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BE quer ouvir Sócrates, Pinho e Vara na comissão de inquérito à CGD

Ex-ministro da Economia vai ser ouvido sobre o projecto da Artlant, considerado de interesse nacional pelo Governo de Sócrates, que resultou em perdas de 300 milhões de euros para o banco público. Além de Pinho, o BE quer ouvir três antigos ministros, um ex-primeiro-ministro e dezasseis antigos administradores da CGD.
27 Fevereiro 2019, 07h48

O BE quer ouvir o antigo ministro da Economia, Manuel Pinho, na comissão parlamentar de inquérito à gestão da Caixa Geral de Depósitos (CGD) para perceber a intervenção do ex-governante num investimento que acabou por revelar-se ruinoso para o Estado. Em causa está a operação de financiamento da CGD à petroquímica Artlant, para financiar a fábrica da La Seda, em Sines, sinalizada no relatório da auditoria da EY como uma das operações mais danosas para o banco público, com perdas próximo dos 300 milhões de euros. Foi o Governo de José Sócrates que, em 2007, atribuiu o estatuto de Projecto de Potencial Interesse Nacional (PIN) à fábrica de Sines.

”O BE pretende chamar Manuel Pinho, ex-ministro da Economia” à segunda comissão parlamentar de inquérito à gestão da CGD, entre 2000 e 2015, revelou ao Jornal Económico Mariana Mortágua, a deputada bloquista, dando conta que o objetivo passa por esclarecer qual foi a intervenção daquele ex-governante no investimento da fábrica da La Seda, em Sines, a que o governo de Sócrates atribuiu o estatuto de PIN, que acabou por revelar-se ruinoso para o Estado.

Na lista de ex-responsáveis políticos que o BE quer ouvir juntam-se ainda mais três antigos ministros das Finanças: Luís Campos e Cunha, Teixeira dos Santos, Maria Luís Albuquerque, bem como o ex-primeiro-ministro José Sócrates.

Entre as participações financeiras que correram mal está, assim, novamente na mira do Parlamento o caso da La Seda e da construção de uma fábrica de polímeros em Sines, que inicialmente eram uma divisão da La Seda, que depois faliu. A Caixa entrou como acionista da empresa química de Barcelona em 2006 para garantir, concluiu a auditoria da EY, que uma decisão de investimento vinha para Portugal, a unidade em Sines. Além de entrar no capital, acompanhada por grupos portugueses, a Caixa participou num empréstimo sindicado ao grupo La Seda. Segundo o relatório da EY, estas operações resultaram em perdas que ascenderam a 300 milhões de euros.

Em 2015, a CGD tinha uma exposição de 350,8 milhões de euros à Artlant e de 89,2 milhões à Júpiter (também acionista da La Seda). No final de 2015, as perdas da CGD eram de 60,2% da exposição (cerca de 210 milhões) à Artlant e do total em relação à Júpiter.

A Artlant foi um projecto em que a CGD, então liderada por Carlos Santos Ferreira, teve uma palavra decisiva. O banco público entrou para o capital da catalã La Seda de Barcelona, tendo depois trazido o projecto para Portugal, num ‘dossier’ que envolveu o governo de José Sócrates que, em 2007, atribuiu o estatuto de Projecto de Potencial Interesse Nacional (PIN) à fábrica de Sines – razão pela qual o Estado, através da Aicep, também tenha reclamado 33 milhões de euros no Processo Especial de Revitalização (PER), depois retirado.

O BE quer agora saber qual foi a intervenção que Manuel Pinho teve, enquanto ministro da Economia, neste investimento que acabou por revelar-se ruinoso para o Estado. Um investimento que está também na mira do Ministério Público no âmbito do inquérito às rendas excessivas, onde Pinho é suspeito de, enquanto ministro de Economia do Governo de Sócrates, ter tomado decisões que terão beneficiado a EDP em cerca de 1,2 mil milhões de euros nos chamados CMEC e na extensão da exploração de 27 barragens por 25 anos.

 

16 antigos administradores e Constâncio vão ser chamados

Na mira do BE estão ainda 16 antigos administradores entre os quais Carlos Santos Ferreira e Armando Vara (2005 a 2008), Celeste Cardona (2004 a 2008), Almerindo Marques (2000 a 2002) e Carlos Costa (2004 a 2006), que também será ouvido na qualidade de Governador do Banco de Portugal. Entre os responsáveis do Banco de Portugal que os bloquistas querem ouvir estão ainda João Costa Pinto, presidente do Conselho de Auditoria, e o antigo governador, Vítor Constâncio (2000 a 2009). Para os bloquistas, para além do atual Governador do Banco de Portugal [Carlos Costa], que também tem que dar explicações, é importante também ouvir o Governador do Banco de Portugal no tempo em que a maior parte das operações ocorreram, que é Vítor Constâncio”.

São aqui sinalizados os anos 2006, 2007, 2008, quando a maior parte destes créditos ocorreram. Segundo a auditoria da EY no ‘Top 25’ dos créditos mais ruinosos, num total de 1.263 milhões de euros, foi entre 2000 e 2007 que se concentraram 78% destas operações: 871 milhões de euros de perdas registadas em 2015, referentes ao período em que a administração de  Carlos Santos Ferreira (entre 2005 e 2008) é apontada com maior concentração de créditos ruinosos, como à Artlant, a Joe Berardo e ao empreendimento Vale do Lobo.

Vítor Constâncio, segundo a deputada do BE, “tem a particularidade de ter sido o governador não apenas neste período da Caixa, mas também quando operações semelhantes ocorreram no BES ou no Banif”.

Recorde-se que na anterior comissão de inquérito, Vítor Constâncio não foi ouvido porque estava no Banco Central Europeu (BCE), tendo, segundo o BE, “usado essa sua posição como forma de responder por escrito”, não tendo comparecido no Parlamento.

Ao JE, a deputada do BE Mariana Mortágua – que integra esta CPI – adiantou que a lista de nomes proposta pelo Bloco terá de ser consensualizada com os restantes deputados que integram a segunda comissão parlamentar de inquérito à recapitalização e gestão da Caixa e que ontem, dia 26 de Fevereiro, reuniram pela primeira vez para definir as audições e calendários.

Segundo esta responsável, “há um entendimento entre os grupos parlamentares que subscreveram a comissão para que os nomes sejam discutidos em conjunto de forma a tornar os trabalhos mais eficazes”. O BE identificou “três grupos de nomes a chamar”, sendo estes os administradores da CGD que tomaram decisões de crédito, os clientes mais importantes, entre os quais quer ouvir Joe Berardo, da Metalgest; Manuel Fino, da Investifino; e Diogo Gaspar Ferreira, antigo diretor do Vale do Lobo. Ao nível da fiscalização, o BE vai chamar ainda a Oliveira Rego & Associados, a sociedade de revisores oficiais de contas que em 2007, alertou para o risco de fraudes e deficiências no sistema de controlo interno da CGD, tal como o Jornal Económico noticiou em primeira mão.

A reunião de mesa e coordenadores, agendada para as 17h00, no Parlamento, é o ponto de partida da nova comissão de inquérito ao banco público, e contém na sua ordem de trabalhos a definição da calendarização, pedidos de documentação e lista de audições a realizar.

Primeira reunião da comissão de inquérito

À segunda Comissão Parlamentar de Inquérito à Recapitalização da CGD e à gestão do banco, como é oficialmente designada, foi dada posse pelo presidente da Assembleia da República (AR), Eduardo Ferro Rodrigues, em 21 de fevereiro. E nesta terça-feira, 26 de fevereiro, realizou a primeira reunião de mesa e coordenadores  no Parlamento,

Na ocasião, o presidente da AR expressou o desejo de que a nova comissão “vá mais longe” no apuramento de factos do que a anterior.

A comissão é presidida pelo deputado do PSD, Luís Leite Ramos, e composta por sete parlamentares do PSD, sete do PS, um do BE, um do PCP e outro do CDS-PP.

Pelo PSD, tomarão parte Duarte Pacheco (coordenador), Duarte Marques, Conceição Ruão, Inês Domingos, Carlos Silva e Virgílio Macedo.

Já pelo PS, os membros serão João Paulo Correia (coordenador), Fernando Rocha Andrade, João Marques, Carlos Pereira, Constança Urbano de Sousa, Isabel Moreira e Jorge Gomes.

O BE terá como efetiva a deputada Mariana Mortágua e como suplentes Jorge Costa e Ernesto Ferraz.

Pelo PCP, Paulo Sá será o membro efetivo, com Duarte Alves e João Oliveira como suplentes.

O CDS-PP contará com João Almeida como efetivo e com Cecília Meireles e Ana Rita Bessa como suplentes.

Na sequência da polémica em torno de uma auditoria sobre a concessão de crédito da CGD entre 2000 e 2015, o CDS-PP avançou inicialmente sozinho com a iniciativa, mas depois consensualizou com PSD, PS e Bloco de Esquerda (BE) o texto do projeto de resolução que foi aprovado.

O PCP considerou desnecessária uma nova comissão de inquérito ao banco público, mas assegurou que não iria criar nenhum obstáculo à sua constituição, abstendo-se, sem apresentar propostas de alteração ao objeto dos trabalhos.

O texto consensualizado entre CDS-PP, PSD, PS e BE estabelece que esta comissão deverá funcionar pelo prazo máximo de 120 dias, tendo entre os seus objetivos apurar as práticas de gestão da CGD no domínio da concessão de crédito desde o ano 2000, apreciar a atuação dos órgãos de administração, fiscalização e auditoria do banco, dos auditores externos, governos e supervisores financeiros.

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