Sucedem-se os alertas. O último relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, sigla em inglês), divulgado na semana passada, destaca a urgência de limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius em relação aos valores pré-industriais. A partir desse nível, o qual poderá ser alcançado entre 2030 e 2052, o risco de fenómenos climáticos extremos aumenta substancialmente. Encomendado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e baseado em cerca de 6 mil estudos ci[frames-chart src=”https://s.frames.news/cards/emissoes-de-co2/?locale=pt-PT&static” width=”300px” id=”251″ slug=”emissoes-de-co2″ thumbnail-url=”https://s.frames.news/cards/emissoes-de-co2/thumbnail?version=1528810635200&locale=pt-PT&publisher=www.jornaleconomico.pt” mce-placeholder=”1″]entíficos, o relatório conclui que essa limitação do aumento da temperatura global implica “mudanças rápidas, abrangentes e sem precedentes em todos os aspectos da sociedade”.
Outros estudos científicos recentes têm apontado para a iminência de um “ponto de não retorno” no que respeita ao aquecimento global e demais alterações climáticas, a partir do qual já não será um processo reversível através da ação humana. Estamos perante avisos alarmistas ou evidências científicas? E com que impacto em Portugal? De acordo com o geofísico Pedro Matos Soares, especialista em alterações climáticas, “as evidências observacionais e dos modelos do sistema Terra, que são modelos físico-matemáticos muitíssimo sofisticados, são inexoráveis relativamente ao processo de aquecimento que vivemos e à sua origem nas atividades humanas, em grande medida associadas à queima de combustíveis fósseis. Os impactos projetados são imensamente severos para a sociedade como um todo, desde os aspectos económicos até á sua própria viabilidade. Em Portugal, e apoiando-me nos nossos trabalhos no Instituto Dom Luiz da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa [onde Matos Soares lidera uma equipa de investigação na área das alterações climáticas], os impactos mais gravosos estão relacionados com a enorme probabilidade de aumento de eventos extremos como ondas de calor, seca, inundações, etc. E também com os problemas associados de saúde, da água, na agricultura e florestas”.
“A questão do ponto de não retorno tem que ver com a escolha do limiar a que estamos dispostos a viver em sociedade. O recente alerta sobre um ponto de não retorno está ligado, por um lado, aos patamares de aquecimento acordados mundialmente [no âmbito do Acordo de Paris, 2015], de 1,5 e 2 graus Celsius, e à constatação de que as consequências são muito diferentes num caso e no outro. Por outro lado, à evidência científica de que se ultrapassarmos estes limiares muitas regiões do mundo verão a sua viabilidade, enquanto sociedades, imensamente comprometida. E, por último, a inação dos decisores políticos confere a tudo isto um carácter infelizmente catastrofista”.
Se ainda for possível reverter o processo de alterações climáticas, para voltar a uma situação de equilíbrio será necessário muito tempo, mais de um século como alguns cientistas têm apontado? “Em primeiro lugar queria enfatizar que o sistema climático é um sistema transiente. Sempre teve períodos de aquecimento e arrefecimento, mas estas mudanças processavam-se em milhares de anos, e não em pouco mais de 100 anos como o que vivenciamos neste período de aquecimento. A presente taxa de aumento de temperatura é que não tem paralelo. Deve, também, ter-se em conta que o sistema climático tem imensa variabilidade natural e agora, infelizmente, variabilidade forçada pelas atividades humanas, o que o transporta para um novo desequilíbrio”, responde Matos Soares.
“O sistema climático terrestre tem uma grande inércia que primeiramente se deve aos oceanos e à sua capacidade térmica. Sendo assim, mesmo que suspendêssemos todas as emissões de gases de estufa, o sistema climático continuaria a aquecer. Esse aquecimento cifrar-se-ia em cerca de 1,4 graus Celsius, segundo um estudo recentemente publicado, e demoraria pouco menos de um século a atingir essa mesma estabilização da temperatura média global. Deste modo, não existe já a possibilidade de reverter o aquecimento global que sofremos até aos dias de hoje, nem o que acabei de referir. Existe, sim, a premência de abrandarmos o aquecimento futuro e assim diminuirmos as suas consequências. E quando falo em futuro, estou a referir as próximas décadas em que viveremos muitos de nós. Quanto menos mitigarmos o aquecimento global, piores serão os seus impactos, para nós e para os nossos filhos e gerações vindouras”, explica.
O que é mais urgente implementar, ao nível de políticas públicas, no sentido de pelo menos desacelerar o processo de alterações climáticas? “Temos que dar prioridade à mitigação. Ao nível internacional e nacional, temos que forçar uma transição energética muito mais célere para as energias renováveis, promover a eficiência energética, industrial, agrícola e florestal, para reduzir o máximo possível as emissões de gases de estufa. Nos fóruns internacionais temos que nos bater por estas mudanças, visto sermos dos países mais vulneráveis no contexto europeu. Falando ainda de mitigação, agora à escala regional, temos que implementar medidas de uso do solo que possam aliviar o sinal de aquecimento nas nossas regiões. E estas medidas têm que ter por base estudos científicos sérios”, defende o geofísico.
Romper com “os interesses do imediato”
Portugal está preparado para enfrentar as consequências a breve ou médio prazo das alterações climáticas? “Infelizmente, não me parece. Portugal e os restantes países mediterrânicos são dos mais vulneráveis às alterações climáticas, tendo em conta o pronunciado binómio aumento de temperatura/diminuição da precipitação, e resultante aumento de secas e ondas de calor. E ainda a crescente ocorrência e intensidade de outros fenómenos extremos como chuvas fortes. No entanto, não existe um esforço verdadeiro destes países, no contexto europeu e mundial, para fazer face às ameaças que enfrentam”, lamenta.
“Apesar de haver hoje uma preocupação, sem precedentes, na opinião pública com as alterações climáticas e um conjunto de medidas governamentais de adaptação, estas na sua maioria carecem, em primeiro lugar, de uma visão global do problema. Em segundo, de uma visão regional, por exemplo para Portugal, apoiada em estudos científicos criteriosos. E terceiro, de uma vontade política de médio prazo, que rompa com os interesses do imediato”, enumera Matos Soares. “Em Portugal, temos imensos exemplos de tudo isto. Observe-se a questão da prospeção e exploração de petróleo que está na ordem do dia. Portugal, como um dos países europeus mais desprotegidos face às consequências do aquecimento global, está a tentar iniciar este processo de exploração de petróleo, perdendo completamente toda a capacidade negocial e política nos contextos europeu, mundial e nacional, relativamente ao esforço urgentíssimo para diminuirmos a emissão de gases de estufa. E isto em troca de eventuais benefícios para algumas empresas (ENI e Galp) e para o Estado português que ninguém pode contabilizar. Relembre-se que as royalties previstas nos contratos celebrados com essas empresas são de 5 a 9%, depois de todo o investimento ser ressarcido. Contudo, e mais uma vez, todos os riscos ambientais e climáticos são assacados aos portugueses”.
“Aquando da ocorrência dos grandes e trágicos fogos destes dois anos ouvimos o Governo referir que, infelizmente, temos que nos habituar a estes desastres, associando-os expressamente às alterações climáticas. Ora, como podemos aceitar medidas governamentais que, sem qualquer dúvida, estimulam as emissões de gases de estufa, como estas licenças de prospeção e exploração? E, ainda mais gravoso, que nos colocam numa situação de extrema debilidade nas futuras negociações políticas para fazer face a um aquecimento global com cada vez mais e mais trágicas consequências”, questiona.
Taguspark
Ed. Tecnologia IV
Av. Prof. Dr. Cavaco Silva, 71
2740-257 Porto Salvo
online@medianove.com