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Ana Gomes: “Se calhar, ainda vamos descobrir que por trás da Doyen estão alguns clubes que querem silenciar Rui Pinto”

Em entrevista ao ‘Jogo Económico’, a eurodeputada falou sobre o desafio que a justiça portuguesa tem pela frente ao julgar Rui Pinto. Questionou a natureza da Doyen e tem grandes reservas sobre que interesses estão na base desta detenção.
  • Ana Gomes
1 Abril 2019, 07h49

A eurodeputada Ana Gomes foi a convidada da última edição do programa ‘Jogo Económico’ e, juntamente com Luís Miguel Henrique e João Marcelino, debateu que papel pode ter o informático Rui Pinto na divulgação de informação que pode ser útil às autoridades ou se, por outro lado, deve-se ter em conta a forma como esse manancial de informação foi adquirido.

 

Rui Pinto deve ser visto como uma oportunidade ou uma ameaça para o futebol português e mundial?

Deve ser visto como uma oportunidade não só para o futebol português e mundial como para as autoridades portuguesas. Porque ele pode ser um valiosíssimo auxílio na recuperação de capitais perdidos em evasão fiscal e em todo o tipo de criminalidade e da mesma maneira que as autoridades espanholas, alemãs, belgas, francesas estão a beneficiar da ajuda de Rui Pinto, as autoridades portuguesas, quer as tributárias quer as policiais e judiciais podem beneficiar da ajuda deste informático. E pelo que sei, é o que já está a acontecer porque depois de ter chegado a Portugal, Rui Pinto comprometeu-se em tribunal a ajudar as autoridades portuguesas. Portanto, ele pode ser uma grande oportunidade para que Portugal corrija muitos dos problemas de corrupção e de infiltração para ajudar a descortinar outro tipo de criminalidade, fiscal e não só, e no fundo para recuperar ativos.

A justiça portuguesa tem o desafio de ter de garantir a segurança de Rui Pinto. Além disso, considera que a nossa justiça tem, sobre si, os holofotes mundiais?

Não vimos já faixas em estádios de futebol por essa Europa fora a pedir que seja concedida proteção a Rui Pinto? Isso é sinal que muitas pessoas, também na área do futebol, querem verdade desportiva a integridade e está preocupada com o Rui Pinto. As autoridades judiciais de que falei há pouco (espanholas, alemãs, belgas, francesas) já estão a colaborar com Rui Pinto porque há interesse que este informático seja protegido. Portanto, a nossa justiça vai estar sob os holofotes, não só no tratamento que dá a Rui Pinto, se valorizam e aproveitam a presença de Rui Pinto em Portugal para esclarecer uma série de casos extremamente complicados de corrupção e de outro tipo de crimes como o branqueamento de capitais e evasão fiscal, sendo que alguns destes crimes têm a ver com a verdade desportiva. Portanto, quer a segurança de Rui Pinto, quer o tratamento que as autoridades portuguesas vão dar à informação que este informático possa ter, tudo isso vai estar sob escrutínio internacional. Num debate recente no Parlamento Europeu sobre um relatório que aprovámos sobre o combate aos crimes fiscais, entre outros, a Comissária Europa para a Justiça, Věra Jourová (responsável pelo combate contra o branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo) enalteceu o papel dos denunciantes e disse como é fundamental a sua proteção. Na resposta a esta intervenção, até chamei a atenção para a importância de que a Comissão Europeia siga com atenção o caso de Rui Pinto. Neste relatório até existe o pedido de constituição de um fundo europeu para proteção dos denunciantes porque está evidenciado o valor de denunciantes como o Rui Pinto, até porque boa parte dos esquemas criminais que temos incluem fundos europeus. Espero que Rui Pinto não tenha o final infeliz que tiveram outros denunciantes e que se reconheça o extraordinário trabalho e interesse público daquilo que ele pode revelar.

A justiça portuguesa tem estado à altura sobretudo nos casos em que está envolvido o futebol português?

Não, considero que a justiça portuguesa tem estado muito atrás e muito abaixo daquilo que seria exigível num Estado democrático e sobretudo em comparação com o que têm feito os aparelhos de justiça noutros países e até as próprias autoridades tributárias. Por exemplo, as investigações que as autoridades espanholas, alemãs, belgas, francesas têm aproveitado a informação de Rui Pinto mostram uma proatividade que não vimos até hoje nas autoridades portuguesas, fiscais ou outras. Quanto à justiça em si, nesse caso ‘e-toupeira’ verificamos que os arguidos que vão a julgamento já não incluem algumas personalidades que deviam ter sido constituídos arguidos se a justiça fosse coerente e consequente com aquilo que ela própria descobriu. Se a justiça portuguesa constitui arguido um indivíduo que é suposto ser o ‘braço direito’ do chefe de um clube, que era um assessor jurídico e que tinha contactos com indivíduos infiltrados no sistema de justiça, ou com possibilidade de se infiltrarem no sistema informático obviamente para descobrir e impedir investigações, isto é altamente grave. E já nem falo de outros casos envolvendo a corrupção de magistrados, como o caso Rangel, onde a justiça não tem feito aquilo que era elementar fazer. Sabemos que a justiça é lenta mas no nosso país, dá a sensação que há muitas infiltrações promíscuas no próprio sistema de justiça que explicam por exemplo a história de um funcionário judicial usar passwords de outros funcionários judiciais para aceder a processos que eram do interesse de determinadas figuras dos clubes de futebol ou a história da captura de magistrados que explicam que a justiça tinha de atuar de forma muito mais incisiva e exemplar, exatamente para não continuar a impunidade. A sensação de impunidade explica o pântano que estamos a viver, não só no futebol, como nos negócios e até mesmo na política. Existem organizações criminosas, autênticas máfias e isso acontece em Portugal e não só.

As autoridades portuguesas devem aproveitar toda a informação que Rui Pinto tenha em sua posse?

Absolutamente! De resto, é isso que está previsto na legislação europeia que prevê a proteção dos denunciantes e é algo que estará previsto numa diretiva europeia que vai ser aprovada em breve. O estatuto de proteção dos denunciantes é muito alargado mas o que já existe em termos de legislação já obriga a proteção dos denunciantes e que valoriza o seu trabalho. Eu sei que há legislação penal portuguesa que tende a excluir como meio de prova informação que seja obtida por meios ilícitos (não sei se foi o que houve no caso de Rui Pinto) mas hoje valoriza-se o interesse público que advém da informação concreta. Foi assim nos casos LuxLeaks, SwissLeaks e Panama Papers, por exemplo.

Foi uma queixa da Doyen que levou à detenção de Rui Pinto. Como classifica esta situação?

Perante as denúncias, as nossas autoridades têm ficado sossegadinhas no seu canto e só atuaram (e isso põe-me doente) a ‘toque de caixa’ de um fundo de investimento nebuloso e duvidoso sediado em Malta com uma máfia cazaque por trás. E é a ‘toque de caixa’ disto que as autoridades portuguesas vão atuar? Se isto é assim, assusta-me! Se calhar ainda vamos descobrir que por trás da tal Doyen, que é um fundo esquisito, estão alguns clubes de futebol com o objetivo de silenciar Rui Pinto. Ou estão os escritórios de advogados que se prestaram a ser intermediários de todo o tipo de negociatas esquisitas e, até porque dispõem de sistemas de segurança informática da ‘treta’ e facilmente são penetráveis, e quando perceberam isso reagiram usaram os seus contactos para fazer as autoridades judiciais agir… um dia iremos perceber isso tudo. O que é que eu disse? Eu disse que ‘o rei vai nu’. Disse o que todos sabem sobre o passado criminal do líder máximo do Benfica. O que me preocupa é que a corrupção a nível desportiva se repercuta para o resto da sociedade, incluindo a corrupção e captura de governantes.

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