A novidade da criptomoeda não reside no facto de ser virtual ou eletrónica. Grande parte do dinheiro é virtual, quer no sentido de não estar traduzido em moedas e notas quer no de não corresponder a riqueza real. Há já alguns anos que o dinheiro tradicional é código, mas a criptomoeda é mais: é um bypass ao sistema bancário, uma disrupção no monopólio de criação e distribuição do dinheiro dos bancos centrais e da banca comercial.

A rápida difusão das criptomoedas e da tecnologia blockchain levantou com a mesma rapidez problemas relativos à tributação das situações nas quais sejam utilizadas como meio de pagamento, às operações de cessão ou compra e venda destes produtos virtuais, consoante a natureza que, à luz do direito das obrigações, lhes queiramos atribuir, e à prestação de serviços normalmente acoplada.

Há, é sabido, uma ferramenta de interpretação e aplicação que está vedada ao direito fiscal: a analogia. Nullum crimen, nulla poena sine legem e se é verdade que o imposto não tem carácter sancionatório, não deixa de ser um substancial sacrifício, uma compressão de direitos justificada por outros com igual assento constitucional, pelo que também não há imposto sem lei.

Dito isto, também é verdade que há normas de incidência com tipicidade fechada e há normas de incidência de construção mais aberta. As normas de incidência em IRC são normas abertas e é rendimento da pessoa coletiva, grosso modo, qualquer acréscimo patrimonial positivo, pelo que a tributação dos rendimentos das pessoas coletivas e entidades equiparadas sujeitas a IRC, relacionados com criptomoeda, quer esta tenha servido como meio de pagamento quer em virtude de mais-valias fiscais ou contabilísticas resultantes da respetiva transmissão ou valorização não levanta, a meu ver, dúvidas.

Já em IRS me parece difícil que transferências de criptomoedas para trabalhadores, ainda que possam integrar o conceito de remuneração, possam ser considerados rendimentos da categoria A em IRS face ao disposto no artigo 2.º, números 1 e 2 do CIRS e já que, em bom rigor, não são valores fixados em moeda sem curso legal em Portugal para efeitos do artigo 26.º, porque lhes falta a cotação oficial, nem se poderão enquadrar no n.º 8 do artigo 3.º. Da mesma forma, as mais-valias eventualmente obtidas com a venda não preenchem as normas de incidência da categoria G nem podem ser considerados frutos civis da aplicação de capitais.

Em dezembro de 2016, a Administração Tributária portuguesa prestou uma informação que a vincula no sentido de que os rendimentos das pessoas singulares obtidos com a venda de criptomoeda não são tributáveis “face ao ordenamento fiscal português, a não ser que pela sua habitualidade constitua uma atividade profissional ou empresarial do contribuinte, caso em que será tributado na categoria B”.

O que levanta o problema do IVA. O TJUE decidiu em outubro de 2015 no sentido de que “O artigo 135.°, n.° 1, alínea e), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que prestações de serviços (…) que consistem no câmbio de divisas tradicionais por unidades da divisa virtual «bitcoin», e vice‐versa (…) constituem operações isentas de IVA, na aceção dessa disposição”.

Chamado a pronunciar-se sobre a matéria, o Fisco português veio mais recentemente vincular-se, seguindo a jurisprudência do TJUE, no sentido que que um token utilizado numa plataforma de comércio eletrónico que permite aos utilizadores fazerem uso do serviço e que é objeto de pré-venda é “um produto virtual não material à semelhança da moeda Bitcoin” e, como tal isento de IVA ao abrigo da subalínea d), da alínea 27), do artigo 9.º do CIVA.

A decisão do TJUE e a informação vinculativa da AT, louváveis do ponto de vista de que o direito fiscal não deve ter um papel estrangulador das atividades económicas e da iniciativa privada, assenta, não obstante, numa analogia: a de que a criptomoeda, no caso a bitcoin, é divisa com valor liberatório.

Porém, para estar isenta, a operação tem primeiro de estar sujeita e, se me parece inevitável que sem a analogia as operações em causa estariam sujeitas a IVA, mesmo não se considerando compra e venda de mercadorias, face ao carácter aberto do artigo 24.º da Diretiva do IVA, os fins não justificam os meios e a legalidade é um princípio do qual não deve abdicar, mesmo nos casos concretos em que conduza à satisfação das pretensões dos agentes económicos. O caminho que passa pelo sacrifício de princípios – no caso, o da proibição da analogia em matérias que determinem incidência ou isenção – é uma ladeira escorregadia.