Quando o bipartidarismo alemão (sustentado muitas vezes nos liberais do FDP, que em bom português poderia ser descrito como ‘pau para toda a colher’) deu mostras de estar prestes a chegar ao fim – nas eleições federais de setembro de 2017 – os analistas detetaram o crescimento de um novo partido, o Alternativa para a Alemanha (AfD), assumidamente de extrema-direita. Na altura, ninguém deu mostras de estar atento ao crescimento dos Verdes, então liderados por Simone Peter e Cem Özdemir, numa bicefalia que não costuma ser eficaz em nenhuma parte do mundo. Sendo conotados com a esquerda e tendo os alemães pouca apetência por essa ala, o crescimento do partido, principalmente nas eleições regionais, parecia um epifenómeno conjuntural, que o tempo se encarregaria de fazer desaparecer.
Foi com espanto que, já com uma nova liderança bicéfala, formada por Annalena Baerbock e Robert Habeck, os Verdes quase ganharam as europeias de 26 de maio: ficaram atrás da CDU de Angela Merkel, mas só por oito lugares (29 contra 21) e enquanto os democratas-cristãos perderam 15 assentos, os verdes conseguiram mais 12 – já o SPD perdeu 11 e o AfD só ganhou quatro. Mais: num quadro em que a abstenção não chegou a 40% – comparável com a das legislativas – foram o segundo partido, com 20,5%, contra 28,9% da CDU e 15,8% do SPD.
Resultado: os Verdes passaram de um momento para o outro a integrar a lista dos partidos do ‘arco da governação’, e com as últimas sondagens a darem-lhes vantagem sobre a própria CDU, já não é preciso nenhum exercício arriscado para considerar a hipótese de integrarem a próxima aliança governativa que sairá das eleições do outono de 2021 – a maioria absoluta é improvável. Feitas as contas – uma hipótese simples: Verdes e SPD conseguem maioria absoluta, com ou sem o ‘pau para toda a colher’ –, Annalena Baerbock e Robert Habeck podem vir a ser chanceleres. Bom, um deles.
Nascida em dezembro de 1980, Annalena Baerbock é principalmente o rosto da nova geração que se vai aproximando do controlo do partido e os eleitores parecem considerar capaz de gerir causas comuns. A sua preparação parece acima de qualquer dúvida: estudou Ciências Políticas e Direito Público na Universidade de Hamburgo e em 2005 concluiu um mestrado em Direito Internacional Público na London School of Economics – talvez a mais prestigiada instituição europeia ligada à Economia. Nos anos seguintes esteve no Parlamento Europeu, para regressar à Alemanha em 2009, para ser consultora em política externa e de segurança do grupo parlamentar do partido no Bundestag. Nas eleiçoes de 2013 tornou-se deputada, tendo estado sempre ligada às áreas da energia e do controlo das alterações climáticas.
Robert Habeck chegou a ter alguns desentendimentos com o anterior co-presidente Cem Özdemir – visto por um setor dos Verdes como alguém que não reunia todas as condições para ser ‘confiável’. Perdeu até acabar por ganhar. Nasceu em 1969, o que quer dizer que, se a ‘colega’ Baerbock é a representante da nova geração, Habeck tem a idade dos históricos do tempo em que o partido era a novidade que – desconfiava-se nos anos 80 e 90 do século passado -, escondia sob nova roupagem os maoistas que não tinham conseguido chegar a lado nenhum.
Com formação nas Humanidades, Habeck é um escritor ‘viciado’ em ‘bicefalias’: além da liderança do partido, divide a autoria dos seus livros, nesse caso com a sua mulher, Andrea Paluch. É um militante tardio, que chegou aos Verdes apenas em 2002, mas rapidamente se tornou uma figura emblemática. As suas áreas políticas de eleição são também a energia e as alterações climáticas.
É improvável que a ‘moda’ da bicefalia ‘pegue’ na chancelaria, mas para já não é possível saber qual dos co-presidentes avançará se os Verdes forem chamados a tomar conta do lugar que até 2021, se nada de (mais) anormal acontecer, será de Angela Merkel.
Artigo publicado na edição nº 1993, de 14 de junho do Jornal Económico
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com