse efeito. Neste momento, portanto, não sei nada sobre se estão os funcionários da TACV hospedados no Vila Verde ou não. Pode até ter sim, porque Vila Verde é o maior resort de Cabo Verde e é um sitio onde qualquer pessoa que for trabalhar na ilha do Sal quererá ir lá ficar. É normal portanto que o pessoal da TACV queiram morar no Vila Verde, mas isso é com a empresa que gere o resort. Enfim, há politiquices a mais. Há interesses políticos por detrás para atacar a Tecnicil.

– Por parte do PAICV? Qual seria o objectivo?

Não sei, sinceramente. Só sei que não há nenhuma empresa cabo-verdiana pública ou privada que contribui para o desenvolvimento de Cabo Verde mais que a Tecnicil Industria e Tecnicil Imobiliaria. Também não sei porque é que um cabo-verdiano consegue estabelecer como objectivo prejudicar a Tecnicil. Já lançámos leite e sumos de fruta, que estão a ultrapassar as nossas expectativas. O iogurte também. Na verdade, já esperávamos essa reacção do mercado. Porque nós não investimos apenas no hardware, na fabrica e nos equipamentos, investimos na formulação e concepção do produto.

Contratamos os melhores experts na matéria, temos espanhóis, alemães e outros a trabalhar connosco há quase um ano no desenvolvimento do produto. Fizemos tudo para garantir que o nosso produto fosse ao encontro das exigências do mercado. Quisemos desde o inicio fazer algo melhor. Veja o leite: pegue qualquer pessoa e o peça para fazer um teste cego e verá o resultado. O leite Vida contra qualquer outra marca no mercado em teste cego.

O preconceito à volta do leite Vida vem de politiquices. O político afirma que trabalha para o desenvolvimento de Cabo Verde, mas esse desenvolvimento só acontece com investimentos. O investimento é que gera emprego, emprego gera rendimento, rendimento gera procura de produtos e procura gera novos investimentos. É um ciclo que o político deve conhecer e defender, não é apenas defender o consumo não é defender o desenvolvimento do país. Os países desenvolvidos fizeram isso para alimentar o seu ciclo de crescimento. Produzem lá para consumirmos aqui e quanto mais consumimos mais produzem, mais investem, mais emprego criam e mais rendimento proporcionam.  Alguns dos nossos políticos não percebem isso. E são os que infelizmente chamamos de cabo-verdianos.

– Infelizmente porquê?

Porque o seu interesse não é o desenvolvimento de Cabo Verde.

– O facto de o vice-primeiro ministro estar a ser investigado por alegado favorecimento à Tecnicil afectará o ambiente de negócios e os investimentos estrangeiros em Cabo Verde?

Não creio, porque não é a atitude do Ministério Publico que vai afectar a atractividade do investimento para Cabo Verde. Pelo contrário, se a investigação for conduzida de forma séria e concluída com brevidade beneficiará a chegada de mais investimentos. O que afecta o investimento no país é a atitude de alguns políticos que tomam posições anti-investimento em Cabo Verde, anti-investidor interno. Dizem que quem investe não precisa de nenhuma protecção, mas qualquer investidor busca protecção. Todos os países fazem isso, dos EUA à China.

O Estado deve sempre proteger investimentos realizados no seu território. Se um países quer se desenvolver tem que proteger os investimentos e os investidores. Não é com ajudas que se chega lá, mas sim com investimentos. As ajudas que os paises ricos dão é para alimentar o seu crescimento e normalmente quem mais exporta é quem mais dá ajudas, precisamente para poder beneficiar as suas empresas nos países de renda mais baixa. A Inglaterra não exporta para Cabo Verde e acha que vai dar ajudas ao nosso país?

– O ambiente económico em Cabo Verde está melhor agora?

A expectativa é essa, que venha a melhorar mais. O Governo vem anunciando medidas e intenções interessantes que esperamos venham a concretizar-se. As pessoas estão a acreditar que as coisas vão melhorar e isso é bom. Veja o nosso caso: passando esse ruído à volta dessa medida de protecção, por exemplo, vamos empregar mais pessoas. A nossa expectativa é que o Governo implemente todas as medidas que anunciou e não apenas esta de lacticínios e sumos de fruta.

Foto: Tecnicil

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