O financiamento e a burocracia são as principais dificuldades identificadas pelos grupos de cidadãos eleitores (GCE) na corrida às eleições autárquicas, com o acesso aos meios de comunicação a condicionar também o sucesso destas candidaturas.
“Os partidos são financiados e os grupos de cidadãos não. É um dos grandes problemas, é o financiamento. Um grupo independente, sem o financiamento partidário, tem mais dificuldades depois em fazer campanha, em divulgar os seus programas, objetivos”, elucidou a investigadora Maria Antónia Pires de Almeida, em declarações à Lusa.
A desigualdade nos “aspetos financeiros” é também apontada pelo antigo vereador conimbricense José Augusto Ferreira da Silva como decisiva.
“As questões burocráticas são tremendas. [É] injustificado o número de assinaturas que se pede, é injustificada a questão da contabilidade, das finanças, as desigualdades entre os partidos e os grupos de cidadãos, por exemplo, em relação ao IVA, que os partidos não pagam e os grupos de cidadãos pagam a 23%”, exemplificou.
“Os partidos têm um orçamento global, que depois distribuem conforme entendem, e os grupos cidadãos não. Têm de ter contabilidade, têm de ter tudo organizado em relação aos contributos, mas os contributos são muito limitados”, criticou também.
De acordo com o ex-vereador, eleito pelo movimento Cidadãos por Coimbra (CpC) nas autárquicas de 2013, “há limitações que as pessoas nem sequer imaginam” para os GCE, a começar pelo facto de não terem “personalidade jurídica”, o que inviabiliza, por exemplo, o recurso ao crédito.
Uma vez que estes movimentos acabam “formalmente com o fim da campanha”, há um “conjunto de limitações, mesmo no exercício do mandato”, que dificulta a manutenção do grupo.
“Isto é um verdadeiro exercício de equilibrismo, conseguir manter um grupo que não tem uma personalidade jurídica, uma estrutura”, revelou José Augusto Ferreira da Silva à Lusa.
O advogado identificou também “um muro de difícil transposição desde logo pelo acesso aos meios de comunicação social principais, porque, no fundo, quem domina o espaço público são os partidos políticos, mesmo no mundo autárquico”.
Maria Antónia Pires de Almeida concorda em que o menor acompanhamento mediático condiciona o sucesso das candidaturas de GCE.
“Como é que eles vão ter dinheiro para fazer cartazes, para divulgar os seus programas, quando um partido tem dinheiro que recebe do Estado – e muito bem, [porque] está escrito na nossa lei eleitoral? A falta de divulgação vai prejudicá-los muito”, estimou.
Investigadora da Escola de Economia, Gestão e Ciência Política da Universidade do Minho e autora, entre outros, do livro “Grupos de cidadãos nas autarquias portuguesas: contributo para a prática da cidadania e para a qualidade da democracia?”, Maria Antónia Pires de Almeida notou, contudo, que a tendência dos GCE “pode ser de crescimento, especialmente entre os mais jovens”.
“Tem sido notado por vários cientistas políticos que os jovens estão um bocado descontentes com o sistema partidário e com os partidos em geral, não se reveem. Portanto, se aparece uma pessoa fora do sistema partidário, os jovens podem estar mais abertos a propostas diferentes. Esta é a única explicação que eu posso dizer, que tem sido mais comprovada”, indicou.
Segundo a investigadora, “eventualmente”, juntos dos novos eleitores, “que estão desmotivadíssimos, talvez uma pessoa fora do sistema partidário os motive para votar”.
Também o presidente da Associação Nacional dos Movimentos Autárquicos Independentes (AMAI), João Campolargo, aponta a burocracia e as tramitações do IVA (imposto sobre o consumo, que estes grupos não conseguem deduzir) como os grandes desafios.
“Nós, quando temos o trabalho dentro daquilo que é a preparação da apresentação da nossa formalização da candidatura, temos que reunir um conjunto de assinaturas, que muitas das vezes nos obriga a ter um empenho completamente diferente dos partidos políticos, que não o têm que fazer”, referiu o também presidente da Câmara de Ílhavo.
“É tudo custo para nós. Isso aumenta a nossa responsabilidade, porque nós não temos ‘background’. Ou seja, para fazermos um investimento numa campanha, temos que o fazer diretamente nós e depois a subvenção se pagar, paga, se não pagar, não paga”, acrescentou.
O representante espera poder preparar com o atual Governo “uma revisão da lei” para “corrigir a questão da gestão contabilística” dos GCE, evitando que se extingam após a eleição. A isenção ou a redução do IVA é, por isso, uma forte reivindicação.
Nas eleições autárquicas de 12 de outubro vão ser eleitos os órgãos dirigentes de 308 câmaras municipais, 308 assembleias municipais e assembleias de 3.221 freguesias. Outras 37 freguesias vão escolher o executivo em plenários de cidadãos, por terem menos de 150 votantes.
Segundo números provisórios divulgados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), em resposta à agência Lusa, são 817 as forças candidatas que se apresentam a estas eleições, incluindo 618 grupos de cidadãos eleitores.
De acordo com os dados disponibilizados pela AMAI, os GCE apresentam nas próximas eleições candidatos a 100 câmaras municipais, 99 assembleias municipais e 906 assembleias de freguesia.
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