Apreensão? Bom, um pouco mais e mais profundo. A situação de desastre já está em curso, os meios de a estancar são limitados, a hesitação política é forte e o abismo ali ao lado com um grande poder de atracção. O descontentamento em crescendo.

Vem isto a propósito dos CTT e, um pouco mais além, da TAP.

Indo por partes. O governo anterior privatizou os CTT, contra tudo o que era inteligente, actuando apenas numa base ideológica, camuflando-a de eficiência económica e de melhoria de serviços. Na realidade, havia uma fome de privatização. Banir o Estado da economia real. Melhoria de serviços essenciais às populações não era o objectivo, apesar de protagonizado. É o que se vê agora. O lucro fácil estava ali e havia que transferi-lo como forma de enfraquecer o Estado, reduzindo o seu campo de acção e regulação.

Uma empresa, símbolo da soberania nacional, de tantos anos, sempre pública, lucrativa, e que se espalhava ao longo de todo o país. Uma empresa quase monopólio em muitas das suas actividades. Porquê privatizar? Só o lucro mexe? E as pessoas e o seu conforto?

Os balcões a fecharem, as actividades foco da empresa a serem desrespeitadas na qualidade, o mau serviço aos utentes a ser a prática por todo o País. O desrespeito e o não cumprimento do acordo estabelecido com o Estado a estar cada vez mais em causa e as instituições supervisoras parecendo demasiado prudentes, para não dizer displicentes ou coniventes, com esta situação de degradação continuada.

Apenas uma coisa vigora. A distribuição de dividendos em crescendo, cometendo-se a “loucura” de, em 2016, ter sido distribuída a maior soma de dividendos aos accionistas do que lucros gerados nesse ano. Já passou um ano sobre esta “facada” de gestão e na gestão da empresa. E apenas umas tantas vozes se insurgem perante tal facto. Mas se me perguntarem – havia ou não necessidade de dotar os CTT de uma estratégia de modernização por algumas das partes do seu mercado principal estarem em declínio? – respondo sem qualquer hesitação: havia/há.

Os Correios enfrentam alterações significativas na dinâmica das actividades que integram o seu foco principal de acção. Umas em expansão, outras em declínio. Por exemplo, a entrega de encomendas está em forte expansão e é muito previsível que continue, associada a uma expansão da economia e ao e-comércio. Pelo contrário, a área da correspondência está em decréscimo e tende a manter-se nesse caminho. Efeitos da evolução tecnológica.

Países houve, como a Suécia, onde essa reestruturação e modernização já há algum tempo se processaram, com sucessos e insucessos, mas onde funcionaram os mecanismos de ajustamento de correcção e adaptação de percurso. E onde o objectivo central da função Correios – ou seja, os serviços a prestar às populações em termos de reforma de distribuição e envio de correspondência – é preservado. A função central dos Correios garantida em qualidade.

Até por isso a privatização era o caminho menos adequado, visto o objectivo de máximo lucro dificilmente se coadunar, pois tende a não preservar o fundamental da missão/foco da empresa. Daí a deriva para o sector financeiro que, segundo se percebe, traz grandes e graves problemas aos CTT. E a aposta quase exclusiva neste sector parece estar a cegar o actual conselho de administração, que até se mostra interessado na compra do Deutsche Bank.

O Governo não pode deixar-se manietar e tem de se agilizar no sentido de trazer para a ordem do dia a obrigatoriedade do cumprimento integral do acordo. E tem sempre o recurso de, em última instância, passar à rescisão do contrato.

Olhando agora a TAP. O que se sabe: está em curso um processo de mudança de gestor da Companhia. Do novo gestor nada se sabe, a não ser da sua proximidade com o actual accionista brasileiro. E de ser uma pessoa experimentada em empresas tipo low cost.

Para quem esteve sempre contra a privatização desta empresa, por múltiplas razões – entre elas o seu papel estratégico na economia portuguesa, a sua projecção na imagem externa de Portugal, a sua ligação às comunidades portuguesas por esse mundo, sem esquecer o seu papel crucial no Turismo, sector hoje fundamental no bom momento económico que o País atravessa –, será desconsolador e assustador admitir que a TAP possa começar a trilhar também uma deriva, saindo, por exemplo, do seu foco de competitividade principal entre as companhias de bandeira.

A TAP não pode deixar o mercado nobre em que se situa e passar a alinhar na segunda divisão. Este alerta apenas ‘cola’ porque nada se ouviu do novo gestor. O que o norteia, o que tenciona fazer? Que estratégia para o futuro da TAP?

Quanto à TAP, o Governo actual, porque reverteu a situação herdada do passado – a privatização – tem maioria no capital, pode sempre não permitir qualquer deriva. Mas toda a atenção é pouca. Não gostaria de ver um governo adormecido ou distraído, mas também é verdade que não se ouviu nada da parte deste Governo. Daí estes receios em que já não estou só. Outras vozes se levantam.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.