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Até ao lavar dos cestos é…

As vindimas são mais do que uma festa. Permitem contactar com segredos milenares e, daqui por dois ou três anos, abrir uma garrafa, libertar os seus aromas e declarar “Eu também fiz este vinho!”.
25 Setembro 2016, 15h30

Pegar no balde, na tesoura, nas lu vas. É tempo de por mão à obra. São dez da manhã e estamos na Quinta das Carvalhas, bem no coração do Douro. Do outro lado do rio fica a vila do Pinhão, e a Quinta das Carvalhas é a propriedade ex-libris da Real Companhia Velha, a casa fundada ainda no tempo do Marquês de Pombal com a delimitação da mais antiga região demarcada do mundo. As referências à propriedade datam, mais ou menos, da mesma altura.

É, pois, tempo de escolher os melhores cachos, apanhar as uvas e encher os baldes. Não se pre ocupe se, ao seu lado, estiver uma sexagenária a trabalhar ao do bro da velocidade. Afinal, ela es tá habituada, você não. Aproveite antes para perceber melhor as vinhas e as diferentes castas, aprender a diferenciar uma Sousão de uma Touriga Nacional, por exemplo. A Quinta das Carvalhas tem cerca de 120 hectares de vinha (ninguém espera que faça a vindima completa) e, com sorte, pode admirar as magníficas vinhas velhas da propriedade, algumas com a bonita idade de um século na companhia de Álvaro Marinho, o viticultor e verdadeira enciclopédia da vinha.

Quando faltarem 15 minutos para a uma, é tempo de subir à famosa casa redonda, edificação sui generis no topo da Quinta, a 500 metros de altitude e com uma vista de 360 graus sobre o vale. O almoço é “à vindima”: feijoada à transmontana acompanhada por vinhos da RCV: branco, tinto e Porto. De tarde, visita-se a adega (que fica noutra quinta, a Casa da Granja), seleciona-se as uvas apanhadas, na mesa de escolha, e participa-se numa lagarada, a típica pisa a pé das uvas. De regresso à Quinta das Carvalhas, uma prova de vinhos comentada é o final em beleza para um longo dia passado no campo a aprender como se faz um bom vinho.

Do outro lado do Rio Douro, mesmo em frente às Carvalhas, encontramos a Quinta de la Rosa, que também oferece um programa de vindimas, mas um pouco di ferente.

O programa da de la Rosa é diferente desde logo porque não in clui a apanha da uva. Começa mais tarde, cerca das 16H00, com uma visita guiada à bonita adega da quinta e ao armazém de envelhecimento da propriedade gerida pelos Bergqvist desde 1906. Segue-se uma prova de vinhos na recém inaugurada loja e sala de provas, mas cuidado porque, depois, há que trilhar o “Vale do Inferno”. Construída antes da Primeira Guerra Mundial e com as pa redes de xisto mais altas de todo o Douro, esta parcela de vinha foi um dos grandes postais en viados para a classificação do Douro como Património da Humanidade.

Às 18h30, é tempo de tomar um aperitivo – Porto Tónico, naturalmente – antes do jantar, porque depois, às 21h00, tem início o ponto alto do programa: uma la garada noturna, tal como se fazia antigamente.

A Quinta de la Rosa oferece ainda a opção de enoturismo, com dez quartos e quatro suites e duas casas independentes com piscina privada. A propósito, a vis ta da piscina comum é das mais bonitas do Douro, pelo que é uma excelente opção para pernoitar na região.

Setembro é mês de vindimas em Portugal, uma festa que ocorre de norte a sul do país e à qual inúmeros produtores de vinho associam hoje soluções de vindimas, mais ou menos ‘à la carte’, para satisfazer um número crescente de enófilos à procura de entrar mais neste mundo e ter um  contacto direto com a produção de vinhos.

Demos aqui dois exemplos a norte, no Douro, mas podíamos com a mesma facilidade escolher dois grandes produtores a sul, na segunda região vínica do país. Podíamos igualmente escolher a Herdade das Servas e a Herdade do Esporão, onde o dia começa às dez da manhã, com um café de boas-vindas no alpendre, junto às vinhas berço de néctares como o Esporão Reserva ou o Private Selection. A equipa de agricultura co manda as hostes a partir daqui e todo o trabalho de vindima é uma oportunidade única para explorar as tradições e um saber secular. Ao meio dia, o calor aperta tanto que o melhor é visitar a ade ga e as caves que, no Esporão, fi cam a uns incríveis 30 metros de profundidade. Um refresco a abrir o apetite para o menu enogastronómico preparado pelo chef Pedro Pena Bastos, do restaurante Esporão – bem harmonizado com os vinhos da Herdade.

Um pouco mais acima, em Estremoz, a Herdade das Servas substitui a vindima pela pisa a pé, que aqui tem a particularidade de ser feita em lagares de mármore maciço – da região, naturalmente. Antes, ainda, a participação na me sa de escolha permite aprender a selecionar as melhores uvas, e o programa não estaria completo sem uma prova de vinhos da herdade e um almoço de vindimas, a cargo da chef Maria da Fé, que tem nome de fadista mas alma de cozinheira.

Viseu, no Dão, é um belo exemplo de associativismo e a ini ciativa organizada pela cidade congrega muitas quintas à sua vol ta. É o caso da Quinta de Lemos, que abre as suas portas a quem quiser participar nas vindimas e, além disso, no dia do município e de São Mateus – 21 de se tembro – o enólogo da quinta e o chef Hugo Rocha do restaurante Mesa de Lemos – um dos grandes do país – participam num ‘showcooking’ conjunto e de harmonização.

Escolhas não faltam e este ano até temos sorte, porque a vindima, ao sabor do tempo, prolonga-se até outubro.

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