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Biden vai a Angola com os EUA a apostarem no reforço das relações em África

Em Angola, que Joe Biden será o primeiro presidente dos EUA a visitar oficialmente, os EUA têm um interesse específico no desenvolvimento do Corredor do Lobito, o projeto ferroviário que ligará a costa Atlântica à região rica em minério de cobre no interior do continente.
epa11004459 US President Joe Biden (R) meets with President of Angola Joao Manuel Goncalves Lourenco (L) in the Oval Office of the White House in Washington, DC, USA, on 30 November 2023. EPA/Yuri Gripas / POOL
16 Setembro 2024, 07h30

O presidente norte-americano, Joe Biden, vai visitar Angola no próximo mês de outubro, para cimentar o processo de reaproximação entre Washington e Luanda e a aposta dos Estados Unidos da América (EUA) no reforço das relações com a África subsaariana.

A visita realizar-se-á depois da 79ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), que se iniciou a 10 de setembro e terminará a 28, e as eleições presidenciais norte-americanas, a 5 de novembro, noticiou a agência Reuters.

Esta visita ficou prometida quando o presidente angolano, João Lourenço, foi recebido por Joe Biden na Casa Branca, em novembro do ano passado, assinalando 30 anos de relações diplomáticas entre os dois países.

Depois, chegou a dizer em maio que planeava concretizá-la em fevereiro de 2025, depois de vencer as eleições, mas acabou por retirar-se da corrida presencial, sendo substituído na candidatura pela vice-presidente, Kamala Harris.

Em novembro, no final da reunião, o presidente angolano sublinhou a abertura para cooperar com os EUA em todos os domínios, incluindo “economia, defesa e segurança, transportes e energia, telecomunicações, agricultura, exploração do espaço para fins pacíficos e outros domínios que foram do interesse”. Joe Biden sublinhou que “a parceria entre Angola e os EUA é mais importante do que nunca”.

Os Estados Unidos alteraram a sua política para África, para responder ao crescente investimento chinês no continente e às operações russas, especialmente na região do Sahel, a terra semiárida que separa o deserto do Saara das savanas tropicais e que se estende desde o oceano Atlântico ao mar Vermelho, que tem sido varrida por golpes de estado.

Em Angola, que Joe Biden será o primeiro presidente dos EUA a visitar oficialmente, os EUA têm um interesse específico no desenvolvimento do Corredor do Lobito, o projeto ferroviário que ligará a costa Atlântica à região rica em minério de cobre no interior do continente.

O Corredor do Lobito integra a Parceria para Infraestruturas e Investimentos Globais (PGI, na sigla inglesa), o programa lançado por Joe Biden para competir com a chinesa nova rota da seda. Prevê a ligação por via-férrea entre Angola, a República Democrática do Congo e a Zâmbia, aproveitando a rede de 1.344 quilómetros dos Caminho-de-Ferro de Benguela, que atravessa Angola e liga à rede congolesa, estando prevista a construção de 550 quilómetros de linha férrea na Zâmbia, assim como 260 quilómetros de vias rodoviárias. Tem o apoio dos EUA, da União Europeia e do Banco Africano de Desenvolvimento, que contribuirá com 500 milhões de dólares (cerca de 452 milhões de euros, ao câmbio atual) para o projeto e ajudará a angariar 1,6 mil milhões de dólares (cerca de 1,44 mil milhões de euros), e pretende tornar-se uma via de escoamento para as regiões mineiras até ao Atlântico.

Os serviços ferroviários no Corredor do Lobito estão concessionados a um consórcio que inclui a portuguesa Mota-Engil.

“De notar que uma das prioridades da política externa da administração Biden para a África Subsaariana é o estabelecimento de corredores económicos estratégicos. O Corredor do Lobito que liga Angola à Zâmbia, oferece o potencial para o desenvolvimento de infraestruturas críticas e o reforço do já existente Copperbelt”, diz ao JE Carlos Morgado Braz, coordenador da Licenciatura em Relações Internacionais da Universidade Europeia.

Outros grandes projetos em curso com interesses norte-americanos incluem a construção e gestão da refinaria do Soyo, da responsabilidade da Quanten, e o maior projeto fotovoltaico na África Subsariana, desenvolvido pela Sun Africa em conjunto com o grupo português MCA.

A central fotovoltaica do Biópio, com uma potência instalada de 188,8 megawatts, foi inaugurada em julho de 2022 pelo Presidente da República de Angola e foi visitada pelo primeiro-ministro português, Luís Montenegro, na visita oficial ao país, este ano. É uma das sete centrais que compõem a totalidade do projeto previsto para as províncias de Benguela (Biópio e Baía Farta), Huambo (Bailundo), Bié (Cuito), Lunda-Norte (Lucapa), Lunda-Sul (Saurimo) e Moxico (Luena) e que prevê uma capacidade instalada de 370 megawatts, que abastecerão 2,4 milhões de pessoas, sobretudo em áreas com carências de infraestruturas de acesso à rede pública de eletricidade.

África na ONU

A viagem de Joe Biden, a primeira de um presidente norte-americano a um país da África subsaariana numa década, desde Barack Obama, realiza-se depois de os Estados Unidos terem anunciado o apoio à reestruturação do Conselho de Segurança da ONU para que este integre dois países africanos em permanência, ainda que sem poder de veto.

O anúncio foi feito pela embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, Linda Thomas- Greenfield, no final da semana passada.

“Durante anos, os países têm apelado a um conselho mais inclusivo e mais representativo, que reflita a demografia do mundo de hoje e responda melhor aos desafios que enfrentamos hoje”, disse Thomas-Greenfield ao Conselho de Relações Exteriores.

Concretizando-se esta alteração, a questão será saber quais poderão ser os candidatos a ocupar as duas vagas africanas.

“Parece-me que os candidatos de primeira linha serão Nigéria e Quénia”, diz ao Jornal Económico Tiago André Lopes, professor de Relações Internacionais na Universidade Lusíada do Porto. “A Nigéria é uma das três maiores economias de África; é o estado mais populoso de África; e é um dos 10 estados etnicamente mais diversos de África. É um parceiro importante na região, para contrapor à África do Sul que tem uma relação complexa com Washington e que faz parte dos BRICS e que levará Washington a olhar sempre com menos interesse”, explica.

“Há um ano atrás, o segundo candidato óbvio seria o Egipto, pelo papel essencial que desempenha ao nível securitário no quadro do Norte de África e do Médio Oriente, mas a sua inclusão nos BRICS pode levar os EUA a olharem para outro candidato: o Quénia, que viu reforçada a parceria com a Casa Branca desde os tempos de Barack Obama”, acrescenta.

Para Vítor Ramalho, secretário-geral da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa, o caminho para a mudança é inescapável. “A ONU necessita de uma reestruturação que responda ao mundo atual multipolar ponderando-se todas as implicações com a consciência q a reestruturação tem de ser profunda e não casuística”, diz ao JE.

Para que África seja plenamente representada, aponta para dois candidatos: “Um país da África subsaariana, da África negra, a África do Sul; e um outro não subsaariano, mas do Norte de África, no caso, árabe, eventualmente Marrocos”.

Os especialistas não excluem Angola deste quadro, pelo processo de estreitamento de relações com os EUA e a crescente importância regional.

“Angola é o achado mais importante dos EUA na sua estratégia para combater a influência russa e chinesa no continente africano”, diz Carlos Morgado Braz. “Desde a Cimeira de Líderes Africanos dos EUA, realizada em 2022, os EUA têm-se envolvido em compromissos frequentes e substanciais com Angola. Faz todo o sentido que a sua preferência vá no sentido deste país”, acrescenta, apontando que outro candidato poderia ser a Zâmbia.

“Angola poderia ser uma hipótese, mas o atual quadro macroeconómico e a ausência de projeção de força no quadro da União Africana ou da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral reduzem a sua atratividade”, considera o professor da Lusíada. “O trunfo maior de Angola é o facto de ser o segundo maior país falante de português e a Casa Branca poderia querer jogar o fator ‘diversidade linguística’, para além de que seria mais fácil garantir a aprovação da Rússia, da China e do Reino Unido”, acrescenta.

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