“As perspectivas económicas futuras estão infelizmente sujeitas a uma elevada incerteza, sobretudo devido à guerra em curso da Rússia contra a Ucrânia e às crescentes tensões no Médio Oriente” – Paolo Gentiloni, Comissário europeu para os Assuntos Económicos e Financeiros

O ano de 2024 trazia, à partida, uma série de desafios que podem fazer deste um dos anos mais decisivos da década.

Por um lado, porque a nível das principais economias será decisivo entender até que ponto o braço de ferro dos últimos anos por parte dos bancos centrais contra a inflação estará, efetivamente, a ter sucesso. E qual o custo final para economias de menor dimensão e mais expostas na Europa, como é o caso de Portugal.

Por outro lado, temos uma complexa agenda geopolítica no mundo, com o conflito na Ucrânia, as eleições nos Estados Unidos e na Europa, para o Parlamento Europeu, definidoras em termos de afirmação do sentimento anti globalista e protecionista.

Passados três meses, o balanço que pode ser feito é ainda bastante nebuloso, embora existam, no campo da economia, alguns sinais positivos que necessitam de confirmação durante os próximos trimestres.

A inflação ainda deverá persistir mais algum tempo

A inflação tem vindo a mostrar sinais de abrandamento, mas ainda existe alguma resiliência e dúvidas que deverão persistir, carecendo de clarificação, até que as taxas de juro possam descer dos seus máximos históricos para controlar os preços, sem esquecer o seu impacto sobre as condições de consumo das famílias e da atividade das empresas.

É certo que as recentes declarações de Jerome Powell (Fed) e Christine Lagarde (BCE) já arrefeceram as expectativas em termos do momento e do ritmo da flexibilização da política monetária de ambas autoridades monetárias, mas, se a inflação for mais rígida do que o previsto, as taxas diretoras poderão ser mantidas num nível elevado por mais tempo.

Tal resultado teria um impacto negativo no crescimento. Eventualmente, a inflação até poderia diminuir ainda mais, mas o processo de desinflação levaria mais tempo.

Economias a crescer e taxas de juro mais baixas

Não obstante, apesar do elevado nível das taxas de juro, as economias deverão continuar a crescer. Nos EUA, o último Inquérito aos Analistas Profissionais (SPF) do Federal Reserve Bank de Filadélfia apresentou um quadro bastante otimista das perspetivas económicas. Um inquérito semelhante do BCE aponta para uma recuperação gradual do crescimento este ano.

Em ambos os casos, há uma evidência que começa a ganhar força, abrindo caminho a uma maior esperança relativamente às perspetivas económicas.

Na União Europeia, analistas e observadores acreditam que a atividade pode aumentar ligeiramente no primeiro trimestre de 2024, antes de uma recuperação mais pronunciada nos próximos trimestres.

Isto seria sustentado por um primeiro corte nas taxas, por parte do BCE, que poderá ocorrer durante o próximo trimestre. Esta flexibilização monetária acompanharia a descida da inflação, que deverá aproximar-se da meta de 2% da estabilidade de preços nos próximos meses.

Um ecossistema com taxas de juro menos agressivas e níveis de preços mais estáveis, poderá apoiar o poder de compra e o consumo das famílias. O crescimento deverá, também, ser apoiado pelos desembolsos do Next Generation EU e pela sua implementação mais acelerada no terreno, um facto que pode ser muito favorável para economias mais expostas aos custos de financiamento externo, e com famílias mais dependentes de taxas de juro com estrutura variável, como é o caso concreto de Portugal.

Fatores geopolíticos irão manter incerteza e expectativas cautelosas na Europa

Os fatores políticos e geoestratégicos terão, igualmente, de ser tidos em conta durante o resto do ano. No campo do conflito militar europeu, as dúvidas persistem.

O conflito na Ucrânia está mais longe ou perto de se tornar um problema militar europeu? Ou algum cessar-fogo surgirá, com o conflito militar a passar para a esfera diplomática, em conjunto com protocolos de cooperação que possam, de alguma forma, estabilizar a região e a Europa?

As declarações recentes do presidente Macron, dando como possibilidade a entrada de tropas no território ucraniano, abriram um debate inesperado sobre o posicionamento das principais potências europeias neste conflito, que poderá ganhar maior destaque nos próximos meses.

Além das incógnitas económicas conhecidas, as incertezas e os riscos políticos e geopolíticos também devem ser tidos em consideração. As eleições para o Parlamento Europeu, em junho, trarão um maior alinhamento entre os Estados-membros? Como irá o resultado das eleições presidenciais dos EUA, em 5 de novembro, influenciar a posição dos EUA em questões geopolíticas?

Um ponto específico de atenção económica no período que antecede as eleições nos EUA será a posição dos candidatos relativamente ao comércio internacional e o risco de uma retórica cada vez mais protecionista. Ou seja, a polarização política e a expectativa de manutenção prolongada de tensões entre nações, com consequências óbvias para a cooperação económica e diplomática global, serão ajustadas ao nível do risco nos mercados financeiros.

Com os governos pressionados para manter estímulos fiscais, e ainda com as taxas de juro em níveis elevados, os prémios de risco das dívidas soberanas podem subir de forma relevante, pelo menos enquanto subsistir a incerteza face à política monetária.

‘Bottoms’ up’: um ano de importantes definições para Portugal

O primeiro trimestre do ano trouxe uma série de sinais positivos para a economia europeia, que pode fazer coincidir a época estival com uma espécie de primavera económica.

As melhores condições económicas poderão ajudar nos próximos meses a melhorar a situação das famílias portuguesas, sobretudo se as taxas de juro e a inflação se ajustarem para níveis mais compatíveis com a normalidade, e permitirem libertar mais rendimentos e, consequentemente, o poder de compra das famílias, e capacidade de investimento das empresas.

No entanto, a nível geopolítico, o enquadramento continua complexo a nível europeu. As eleições europeias também podem trazer uma configuração ideológica ao parlamento europeu mais exigente em termos de suporte às políticas de coesão europeias. Fatores estes que poderão vir a impactar Portugal, que, para além da sua fragilidade estrutural a nível económico, terá também de lidar com potenciais perdas de relevância no seio da política de coesão europeia.

A acrescer às dúvidas da política internacional, o resultado das recentes eleições legislativas, deixou um parlamento “enforcado”, logo, mais exigente para implementar uma agenda reformista. Será crucial acelerar o Programa de Recuperação e Resiliência europeu, que está com enorme atraso, e que carece de uma série de reformas administrativas que foram sendo adiadas pelo anterior governo português.

Portugal não pode continuar a adiar reformas estruturais e, muito menos, voltar – num momento em que a democracia faz 50 anos – à instabilidade política que marcou o final da década de 70.

A atual configuração do parlamento evidencia uma nova era, que deve ser tida em consideração, com mais partidos e menos eleitores no tradicional centro político. É, pois, preciso que os partidos atinjam uma maturidade parlamentar onde seja respeitada a legislatura, dando palco à discussão em torno dos verdadeiros interesses do país.

A restauração da credibilidade das instituições democráticas será, assim, um dos grandes desafios para o ano em curso, bem como o restabelecimento da coesão social, aproveitando as melhores condições económicas e agilizando a implementação dos importantes programas europeus para resolver problemas estruturais dos portugueses.

Um cenário diferente deste pode alimentar mais a atual incerteza política nacional, fomentando ainda mais o voto eurocético e antissistema nacional.