Portugal e União Europeia

As eleições de 10 de Março trazem um novo figurino à Assembleia da República, com uma esmagadora maioria de deputados em São Bento da direita e direitas radicais e populistas.

As eleições europeias de Junho próximo são de alto risco para a União Europeia (UE). Os estudos de opinião dão as direitas radicais e populistas na liderança em vários países, o que aponta para o seu reforço no Parlamento Europeu (PE). Assim, a distribuição dos 720 eurodeputados deverá sofrer alterações significativas e os temas a debater mudarão de foco.

A imigração, a transição energética e o modelo agrícola passarão a constar com frequência na ordem do dia, no sentido, porém, de serem introduzidas alterações profundas de rumo. O PE, a Comissão e o Conselho vão sofrer ajustamentos, em virtude dos resultados das eleições e de mudanças políticas que ocorrerão ao longo do novo ciclo europeu, em países como a França, Alemanha e outros.

Há a assinalar uma diferença significativa entre o PE e o Parlamento português. Os partidos das direitas radicais e populistas no PE estão organizados em dois grupos distintos: ID (Identidade e democracia) que agrega fundamentalmente deputados dos partidos de Marine Le Pen, Matteo Salvini (vice-presidente do governo italiano),  AfD alemã e agora os eurodeputados que o Chega eleger e ECR (Conservadores e reformistas europeus) deputados dos partidos de Georgia Meloni (primeira-ministra do governo de Itália), PiS da Polónia, Vox de Espanha e, eventualmente, a entrada do Fidesz de Orban da Hungria.

A grande questão ao nível do PE reside na perda ou não da segunda posição do grupo dos socialistas e democratas (S&D), sabendo-se, porém, pelos estudos de opinião que irá baixar o número de representantes do PPE e S&D, os grupos políticos dominantes até à data, prevendo-se que a ID e ECR, em conjunto, ultrapassem o grupo S&D e, segundo alguns estudos, o próprio PPE.

A queda da esquerda portuguesa no PE parece ser uma realidade. Alguns dos partidos com representação hoje poderão deixar de a ter ou reduzir o número de deputados.

Consequências das eleições portuguesas

As esquerdas e centro-esquerda portuguesas tiveram uma derrota gigante, no seu conjunto. A direita tradicional, com primeiro-ministro já indigitado, também não a teve menos, mas goza de condições para fazer governo e até poder cumprir a legislatura, apesar das minúsculas décimas que a separam do PS. O PS, com o resultado destas eleições, com este Parlamento, nunca poderia pensar em governo, a não ser que se quisesse trucidar, levando atrás o País. Assumiu desde logo ser Oposição e bem. Daí não se entenderem certas cabeças pensantes!

Admito que, apesar dum ambiente de incerteza, o Governo da AD, que o Presidente tudo fez para lá pôr e agora segurar, poderá durar até ao final do seu mandato.

E o Chega pode ter aqui o papel fundamental. Os Açores já serviram de ensaio.

Diz Bolieiro que não negociou nada com ninguém. Citando José Pacheco Pereira (Público, 16 de março 2024): [É como o “não é não” de Montenegro ao Chega que começa hoje a ter formas, digamos assim, “flexíveis”, como dizer-se “Bem, na Assembleia da República falamos (negociamos é menos “novilíngua” orwelliana) com todos os deputados”, o que, como é óbvio, não é para a AD falar com o Bloco, mas com o Chega. Aliás, foi também este o pretexto para negociar o apoio do Chega nos Açores que, como os cínicos previam, esperou pelas eleições nacionais para se saber que tinha havido “conversas”].

Avançando um pouco. AD e Chega têm todo o interesse em se sustentarem um ao outro. Um para montar as estruturas de ocupação do aparelho de Estado, distribuir benesses (com o mealheiro cheio) por diversas camadas sociais e assim conquistar apoio crescente na sociedade para ir governando o mais longe possível. O Chega, atendendo aos resultados eleitorais a que chegou no país, necessita de os consolidar no terreno e, pelo menos, uma legislatura calma, sem eleições, é necessária.

Um e outro precisam de criar raízes, para consolidar a sua influência.  A IL nem será para aqui chamada. Nem a AD nem o Chega precisam da IL para nada. Os interesses estão centrados nos dois. Se forem inteligentes, como os interesses comuns são enormes, nenhum precisa de esticar a corda. Uns pequenos arrufos aqui e ali para “abrilhantar” o palco. E, se isso resultar, uma segunda legislatura, eventualmente em novos moldes, poderá então ser uma hipótese de governação.

Pedro Nuno Santos vai ter vida bem difícil na oposição. Vai ser apertado a três níveis, no PS para cedências à direita e pelas diferentes esquerdas e direitas. O seu grande problema consistirá em como atrair sobretudo as camadas mais jovens, uma vez que as eleições demonstraram que o PS não anda nada atractivo para a gente jovem.

A nível internacional, a situação também não está de feição. A tendência, de há anos a esta parte, é de fragmentação dos partidos tradicionais, correspondendo a uma evolução política da própria sociedade com a clivagem cada maior entre as camadas jovens a alinhar com os novos partidos, enquanto os estratos mais velhos, embora em fuga parcial, continuam a ser o seu sustentáculo.

Dificilmente, os partidos tradicionais recuperarão o fulgor que já tiveram. Países como a França, Alemanha, Itália … estão em linha neste ponto. Os partidos socialistas em franco ocaso, os partidos comunistas há muito que marcam posição simbólica ou desapareceram e a própria direita clássica em perda continuada ou a fragmentar-se.

A Península Ibérica tem escapado um pouco a este figurino, mas chegam os indícios de que a mudança bate à porta.

Tendências futuras

Por todo o mundo, as direitas radicais estão em crescendo e a agir com alguma articulação, o que só lhes dá força. Na Europa, nas próximas eleições, onde poderão surgir surpresas inesperadas em alguns países, ficaremos com uma foto dessa realidade.

Se Trump vencer, em Novembro, abre-se uma via rápida a nível global. O Mundo está a atravessar contornos geopolíticos complexos, onde se torna difícil vislumbrar apoios para caminhos de alternativa.

Perante estas antecipações pouco animadoras [quando temos uma União Europeia inoperante, sem estratégia e dividida, acerca de temas tão básicos como a Energia, o Mundo Agrícola, a Transição Energética e grandes desafios em indústrias várias como o automóvel e a química] surge um futuro cheio de nuvens densas e negras.

A Europa não tem sido hábil no encontro com os seus cidadãos, porque pouco tem a oferecer-lhes. Numas eleições em clima de guerra e de corrida armamentista, menos esperança resta ainda aos cidadãos europeus, desejosos de uma saída de paz e bem-estar.

Muitos são os problemas que estão a enfrentar e começa a haver consciência de que a Europa entrou numa rampa descendente que, a prazo, lhes retirará qualidade de vida e poder aquisitivo. Imagine-se a prazo uma UE sem indústria automóvel, sem indústria química, em perda na IA, em tecnologias de ponta… com as contas em descontrolo.

Este ambiente assusta os cidadãos europeus, tanto mais porque não sentem uma liderança política firme, conducente a uma mudança de caminho de mudança. Portugal e a UE numa encruzilhada deveras desgastante.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.