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Têxteis alertam para fuga fiscal nas encomendas baratas da China

Os números são impressionantes: entram na Europa, todos os dias, 12 milhões de pequenos pacotes com compras abaixo dos 150 euros, quase todos vindos da China, que inundam o mercado europeu e implicam uma fuga ao fisco que pode ter acumulado 50 mil milhões de euros. Itália e França estão na linha da frente do combate. Associações dos têxteis aplaudem nova taxa sobre encomendas online da China, que atualmente estão isentas de tarifas e que Bruxelas quer aplicar uma taxa de dois euros a partir de 2026.
3 Dezembro 2025, 07h00

Bruxelas prepara-se para taxar os artigos de baixo valor que entram no espaço da União Europeia a uma taxa fixa de dois euros, uma medida vai afetar os principalmente os gigantes chineses como a Shein e a Temu e cujo anúncio já era esperado. Não apenas porque os Estados Unidos fizeram o mesmo em agosto passado, mas também pelas fortes pressões que a Comissão vinha sentindo, vindas dos mais diversos setores, com especial enfoque nos de grande consumo, como os têxteis, vestuário e calçado.

A cada ano, a UE estima que deixa de arrecadar cerca de 1.500 milhões de euros por causa da exceção aduaneira mantida em relação às pequenas encomendas. Segundo os dados da Comissão Europeia, “em 2024 foram importados para a UE 4,6 mil milhões desses artigos de valor reduzido”, quase o dobro do registado em 2023 (2,4 mil milhões). São 12 milhões por dia, com 91% dessas encomendas a partirem da China.

César Araújo, presidente da ANIVEC (Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e de Confecção), refere que “é a maior fraude fiscal do século XXI na Europa”, a que acrescenta que é também uma gigantesca “fraude ambiental e de propriedade intelectual#”, dado uma parte substancial dos artigos ser pura “contrafação”, explicou em declarações ao JE. “Tudo o que entra de países terceiros não paga taxas aduaneiras nem paga IVA” – ao contrário das encomendas de baixo valor que circulam no interior da União Europeia – como prova uma investigação da própria associação. O acumulado das viagens dos pequenos pacotes para o interior da União pode chegar, nas contas da ANIVEC, aos 25 mil milhões, agregando uma fuga da ordem “dos 50 mil milhões de euros”, adiantou.

A medida agora acordada visa garantir concorrência justa com os retalhistas europeus, reduzir o enorme volume das pequenas encomendas, reforçar o controlo de produtos não conformes e cobrir os custos alfandegários. Mas, para Cesar Araújo, a questão levanta também problemas de segurança – uma vez que ninguém sabe ao certo o que vem no interior dos pacotes que entram livremente no espaço europeu. Para o presidente da ANIVEC, é bem possível que droga e armas sigam para o interior da União Europeia por aquela via. A sua expectativa, disse ainda, “é que o assunto esteja resolvido, ou em vias disso, “a partir de março ou abril do próximo ano”.

Para o presidente da Associação Têxtil e do Vestuário de Portugal (ATP), Ricardo Silva, o assunto está suficientemente identificado e o organismo que dirige é totalmente favorável às medidas que a Comissão Europeia vai agora impor, disse em declarações ao JE. Admitindo que a medida “vai tornar alguns produtos mais caros, o que é pior para quem os consome”, terá por outro lado a vantagem “de induzir um consumo de melhor qualidade”.

Mas, se há consenso em termos das medidas que vão ser adotadas – apesar de o calendário ainda merecer dúvidas – também parece haver um consenso no que diz respeito à parca iniciativa da União: os dois euros cobrados sobre cada pacote que entra na União – que podem descer para os 50 cêntimos se o destino for um armazém e não uma morada particular – são considerados uma ‘migalha’ face á dimensão do problema.

É esta sensação de que o ‘prevaricador’ pode continuar a ser beneficiado que está a levar alguns países do bloco a avançar desde já com medidas de bloqueio. É o caso da Itália – ainda mais exposta que Portugal no caso dos setores do vestuário e do calçado. O governo de Giorgia Meloni quer criar um imposto sobre a chamada ‘fast fashion’ – o grande negócio das plataformas chinesas. E quer também aplicar parte da diretiva europeia que responsabiliza as empresas que vendem produtos em Itália, mesmo que fabricados fora da União Europeia, pelos impactos ambientais e sociais da produção – na chamada Extensão da Responsabilidade Alargada do Produtor (EPR). Além disso, quer instituir um sistema para certificar a cadeia de fornecedores têxteis que permita a rastreabilidade de cada peça vendida em Itália.

Do outro lado, as plataformas chinesas tentam defender-se. É o caso da Shein, uma das maiores estruturas comerciais de ‘fast fashion’ do mundo, que, a partir de França, planeia criar ‘corners’ físicos dentro de lojas já existentes. Será o caso da loja de departamentos BHV e de cinco lojas da rede Galeries Lafayette em cidades do interior do país. Ao saber das intenções da Shein, o governo deu início a uma campanha contra a iniciativa. Segundo a imprensa gaulesa, o presidente das Galeries Lafayette e os governadores de Angers, Dijon, Grenoble, Limoges e Reims, para onde as lojas da Shein estão previstas, foram contactados para despromoverem o negócio. Têm em seu favor um argumento de peso: cadeias francesas de ‘fast-fashion’ como a Jennyfer e a Naf Naf faliram.  A Shein vem tentando conquistar a confiança do público em França. A empresa contratou líderes franceses, incluindo o ex-ministro do Interior Christophe Castaner, como consultores, e quis fechar acordos com o setor do comércio francês. Mas o país resiste. A França tem sido mais rigorosa que muitos países europeus na fiscalização da Shein. Os reguladores multaram a empresa por fazer descontos enganosos e por coletar dados de consumidores sem consentimento, num total de 190 milhões de euros, mais do que qualquer outro país. E, tal como a Itália, a França pressionou a União para que se despache com o processo de revogação da isenção alfandegária para encomendas de comércio electrónico com valor inferior a 150 euros.


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