Os chineses são um povo admirável, com uma civilização de cinco mil anos. Nos negócios, não brincam em serviço: pensam a longo prazo e, à boa maneira de Sun Tzu, fazem por vencer as guerras antes mesmo de as iniciar. “A suprema arte da guerra é derrotar o inimigo sem lutar”, escreveu o autor de “A Arte da Guerra”.

Foi isso que a China Three Gorges (CTG) fez na EDP, ao longo dos últimos anos. O grupo, que é detido pela República Popular da China, construiu aos poucos as condições para passar a controlar a EDP. Senão vejamos: mais do que acionista, a CTG tornou-se a grande parceira estratégica da EDP, levando a cabo projetos conjuntos e ajudando a energética portuguesa a reduzir a sua elevada dívida. Quando a recondução de António Mexia esteve tremida, a CTG apoiou o emblemático CEO. E, ao mesmo tempo, foi namorando o Governo, de maneira a garantir o necessário aval político ao negócio.

Tudo isto foi feito à luz do dia, mas a teia chinesa foi urdida de forma tão consistente que, mesmo que queira, a EDP  até pode dizer que o preço é baixo, mas nunca poderá alegar que a  OPA é hostil. E qualquer estratégia de defesa que, eventualmente, venha a ser implementada com a ajuda de uma “minoria de bloqueio” acionista, nunca poderá ser assumida como tal, ao contrário do que sucedeu na outra grande OPA do século em Portugal, quando a PT se defendeu da Sonae com um generoso plano anti-OPA.

Por outro lado, ainda que previsível, a OPA da CTG foi uma eficaz jogada de antecipação, fixando um valor mínimo para negociar, tanto nesta como numa eventual oferta concorrente. Oferta esta que teria o caminho muito dificultado: da mesma forma que a CTG terá de convencer os fundos donos de 25% da EDP, um eventual concorrente só teria sucesso se convencesse Pequim a desistir dos seus objetivos estratégicos no setor mundial da energia, o que não seria fácil. É que, ao contrário dos fundos, a China não está neste jogo apenas para ganhar alguns milhões e, com 28% da EDP nas mãos, consegue travar qualquer rival.

Esta é uma negociação entre, por um lado, fundos sem estados de alma, que vendem ao melhor preço e, por outro, um poderoso estado soberano que não se rege por metas de curto prazo. Neste jogo desigual, a República Popular da China só precisa de duas coisas: paciência q.b. e bolsos fundos para subir o preço até este ser aceitável para aqueles acionistas.

Tal não significa, porém, que a OPA esteja ganha à partida, pois persistem pelo menos duas incógnitas que poderão dificultar a estratégia chinesa.

Em primeiro lugar, na Europa é cada vez maior a pressão para levantar entraves ao investimento chinês em setores estratégicos. Merkel e Macron estão de acordo em criar esses mecanismos de proteção e, com o Brexit à vista, a Comissão abandonou a sua cruzada contra as golden share, como se viu no recente volte-face na oposição às blindagens no setor energético em Espanha. Face à OPA chinesa, que farão Bruxelas e os reguladores dos países onde a EDP opera?

Em segundo lugar, a OPA terá de passar em Washington, devido à operação da EDP no país, numa altura em que na Casa Branca vive um senhor que não só abriu uma guerra comercial com a China, como não é propriamente um entusiasta das renováveis. Mesmo com o lobby do Merrill Lynch, poderá não ser fácil ter o ‘OK’.

Face a estas variáveis, que não controla, a CTG deixou margem para uma revisão das condições de sucesso da OPA, se necessário adiando algumas etapas da sua estratégia (incluindo o controlo de mais de 50% do capital), de modo a acomodar eventuais contratempos e “remédios”. Mas será isto suficiente? É que Sun Tzu nunca o disse, mas o diabo costuma estar escondido nos detalhes.