[weglot_switcher]

António Saraiva: “Portugal está na moda e António Costa trabalha bem a sorte”

O líder empresarial prepara a sua passagem de testemunho na CIP. Em entrevista ao Jornal Económico faz a leitura política da próxima legislatura, que continuará a ter António Costa como PM.
  • Cristina Bernardo
28 Julho 2019, 09h00

António Saraiva fica na história do movimento empresarial português como o “patrão dos patrões” – uniu a CIP, a AIP e a AEP em torno da Confederação Empresarial de Portugal. Desde janeiro de 2010 que preside à CIP, onde concluirá o seu terceiro mandato. António Saraiva diz que a carga fiscal dos portugueses “é insustentável”; que a imprevisibilidade das regras fiscais é o pior que as Finanças podem fazer às empresas; que a atual geringonça não é repetível; que o PS ganhará as próximas eleições; e que António Costa não só é “um homem com sorte”, como “tem o mérito de trabalhar bem a sorte”.

Como analisa os mandatos da sua liderança da CIP?
Foram 10 anos em que muita coisa aconteceu. O país entrou num programa de ajustamento, passámos por um período de austeridade, a entrada e as exigências da troika, a reestruturação bancária, a desalavancagem que foi feita à economia portuguesa, com os 45 mil milhões que a banca retirou das empresas, que também tinham fragilidade na sua estrutura de contas e capitais próprios insuficientes.

E a insuficiência de capital melhorou?
Continuamos a tê-la. A grande maioria das empresas, apesar do ajustamento que tem vindo a fazer, está descapitalizada. Ao mesmo tempo, há uma perceção de risco mais apurada por parte das entidades bancárias – no saber popular do “gato escaldado de água fria tem medo” – e as empresas portuguesas deixaram de ter acesso a crédito alheio porque as regras de regulação e supervisão assim determinaram. As empresas portuguesas tiveram de encontrar um caminho diferente de acesso a financiamento. Com a economia a passar por um programa de ajustamento e a sofrer uma desalavancagem, ressentiu-se o emprego. A maior parte das empresas foi forçada a um doloroso ajustamento, reduzindo significativamente os seus quadros de pessoal. Além do desaparecimento de umas, houve reestruturação de outras. As famílias, com toda a carga de impostos que foi lançada e a redução de rendimentos que acarretou, passaram por um período de dolorosa terapia.

A resposta da economia foi encontrada nas exportações…
Sim. As famílias ajustaram-se, umas de uma forma mais dolorosa que outras, e as empresas, pela sua resiliência e genialidade dos empresários, inovaram, acrescentaram valor aos seus produtos, encontraram novos mercados… Apesar de a Europa ainda ser o principal destino das nossas exportações (para onde vão 75% das encomendas) os empresários começaram a procurar, por necessidade de diversificação, outros mercados. Passaram por alguns traumas em África, nomeadamente Angola, viraram-se para a América Latina… Hoje temos uma percentagem das exportações em função do PIB bem maior do que na altura, praticamente nos 48%. Temos empresas diferentes das que tínhamos há 10 anos.

A própria CIP também mudou…
A CIP acompanhou e, enquanto parceiro social, ao passar por esta alteração, ela própria se reinventou, porque a governance da CIP assentava numa assembleia geral e numa direção e quando evoluímos para confederação empresarial elegemos um conselho geral, além do órgão máximo, de 57 membros. A CIP cresceu na representação e na responsabilidade. No programa de ajustamento, julgo que o nosso papel foi determinante, a par de outras entidades sindicais.

Sindicatos e patrões conseguiram mudar o país…
Deve-se à CIP e à UGT o acordo de concertação social de janeiro de 2012 que deu do país uma visão de estabilidade social que alguns não acreditavam possível. Passando o país por todos aqueles constrangimentos, era impensável conceber um acordo que desse essa paz social ao país, e teve o mérito de dar a terceiros a ideia de que éramos representantes patronais e sindicais responsáveis. Nem uns nem outros fomos demasiado maximalistas, nem demasiado redutores.

A Comissão Europeia teve consciência do papel do patronato e dos sindicatos nessa altura?
Foi isso que fez a diferença. Se não tivesse sido por essa via, o país teria sofrido dificuldades acrescidas porque a troika ter-nos-ia imposto regras que, na minha opinião, teriam sido piores. Por todas as reuniões que tive com a troika, estou convencido de que foi essa demonstração dos parceiros sociais que ajudou a que o governo da altura tivesse dado as provas que deu. Tirando alguns excessos de bons alunos, os parceiros tiveram um papel fundamental. Foi um país que se transformou. Veio de um horizonte negro, em que não sabíamos o que nos ia acontecer, com uma banca fragilizada, e o país reinventou-se. As sociedades têm de se adaptar aos tempos. Já dizia Darwin: “Aqueles que sobrevivem são os que se adaptam”.

O que deveremos mudar a seguir?
Sem estar a dizer que é fundamental rever a Constituição – não sou fundamentalista a esse ponto -, considero que não podemos ter vacas sagradas, nem bloqueios mentais que digam “nisso não se pode mexer”. Não. Estamos num tempo em que temos de nos interrogar permanentemente se a maneira como estamos a responder é a correta ou se deveremos dar respostas diferentes a estes novos problemas. No campo político-partidário, devemos ter respostas diferentes para os diferentes problemas que a sociedade tem. Aí sinto alguma letargia na capacidade de adaptação aos tempos e de resposta das entidades a esses fenómenos. Não critico apenas os governos ou os aparelhos político-partidários. Isso é transversal a todas as organizações. Portugal, visto como uma empresa, tem de ter um desígnio, um objetivo.

Em que sectores precisamos de ter uma estratégia mais convincente?
Portugal tem uma relação histórica com o mar. Temos a geografia que temos, à beira-mar plantados. Que estratégia para a economia do mar temos tido? Temos tido alto patrocínio dos Presidentes da República para o desígnio do mar, mas onde está a correta exploração? Temos aí alguns teimosos em relação a esse tema. Temos os estaleiros que temos, e o know-how sobre essas atividades. Mas temos um potencial que tardamos a pôr em prática.

Quando houve um grande êxodo de portugueses para o estrangeiro, António Costa fez um convite ao regresso. Acha que surtiu efeito?
Sem querer tirar mérito a esse apelo do primeiro-ministro, a intenção é boa, mas o efeito é nulo. Hoje os jovens saem de Portugal porque encontram mais apelo nos locais para onde se dirigem. Muitas vezes falamos dos salários como se fosse a panaceia para todos os problemas – é importante, obviamente, se na Alemanha ou na Holanda oferecem o triplo ou quadruplo dos nossos ordenados – mas há apelos de carreira e a inquietude que caracteriza os nossos jovens, que não já não estão fechados sobre a célula familiar e sobre o país. Depois, ainda somos muito paroquianos, porque se hoje somos membros de pleno direito de uma comunidade a que chamamos União Europeia, a casa é a Europa, não é Portugal.

Na evolução da economia é inegável a criação de mais postos de trabalho…
Saímos de uma taxa de desemprego de 17% para os 6% que temos hoje.

Qual foi a receita para criar emprego?
Temos um fluxo turístico como nunca tivemos no passado, o que arrasta outras atividades económicas. O turismo é o centro da atração, mas depois houve a reabilitação da cidade, as lojas que se transformam, os hotéis que aparecem, tudo isso aumentou a necessidade de mão-de-obra, que foi ao tal desemprego de 17% preenchendo os lugares que foram aparecendo. Diria que o desemprego, e toda a nossa recuperação, está praticamente assente num setor de atividade: o turismo. Mas tal como uma empresa não podem viver só de um produto ou de um cliente, um país não pode viver só de um mercado ou de um setor. Portugal ficou conhecido. Passamos a fazer a Web Summit. Somos visitados por um conjunto de decisores internacionais, perceciona-se que temos um clima ótimo, uma gastronomia fantástica, um povo afável, dominamos idiomas… Já tínhamos este conjunto de competências mas não eram tão reconhecidas. E os investimentos alemães já os tínhamos cá. Há muito tempo que nos relacionamos bem como empresas alemãs, Bosch, Continental… Mas foi a redescoberta do potencial de Portugal que atraiu outros investimentos: da aeronáutica e aeroespacial, à alta tecnologia digital. Esta onda de reconhecimento colocou Portugal na moda.

Isso é mérito de António Costa?
Ao homem a sua circunstância. António Costa é um homem com sorte, mas tem o mérito de trabalhar bem a sorte. Estava no momento certo, no sítio certo. Portugal ganhou toda essa atração e é ele que, pela magia da gerigonça, está no lugar de primeiro-ministro quando estas coisas começam a acontecer. António Costa tem sorte mas teve também bons lugar-tenentes, como o João Vasconcelos, a quem não se pode tirar mérito. Há aqui um conjunto de méritos associados.

A “magia da gerigonça” sobrevive a mais uma legislatura?
No quadro parlamentar, nenhuma solução está gasta, porque a democracia é isso mesmo e, no espectro parlamentar, toda a geometria variável de acordos é possível. Esta maioria – PS minoritário, Partido Comunista (PCP) e Bloco de Esquerda – julgo que não é repetível, porque não vejo que, pelo menos, um dos partidos – o PCP –, se disponibilize de novo a uma solução desta natureza. Poderão existir outras. Acho que o Bloco é perfeitamente moldável a qualquer acordo do seu interesse, porque, sendo um partido de contestação, é cada vez mais um partido com sede de poder, por isso moldar-se-á.

Na minha opinião, o Bloco será sempre uma noiva casável. Não sei se o PCP, depois desta experiência, e do abraço de urso em que caiu, se a voltará a repetir, o que não quer dizer que não dê acordos geométricos, do seu interesse, em sede parlamentar. Sendo certo que os partidos que têm assento parlamentar adquiriram o direito de lá estar, é no parlamento que as situações têm de ser encontradas para os problemas.

Que resultado eleitoral prevê para o PS?
Como tudo indica, se não houver nenhuma hecatombe, o PS vai sair maioritário. Há muita coisa que poderá vir a funcionar: o voto útil, a erosão dentro do PSD… Hoje temos três ou quatro PSDs. É um partido que tarda a encontrar um rumo e uma coesão interna para que se assuma como um projeto verdadeiramente alternativo e assertivo. Se o PS vier a ter maioria não absoluta, pode encontrar apoio à sua esquerda ou no centro-direita. Não afasto que um PSD, perdendo eleições, aceite uma solução de Bloco Central.

Como avalia o pacote de medidas apresentado por Rui Rio na semana passada?
É positivo. São medidas positivas. Os motores da economia são o investimento e o aumento das exportações, no nosso caso. Para que estas duas realidades ocorram e sejam virtuosas, têm de tomar medidas que as promovam. Portugal tem de promover o investimento, tem de ser um país atrativo ao investimento, e tem de dinamizar as exportações, sendo certo que as exportações fazem-se através das empresas, que precisam de condições para serem mais competitivas, para terem ganhos de produtividade, para terem produtos inovadores, com valor-acrescentado, que sejam apetecidos por quem nos compra. Acarinhar o investimento vem muito no conjunto das medidas que Rui Rio apresentou na sexta-feira.

Acredita que baixar a taxa de imposto é reduzir receita fiscal?
A reforma do IRC que este Governo interrompeu e que o anterior tinha aprovado, em que se previa uma redução gradual da taxa de IRC até aos 17% ou 18%, vindo dos 25% de onde vinha, foi interrompida nos 21%. Os críticos da redução gradual da taxa de IRC vêm dizer que baixando o IRC, baixa a receita fiscal e por isso temos de compensar de alguma maneira essa perda de receita. Quando se baixou o IRC dos 25% para os 21%, no primeiro em que houve a redução do IRC depois da reforma, a arrecadação da receita aumentou, apesar de baixar a taxa, o que prova que não é matematicamente verdadeiro dizer que baixando a taxa reduz a receita. Dinamiza a atividade empresarial, as empresas têm mais dinâmica, podem gerar mais resultados e a receita até pode ser maior, tal como ficou demonstrado. Depois, Rui Rio não apresenta nada de insustentável. Pelo que li das medidas que foram apresentadas, acho que não só as elogio, como tenho de as subscrever, porque muitas delas coincidem com as propostas que temos apresentado na CIP, nos sucessivos orçamentos de Estado, muitas daquelas propostas estão contempladas nas nossas propostas. Por isso só posso estar de acordo com elas.

O nível da fiscalidade que entretanto atingimos é dos mais altos de sempre. Será possível manter esta trajetória sem reduzir as taxas de impostos?
É insustentável. A situação hoje já é de uma violência notória, exercida pela taxa fiscal a que os portugueses estão obrigados – agregados familiares e empresas. Se pensarmos que trabalhamos seis meses para o Governo, para o Estado, acho que o sentimento que todos temos é que não há correspondência entre aquilo que entregamos e o que recebemos do Estado, por exemplo, na saúde ou na educação. Estamos obrigados a um esforço fiscal excessivo e por isso só podemos advogar a redução da carga fiscal. A par da redução juntava uma coisa que para nós empresários é fundamental, que é a previsibilidade, porque também é insustentável que a cada Orçamento do Estado as regras mudem e o quadro fiscal seja alterado. Admito que uma grande percentagem de empresários – eventualmente 80% – diriam que é a imprevisibilidade fiscal é pior do alta carga fiscal, porque torna difícil definir estratégias. Precisamos de ter um quadro fiscal que todos sabemos que é aquele e que durante os próximos quatro anos, no mínimo, não sofrerá alterações. Durante uma legislatura – eu pediria duas – não seria alterado o quadro fiscal. Teríamos estabilidade fiscal. Depois de termos essa garantia íamos avaliar a carga fiscal. Na carga, temos de nos comparar com outros países e aí entramos na uniformização fiscal que a União Europeia deveria ter num projeto ambicioso e correto, e que não tem. Faz sentido que numa mesma região económica como a União Europeia tenhamos taxas de IRC diferentes?

Artigo publicado na edição nº 1997, do dia 12 de julho, do Jornal Económico

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.