As empresas que escolheram ficar em Viseu ou desde lá exercem a sua atividade produtiva não podem dissociar a sua presença geográfica da disponibilidade que a região encontrou para integrar a aposta na digitalização e na tecnologia dentro das portas das próprias empresas. Para aí convergem as experiências das empresas que integraram o painel ‘Qual é o impacto da era digital no tecido empresarial’, no âmbito do Ciclo de Conferências Portugal Inteiro, da responsabilidade do grupo Altice em parceria com o Jornal Económico.
A Visabeira, representada por Jorge Sousa – o ‘porta-aviões’ regional – tem nas tecnologias não a sua razão de ser, mas o esteio que lhe permite ser, o que fica claro com o número de negócios que já consolida. De alguma forma, são as novas tecnologias que permitem a gigante de Viseu manter-se em Viseu e não abdicar da região que viu o grupo nascer. “A digitalização vai trazer mais postos de trabalho e não o contrário – quanto mais tecnológicos somos, mais crescemos”.
Jorge Sousa disse, por outro lado, que “a formação deve ser feita no interior da empresa”, única de forma de esse esforço de aumento de competência ser eficaz em termos daquilo que são os objetivos particulares de cada organização. “O ensino ainda não entra no interior das empresas, esse é um caminho que tem de ser conseguido” – desde logo com o recurso a fundos públicos, que estão um pouco afastados desta realidade.
Cristina Fernandes, da Labesfal, alinha na mesma fileira. Estando a empresa integrada no grupo alemão há cerca de 15 anos, a Labesfal continua a responder como uma das mais importantes unidades industriais da multinacional. Aquela responsável espera que o Governo continue a contribuir para o legado de confiança que permitiu, precisamente, que uma empresa como a Labesfal tenha merecido o interesse de uma multinacional.
A digitalização, que é a base da Tomi World, constitui a força da empresa sediada na região. Representada por Bruno Lamelas, a empresa é uma espécie de ‘aproximadora’ entre pessoas e cidades. A Tomi World é uma empresa tecnológica, proprietária do Tomi, com um ambicioso projeto de internacionalização e que conta já com sede no Reino Unido, no Brasil, na China (Macau) e no Chile. Tem por objetivo implementar redes urbanas interativas de informação à escala mundial.
“Teria sido muito simples para a Tomi sair de Viseu, seria o caminho mais simples, mas fizemos questão de arrancar de Viseu” e não sair de lá. A autoestrada digital foi, para a empresa, uma necessidade de base.
Bruno Lamelas espera que o Estado continue a fazer a sua parte, nomeadamente na área da formação das pessoas.
Da cidade inteligente
A integração entre a Altice Labs e a cidade inteligente que Viseu quer ser – e os seus alunos das tecnologias de informação do Politécnico da cidade – é uma realidade que “é já uma relação de confiança”, segundo disse Rui Pedro Duarte, responsável do Instituto Politécnico de Viseu.
“A relação com as empresas ainda se pode aproximar”, disse, numa relação que a curto prazo dará os seus fruto nas áreas mais distintas. Investigação orientada – portanto, priorizando a relação entre a produção de conhecimento e a produção de tangíveis transacionáveis – é a fórmula do sucesso que a Altice Labs persegue.
O centro de incubação Vissaium XXI (uma associação com várias valências) está nisso mesmo focada: “está no centro da criação do ecossistema do empreendedorismo”, referiu um dos seus responsáveis, Sérgio Lorga. “É um sucesso validado pelo mercado, através do número de empresas criadas, do emprego dinamizado. Juntar as instituições de ciência e tecnologia ao serviço da região” é uma das suas funções, num quadro em que esse mesmo ecossistema “antecipa tendências” que são extrapoladas para fora da própria região, tanto do ponto de vista nacional como internacional.
A disseminação de competências – nas mais diversas vertentes – é uma das preocupações centrais da Vissaium XXI. “Quando olhamos para ecossistemas maduros, percebemos que há um conjunto de forças. Temos duas: Viseu como uma smart city, não só nas tecnologias, mas nas relações entre os agentes no terreno; e envolver uma dinâmica positiva das empresas num conjunto de iniciativas” que levem a cidade a assumir novas oportunidades.
O projeto SAK, uma startup de Viseu surgida no final de 2012, é um desses indicadores de sucesso. Produz caneleiras de futebol de última geração, com base em digitalização 3D e na utlização de novos materiais – Benfica, Sporting, Porto, Vitória de Guimarães e a seleção nacional francesa são algumas das equipas que já perceberam as suas virtualidades. Cristina Albuquerque, uma das suas responsáveis, explicou que atualmente a startup está a apostar na internacionalização, nomeadamente para os Estados Unidos.
A SAK “já deu provas” mas não está isenta de problemas: “falta-nos um grande investidor” que permita à empresa “assumir a sua vocação de produto e não apenas a tecnologia”. Um a três milhões de euros são as balizas que permitirão novos voos. “Queremos explodir o nosso e-commerce, por exemplo”, e a partir de um produto que é bom, a SAK quer chegar a cada vez mais mercados e a mais desportos.
Jorge Saraiva, da Tula Labs (surgida em 2013), está posicionada na mobilidade inteligente – nomeadamente no que tem a ver com viaturas autónomas. Continental e VW são dois dos seus clientes. “devemos muito à cidade de Viseu”, disse o seu responsável.
Mas a empresa também não está isenta de problemas: a burocracia é uma delas, mas também a falta de infraestruturas que apoiem o tecido produtivo. Mesmo assim, “os recursos humanos são o nosso pior problema: não existem, não temos resposta”, disse Jorge Saraiva. “Os alemães roubam-nos os engenheiros todos”. A questão salarial está subjacente ao problema: “ou temos valor acrescentado, ou temos um problema”, que é a impossibilidade de fixação de talentos dentro da própria empresa. A gestão de carreiras é outra dificuldade, a que a Tula soube dar resposta através “da criação de empresas com alguns colaboradores” – o que se tem revelado um grande sucesso. O primeiro carro de rally elétrico é o seu sonho.
“Estamos onde mais ninguém está”
“Estamos onde mais ninguém está”. É desta forma que se pode resumir a importância da imprensa regional em Viseu, num quadro em que os grandes títulos nacionais se foram paulatinamente afastando e concentrando nas duas grandes regiões metropolitanas do país, disseram os responsáveis pelas duas publicações presentes no Ciclo de Conferências Portugal Inteiro, no painel ‘A importância da imprensa regional’.
Eduarda Macário, diretora-adjunta do Diário de Viseu, e António Figueiredo, diretor do Jornal do Centro, que concordara, naquela ideia, convergiram também na relevância da importância daquilo a que se poderia chamar o ‘mercado da saudade’: a diáspora viseense que, em Portugal ou no estrangeiro, continua a procurar notícias ‘da terra’.
O “Diário de Viseu”, que não tem ainda um projeto fixado no online, assume uma importância fundamental no que tem a ver com a resposta àquilo que é a vontade de levar aos leitores as suas próprias histórias. “Faltam histórias com um final feliz”, disse Eduarda Macário.
O “Jornal do Centro” está mais avançado em termos do ‘casamento’ entre a informação e as novas tecnologias – sendo esse um dos desafios que se colocam à imprensa regional. António Figueiredo não se esqueceu de recordar que “uma região que não tenha uma imprensa livre, está morta: quando dependermos do poder político”, será uma desgraça. Para que isso não suceda, o jornal que dirige tem vindo a diversificar para a realização de eventos, entre outras iniciativas que permitem conciliar a independência com a produção de jornalismo.
Para Eduarda Macário, o “Diário de Viseu” não tem dificuldade em recrutar novos talentos ligados à novas tecnologias, “muito mais que talentos ligados ao jornalismo tradicional”. O mesmo se passa com o Jornal do Centro – o que de algum modo dá ideia da importância que as tecnologias de comunicação tem em termos das necessidades dos jornais.
“Haverá por certo uma grande modificação do jornal em termos da utilização das novas tecnologias, “mas continuaremos sempre a apostar no papel”, disse Eduarda Macário. A presença humana, “mesmo inventando todos os algoritmos que quiserem, vai continuar a ser importante” para que os leitores percebam aquilo que é ou deixa de ser una notícia, recordou António Figueiredo.A cidade do interior (mas não muito) soube entender que a redução das distâncias permitida pelas novas tecnologias foi uma oportunidade que importa manter como um ativo regional que quebra o próprio isolamento geográfico.
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