Ao contrário do que aconteceu depois dos ataques de Israel a Teerão e da resposta iraniana com raides sobre algumas cidades israelitas, os mercados internacionais do petróleo reagiram em alta ao ataque lançado pelos Estados Unidos ao complexo nuclear da potência regional do Médio Oriente. O comportamento dos mercados foi ‘aparatosamente’ diferente: se depois dos ataques israelitas o preço do petróleo mostrou alguma pressão no sentido da subida, rapidamente ajustou a preços anteriores às movimentações militares. Desta vez, os analistas anteciparam que os preços começariam a subir ainda os aviões de caça norte-americanos não estavam no ar.
Vale a pena recordar que na passada sexta-feira os futuros do petróleo bruto WTI caíram 0,2% para fechar a 73,80 dólares por barril, mas ainda registaram o terceiro ganho semanal consecutivo. A leve queda ocorreu, diziam os analistas, porque as tensões geopolíticas no Médio Oriente foram amenizadas pela decisão do presidente Trump de adiar um possível envolvimento militar dos Estados Unidos contra o Irão, permitindo tempo para possíveis negociações diplomáticas sobre o seu programa nuclear. Apesar da tensão elevada, o Irão continuou a exportar petróleo bruto, carregando 2,2 milhões de barris por dia esta semana, o nível mais alto em cinco semanas. Os preços do petróleo encontraram suporte numa queda mais acentuada que o esperado nos stocks de petróleo norte-americanos, com dados do governo a mostrarem o maior declínio semanal em um ano. Essa combinação de risco geopolítico e aperto na oferta ajudou a manter um sentimento geral otimista no mercado de petróleo, mas tudo isso foi ultrapassado na madrugada do dia seguinte.
Para piorar, o governo de Teerão disse rapidamente que iria fechar o Estreito de Ormuz, um dos pontos estratégicos mais importantes do mundo, pelo qual passam cerca de 20% do petróleo mundial e uma parte significativa do gás natural. Qualquer bloqueio terá um enorme impacto económico, nomeadamente na Europa, referem todos os analistas. Alguns países europeus dependem do petróleo e gás natural que importam dos países do Golfo e, por isso, um bloqueio do estreito poderia levar a uma escassez de energia. O Parlamento iraniano recomendou o fecho do estreito, cuja decisão final compete ao líder supremo da república islâmica, o aiatola Ali Khamenei. A decisão precisa de ser ratificada por outros órgãos iranianos, incluindo o Conselho Supremo de Segurança Nacional, segundo explicou um deputado e general iraniano ouvido pela agência espanhola EFE. Todos os analistas antecipam que, se o Irão aprovar o encerramento, os preços do petróleo vão disparar a nível mundial, o que aumentaria a inflação, mais uma vez por via dos custos da energia.
O Estreito de Ormuz, que liga o Golfo Pérsico ao Golfo de Omã, constitui um ponto de estrangulamento de importância estratégica crucial. A norte situa-se o Irão; a sul, os Emirados Árabes Unidos e o enclave de Musandam, pertencente ao Omã. O Irão já ameaçou fechar Ormuz diversas vezes, mas nunca chegou a fazê-lo, porque o país também depende do estreito para exportar a maior parte do seu petróleo bruto, tal como outros membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Kuwait e Iraque.
O fator Rússia
Entretanto, as autoridades russas criticaram fortemente os Estados Unidos pelo seu ataque com mísseis contra as centrais nucleares iranianas, lançando ameaças veladas de que as ambições nucleares do Irão não seriam frustradas e dando as boas-vindas ao ministro dos Negócios Estrangeiros de Teerão para conversações em Moscovo. A chega do ministro – que só é estranha por não ter sido o próprio presidente Masoud Pezeshkian a empreendê-la – não só deixa claro que a Rússia está do lado do Irão, mas também que Teerão está à procura de suporte internacional, indicando isso que a possibilidade de manter a guerra em detrimento da abertura de negociações é real.
O ministro, Abbas Araqchi, encontra-se com Vladimir Putin esta segunda-feira. “A Rússia é um amigo do Irão e temos uma parceria estratégica”, afirmou numa conferência de imprensa em Istambul. “Consultamo-nos sempre e coordenamos as nossas posições”, disse Araghchi, referindo que a Rússia é um dos signatários do acordo da ONU sobre a proliferação nuclear no Irão. “Amanhã terei consultas sérias com o presidente russo e continuaremos a trabalhar em conjunto”, afirmou.
O fator China
Neste contexto, a expectativa está do lado de Pequim. Convém recordar que, quando a guerra na Ucrânia começou, o maior temor do ocidente e dos Estados Unidos era que uma intervenção da NATO pudesse lançar as bases de um entendimento militar entre a Rússia e a China – que verdadeiramente nunca chegou a suceder. Agora, com o ataque dos Estados Unidos ao Irão, essa possibilidade volta a surgir.
Para já, a China condenou os ataques aéreos dos Estados Unidos, alertando que Washington está a repetir erros estratégicos do passado. A ação norte-americana foi descrita como “um ponto de viragem perigoso”. “A história tem mostrado repetidamente que intervenções militares no Médio Oriente frequentemente produzem consequências não intencionais, incluindo conflitos prolongados e desestabilização regional”, afirmava um comentário oficial – ou pelo menos citado pelos meios de comunicação estatais. Para o governo de Xi Jinping, uma abordagem diplomática e ponderada que priorize o diálogo em vez do confronto militar oferece a melhor esperança de estabilidade na região.
De regresso à Rússia, um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros “condenou veementemente” os ataques aéreos e classificou-os como “uma violação grosseira do direito internacional, da Carta das Nações Unidas e das resoluções do Conselho de Segurança da ONU”. Dmitry Medvedev, vice-chefe do Conselho de Segurança do presidente Vladimir Putin e um dos mais aguerridos adeptos das respostas militares, disse que vários países estão preparados para fornecer armas nucleares a Teerão. Não especificou quais, mas disse que o ataque dos Estados Unidos causou danos mínimos e não impedirá Teerão de procurar obter armas nucleares.
O fator Turquia
Vale a pena referir que o ministro dos Negócios Estrangeiros esteve este sábado na Turquia, o que quer dizer que terá também o apoio do regime do presidente Erdogan. País da NATO, “sempre chamámos a atenção para o risco de o conflito, que começou com a agressão israelita na região, se espalhar e desestabilizar o ambiente de segurança. O ataque dos Estados Unidos às instalações nucleares do Irão maximizou esse risco”, afirmou o Ministério das Relações Exteriores em comunicado.
A declaração foi feita logo após o ministro das Relações Exteriores do Irão fazer um severo aviso aos Estados Unidos em Istambul, onde participou numa cimeira de ministros das Relações Exteriores da Organização de Cooperação Islâmica (OCI).
“A Turquia está profundamente preocupada com as possíveis consequências do ataque dos Estados Unidos às instalações nucleares da República Islâmica do Irão. Os acontecimentos em curso podem levar o conflito regional a uma escalada global”, acrescentou o ministério turco. “Não queremos que este cenário catastrófico se concretize”. “A única forma de resolver a disputa sobre o programa nuclear do Irão é por meio de negociações. Apelamos à comunidade internacional para que apoie os esforços para encontrar uma solução diplomática entre as partes”, afirmou.
Embora não seja parte da disputa entre o Irão e as potências mundiais sobre o programa nuclear, nem do conflito Irão-Israel, a Turquia tem muito em jogo como potência regional e vizinha do Irão. Ao contrário de seus aliados no Ocidente, defendeu o direito do Irão à autodefesa e criticou a política expansionista de Israel, que agora tem o Irão como alvo. Líderes turcos têm alertado repetidamente que o próximo alvo de Israel pode ser a Turquia se a sua agressão regional não for interrompida. De facto, segundo os analistas, Israel vê a Turquia como um opositor e ocasionalmente faz ameaças veladas à liderança turca pelo seu apoio aos palestinianos.
Do seu lado, o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse estar “gravemente alarmado” com o uso da força pelos Estados Unidos e alertou sobre consequências desastrosas se a situação se deteriorar ainda mais. “Há um risco crescente de que este conflito saia rapidamente do controle — com consequências catastróficas para os civis, a região e o mundo”, disse Guterres. “Não há solução militar. O único caminho a seguir é a diplomacia”, acrescentou, apelando aos Estados – membros da ONU para que trabalhem pela redução da tensão.
Já a conta oficial em inglês da Arábia Saudita nas redes sociais dizia que “o Reino da Arábia Saudita está a acompanhar com grande preocupação os acontecimentos na irmã República Islâmica do Irão, representados pelo ataque às instalações nucleares iranianas pelos Estados Unidos da América”.
No seu próprio país, a intervenção e a vitória “espetacular” não agradou a todos. Os democratas condenaram de forma clara a ação do presidente Trump, considerando-a como uma medida “inconstitucional”. O líder democrata da câmara dos representantes, o Hakeem Jeffries, criticou a atitude do presidente como não autorizada e potencialmente imprudente. “O presidente Trump enganou o país sobre as suas intenções, não tentou uma autorização do Congresso para o uso da força militar e corre o risco de envolver os Estados Unidos numa guerra potencialmente desastrosa no Médio Oriente”, disse Jeffries. “Donald Trump assume total e completa responsabilidade por quaisquer consequências adversas decorrentes da sua ação militar unilateral”.
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