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Arlindo Rangel: “Portugal é um nosso parceiro privilegiado”

É ele o presidente da AICEP angolana. Conhece a economia de Angola por dentro, as suas forças, as fraquezas e o enorme potencial que tem ainda para explorar. Portugal é, neste contexto, um parceiro relevante que pode ajudar a acelerar o amadurecimento de setores como o turismo, mas há muitas outras áreas que estão a mexer.
25 Julho 2025, 08h34

As exportações portuguesas para Angola diminuíram 32%, entre 2018 e 2023. Quais os setores que a AIPEX identifica como prioritários para reverter a tendência?
Esta redução está associada ao ciclo de ajustamento económico que Angola traçou nos últimos anos, marcado por maior disciplina fiscal, reequilíbrio cambial e racionalização das importações, com foco na substituição de bens finais por equipamentos e insumos produtivos. Importou-se menos, sim, mas com mais critério, de forma a apoiar a base industrial nacional. O Governo angolano está empenhado em reverter a tendência de queda, reorientando as importações portuguesas para setores com elevado valor estratégico, como a agricultura, tecnologia e equipamentos agro-industriais, que permitam escalar a transformação alimentar em Angola; energias renováveis e eficiência energética; farmacêutico, equipamentos e consumíveis médicos, num contexto de expansão do SNS; materiais de construção e acabamentos diferenciados, para responder à procura crescente por infraestruturas habitacionais e industriais, turismo, entre outros. Acreditamos num modelo de parceria baseado não apenas em vendas, mas em cadeias de valor partilhadas, com assistência técnica, formação e investimentos conjuntos.

Os negócios vão aumentar?
Portugal continuará a ser um parceiro estratégico e privilegiado nesta fase de industrialização e modernização económica de Angola, mantendo-se como um parceiro privilegiado de Angola. Depois da China, é o segundo maior fornecedor externo do nosso mercado, com uma presença consolidada em setores estratégicos, acesso facilitado por proximidade cultural e um histórico de confiança entre operadores económicos.

As exportações angolanas para Portugal também caíram 73%, para 314 milhões de euros, com o petróleo a representar 80% deste total. Faz sentido diversificar?
Esta quebra deve-se, em larga medida, à redução das vendas de petróleo, tradicionalmente o principal produto de exportação. O desequilíbrio comercial é uma realidade, mas também um sinal de que ainda há muito espaço para crescer. Nos últimos anos, Angola tem vindo a reforçar a sua capacidade produtiva em setores com vocação exportadora, como a agro-indústria, as pescas, a fileira da madeira e as pedras ornamentais. Estes setores estão a ser apoiados com programas de capacitação, certificação e promoção externa, com vista a garantir maior regularidade e escala na oferta. Estamos igualmente a trabalhar em soluções logísticas e parcerias, com a AICEP e outras instituições, contamos com os operadores portugueses para facilitar o acesso dos produtos angolanos ao consumidor europeu.
Mais do que reequilibrar números, o objetivo é criar uma relação comercial mais dinâmica e sustentável com produtos angolanos a ganharem espaço e reputação no mercado português.

A balança comercial dos últimos anos favorece Portugal. Que setores angolanos têm potencial para reequilibrar este défice?
É um desequilíbrio estrutural. Durante muito tempo, Angola dependeu quase exclusivamente do petróleo e teve uma presença residual nos mercados externos com produtos transformados. A realidade agora está a mudar. Estamos a remover entraves que durante anos dificultaram a nossa competitividade externa — desde a redução dos custos logísticos até à capacitação das empresas para cumprirem rigorosamente os padrões técnicos e sanitários exigidos nos mercados de destino. Além disso, há um foco claro na produção contínua, em escala e com qualidade, o que nos permitirá garantir uma oferta exportável mais estável e consistente. O objectivo é simples: criar condições para que os produtos angolanos não só cheguem a mercados como o português, mas se afirmem pela sua fiabilidade, valor e origem. Estamos a apostar na diversificação com setores que já demonstram potencial competitivo, como a agro-indústria, a madeira e mobiliário com origem certificada, e as pedras ornamentais.
Mas também temos plena consciência dos desafios às exportações: custos logísticos elevados, cumprimento rigoroso de normas técnicas e sanitárias, e dificuldades em ganhar escala. É por isso que a AIPEX está a trabalhar numa resposta estruturada.

O que estão a fazer?
Estamos a apoiar a criação de consórcios exportadores setoriais, a facilitar o acesso a certificações, a identificar plataformas logísticas de entrada (como Sines) e a promover alianças comerciais com distribuidores em Portugal.

O investimento direto estrangeiro de Angola em Portugal atingiu 3,9 mil milhões de euros no final de 2021, sobretudo em serviços…
Este valor reflete a importância que Portugal representa para os investidores angolanos, não apenas como mercado de consumo, mas como plataforma regulada, estável e integrada na União Europeia, com vantagens claras em setores de serviços, logística e tecnologia. Angola é hoje, também, um país investidor e procura, com naturalidade, diversificar os destinos e perfis dos seus ativos no exterior. Embora o investimento angolano em Portugal tenha sido tradicionalmente mais concentrado nos serviços financeiros e imobiliários, consideramos que há espaço para ampliar essa presença em setores com elevado potencial de retorno e com valor estratégico para Angola, como logística e armazenamento, nomeadamente infraestruturas nos portos de Sines e Leixões, que podem reforçar a ligação comercial Angola–Europa; tecnologia médica e cuidados de saúde, com aquisições ou participações em redes clínicas e laboratórios de diagnóstico, com reflexo positivo no sistema de saúde em Angola; educação e formação especializada, com parcerias em escolas técnicas e universidades portuguesas; inovação e capital de risco, com fundos de investimento angolanos a participarem em start-ups tecnológicas com potencial de crescimento. Neste contexto, a cooperação com entidades portuguesas tem sido essencial e os memorandos assinados visam precisamente criar um ambiente seguro, transparente e tecnicamente informado para orientar estes fluxos, com apoio institucional e visão estratégica de longo prazo.

O que nos pode dizer sobre o setor agroalimentar? Angola ainda importa muito…
Temos um potencial agroalimentar significativo, mas reconhecemos que a prioridade atual passa por reforçar a capacidade de produção e transformação para responder ao consumo interno, reduzindo a dependência das importações. Só com essa base consolidada será possível avançar, de forma sustentável, para a exportação em escala. A nossa abordagem é faseada e realista. Estamos a estimular o investimento privado nacional e estrangeiro em agro-indústria, em produtos com forte procura interna e potencial exportador.

A nova refinaria de Cabinda, com início de operações previsto para 2025, terá capacidade para 30.000 barris/dia, prevendo-se duplicar até 60.000 barris/dia. Em quanto tempo a AIPEX antecipa que Angola possa reduzir a importação de combustíveis?
A operacionalização da refinaria de Cabinda constitui um marco relevante na estratégia nacional de substituição de importações e fortalecimento da capacidade produtiva interna. Embora esta matéria esteja sob a alçada de outras instituições, reconhecemos o seu impacto directo sobre o ambiente económico e comercial. Segundo dados do Instituto Regulador dos Derivados de Petróleo, aproximadamente 76% dos combustíveis líquidos consumidos em Angola são atualmente importados, sendo os 24% restantes assegurados pela Refinaria de Luanda e pelo Topping da Cabgoc em Cabinda. A entrada em funcionamento da nova refinaria, numa primeira fase com capacidade de 30.000 barris/dia, poderá representar uma cobertura estimada de 20% da procura interna dos principais derivados, como gasóleo, gasolina e Jet A1. Com a expansão para 60.000 barris/dia, prevê-se que o país consiga reduzir entre 40% a 50% da necessidade de importação de combustíveis líquidos, num horizonte de dois a três anos, após a plena operacionalização.
No que se refere à relação energética com Portugal, importa notar que uma parte relevante das importações angolanas de combustíveis tem origem no mercado português, reflexo de laços históricos e de uma relação logística consolidada. Nesse sentido, espera-se que esta infraestrutura contribua para melhorar o equilíbrio da balança comercial bilateral, ao mesmo tempo que liberta capacidade financeira para apoiar setores produtivos e a diversificação económica interna. Importa sublinhar, contudo, que esta unidade não contempla, numa primeira fase, a produção de lubrificantes, GPL ou outros produtos especializados, cuja cobertura continuará dependente de importações ou de soluções industriais complementares.

O turismo em Angola registou receitas em queda e ficou nos 30 milhões de euros em 2017. Querem investimento português?
Apesar desse cenário, há sinais de recuperação. O objetivo é recuperar os níveis pré-crise, com vista a retomar receitas turísticas acima. O turismo é um setor prioritário para diversificar a economia angolana. Angola tem recursos naturais e culturais únicos, tem potencial para criar emprego, atrair investimento e dinamizar várias cadeias de valor como a hotelaria, restauração, transportes e cultura. Por isso, estamos a trabalhar para tornar o país mais atrativo para investidores e turistas, tendo, recentemente, adotado uma medida de simplificação burocrática específica para o setor, com o objetivo de facilitar o licenciamento de empreendimentos turísticos e reduzir o tempo de resposta da administração. Do lado dos incentivos, os projetos turísticos podem beneficiar de isenções fiscais e facilidades aduaneiras ao abrigo da Lei do Investimento Privado. Estamos também a identificar zonas prioritárias para a instalação de novos empreendimentos turísticos, especialmente em áreas com forte potencial natural e cultural. Com Portugal, queremos reforçar parcerias em áreas como gestão hoteleira, formação e promoção conjunta de pacotes turísticos. A facilitação de vistos, a melhoria das ligações aéreas e o ambiente de negócios mais favorável também ajudam a atrair visitantes. Queremos posicionar Angola como destino turístico emergente na África Austral e o investimento português, pela experiência e afinidade, tem aqui um papel essencial.

A burocracia, o acesso limitado a divisas e a inflação são reconhecidos como entraves ao comércio bilateral…
Estamos cientes desses desafios e temos vindo a trabalhar, em coordenação com outras instituições, para tornar o ambiente comercial mais previsível e eficiente. Um dos avanços mais relevantes é a digitalização dos processos, com destaque para a Janela Única do Comércio Externo, que irá permitir uma tramitação mais célere e menos burocrática. Também estão em curso ações para simplificar procedimentos relacionados com licenças, certificações e autorizações. Um esforço transversal, no intuito de aprofundar o nosso compromisso com a abertura ao comércio externo e com a remoção de barreiras burocráticas. No plano cambial, estamos a incentivar soluções que valorizem o acesso a divisas por via das exportações, o que permitirá às empresas planear com mais confiança e expandir as suas operações.

Outros parceiros comerciais de Angola, como a China – responsável por cerca de 40% das exportações totais –, Índia e Emirados, têm ganho protagonismo.
A experiência com Portugal é importante e oferece lições valiosas. A relação tem profundidade histórica, cultural e empresarial, mas nem sempre acompanhou o ritmo das transformações em curso em Angola. Em vários casos, notámos alguma hesitação em explorar setores emergentes ou em alinhar o investimento com os objetivos estruturantes do país.
Essa realidade ajudou-nos a perceber que o futuro passa por relações mais pragmáticas e orientadas para resultados. Com mercados como a China, Índia e EAU temos assistido a uma maior agilidade na resposta, foco em setores produtivos e disposição para partilhar risco. Isso não significa afastar Portugal, pelo contrário, queremos que Portugal esteja entre os nossos parceiros de referência, mas com uma abordagem mais ousada, alinhada com a visão de crescimento sustentável que Angola está a consolidar.

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