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BE pressiona Governo a esclarecer posição sobre eventual renacionalização dos CTT no Parlamento

Bloquistas consideram que os CTT eram “um ativo do Estado importante, uma empresa histórica, pública, que dava lucro e prestava um serviço público extremamente”. Este ano termina o contrato de concessão do serviço universal postal com os Correios e o BE quer que o Governo revele o que vai fazer.
12 Março 2020, 08h00

O Parlamento vai debater esta quinta-feira “a crise no serviço postal e a recuperação do controlo público dos CTT”, por iniciativa do Bloco de Esquerda (BE). O grupo parlamentar do BE vai pressionar o Executivo socialista a esclarecer a sua posição sobre uma eventual “renacionalização” dos CTT, a fim de perceber se existe uma “janela de oportunidade” para que a medida avance.

A deputada bloquista Isabel Pires, que coordena os trabalhos do BE na comissão parlamentar de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação, explica ao Jornal Económico que este ano “vai ser especialmente importante para a empresa”, porque o contrato de concessão acordado com o Estado termina em 31 de dezembro de 2020. Tendo isso em conta, o BE quer saber o que é que “o Governo tem concretamente pensado relativamente ao próximo contrato”.

Os bloquistas defendem que o Governo deve seguir a via da renacionalização da empresa. O PCP e PEV acompanham a proposta do BE, apesar de apresentarem algumas divergências em relação à forma como a medida deve ser implementada. O BE diz que a privatização da empresa, iniciada em 2013 e concluída em 2014, foi “um erro tremendo para o país”.

“Desde a privatização que temos tido uma administração e uma gestão desta empresa que nos preocupa muito, não só pela venda de património, mas também ataques sucessivos a trabalhadores, encerramento de estações de correios e uma diminuição grave da qualidade de serviço que tem sido prestado, o que é verificado pelos vários estudos que têm sido feitos nomeadamente pela Anacom [Autoridade Nacional de Comunicações]”, indica Isabel Pires.

Para o BE, os CTT eram um “ativo estratégico”, com um “papel importante” na coesão territorial e social, que “em muitos pontos do país era o único ponto de contacto com o Estado”. A bancada bloquista considera que, com a vaga de encerramentos de estações de correios que deixou 33 concelhos sem um única loja CTT, até setembro de 2019, o papel da empresa no serviço postal universal tem vindo a deteriorar-se ainda mais, quando este deve ser “melhorado” e “fomentado”.

Isabel Pires lembra ao Jornal Económico que o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, disse em audição no Parlamento que “o Governo não retira de cima da mesa uma eventual participação maior do Estado na empresa”, mas não esclarece se essa participação se traduzirá numa nacionalização da operadora postal.

“Até agora o Governo ainda não fez qualquer declaração premente e concreta sobre como vai lidar com a preparação do novo contrato, que tipo de garantias é que estão a ser pensadas para garantir que o serviço não continua a deteriorar-se. O que queremos perceber ao certo é o que o Governo quer dizer quando diz que existe esta janela de oportunidade e o que vai querer fazer relativamente a isto”, sublinha a deputada bloquista.

Como o atual contrato de concessão do serviço postal universal, nas mãos dos Correios, termina dentro de nove meses, o Governo tem de ter uma solução definida antes do final do ano. O Partido Socialista (PS) anunciara em fevereiro de 2019 que só tomaria uma posição sobre o serviço postal universal e sobre a operadora postal depois de serem conhecidas as conclusões da auditoria da Inspeção-Geral das Finanças (ISF).

Isabel Pires considera que os argumentos apontados pelo partido do Governo “têm sido exatamente aqueles que têm sido utilizados para defender a sua renacionalização”.

Avaliação da IGF aos CTT indigna partidos
O debate parlamentar de hoje deverá ficar marcado pela referida auditoria, que segundo fonte oficial do Ministério das Finanças deu entrada no Parlamento no final de dezembro, mas só chegou às mãos dos deputados esta semana, mais de dois anos depois de ter sido requerida pela Assembleia da República. Qual o motivo da indignação? O documento foi entregue com carácter de confidencialidade e, por isso, só poderá ser consultado pelos deputados mediante credenciação.

O documento fora pedido ao abrigo da Lei do Enquadramento Orçamental e será esmiuçado em sede de Comissão de Orçamento e Finanças (COF). Para o grupo parlamentar do PS, as barreiras levantadas não têm base legal, por se tratar de uma avaliação a um serviço público, fez saber o deputado socialista João Paulo Correia, à margem da audição da secretário de Estado do Orçamento, João Leão, na COF, na quarta-feira.

“Ao abrigo da Lei do Enquadramento Orçamental e nunca nenhuma auditoria ao abrigo dessa lei foi objeto de confidencialidade, mas a Lei do Enquadramento Orçamental não permite a confidencialidade. Foi a empresa que o pediu e a empresa ao pedir, não quer dizer necessariamente que tenha de ser acatado”, já tinha explicado o coordenador do grupo parlamentar do PS ao JE, na terça-feira.

A confidencialidade dos resultados da auditoria da IGF tinha sido pedida pelos CTT, para salvaguardar dados comerciais. “Não vi nenhum”, revelou João Paulo Correia. Para o deputado, a decisão de tornar um documento confidencial não pode ser um “critério unipessoal a decidir pelo presidente da Assembleia da República [Eduardo Ferro Rodrigues]”. Por isso, o PS requereu que a confidencialidade do documento seja levantada.

Na referida reunião da COF, BE, PCP e PSD, anunciaram que vão acompanhar iniciativa de João Paulo Correia para desclassificar a confidencialidade do documento.

Apesar da confidencialidade, as conclusões da IGF sobre a prestação de serviços dos CTT foram revelado pelo PS, numa pergunta endereçada ao ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos. O PS tem dúvidas quanto à alteração da lei postal feita em 2012 pelo Governo de Pedro Passos Coelho, que permitiu iniciar o processo de privatização a 100% da empresa hoje liderada por João Bento. Os socialistas acreditam que o Executivo PSD/CDS-PP “não acautelou o interesse público”.

A IGF aponta a existência de uma “desconformidade entre a lei/contrato e a situação/titularidade dos bens afetos à concessão”, indicando que a situação “carece de clarificação”. Porquê? A IGF acredita que os atuais termos permitem que, no final do atual contrato de concessão do serviço postal universal, “apenas” os CTT reúnam condições para assegurar o serviço público, “atuando em situação de monopólio natural, inviabilizando, na prática, a entrada de outros operadores, incluindo o Estado, e a liberalização do mercado”.

Por isso, o partido do Governo quer perceber se as alterações à lei postal impedem a reversão gratuita e automática dos bens (os imóveis) da rede pública para o Estado, no final do contrato. Isto é, caso os imóveis não passem para o Estado, no fim do atual contrato de concessão, a liberalização do mercado não se verificará, tendo em conta que não deverão surgir outras empresas dispostas a concorrer  à concessão do serviço postal universal sabendo que terão de vir a investir em imóveis em todo o país.

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