O mercado de blockchain deverá crescer de 241,9 milhões de dólares em 2016 para 7,68 mil milhões de dólares em 2022, apresentando uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 79,6%, segundo os dados da Markets & Markets, citado pela SAP.
A tecnologia tem pouco mais de 10 anos, e tem vindo a tornar-se mais conhecida nos últimos meses, devido à valorização (e desvalorização) fora do comum que a bitcoin – a criptomoeda que nasceu praticamente em simultâneo com a tecnologia – tem vindo a registar nos mercados financeiros.
Por estar a dar os primeiros passos, a tecnologia apresenta uma tendência de crescimento acentuado. Segundo Bruno Padinha, partner da EY, o investimento na tecnologia propriamente dita deverá ser atualmente de “1,4 mil milhões de dólares” antecipando-se que, em menos de uma década “10% do PIB mundial esteja assente em tecnologia blockchain, avança o mesmo responsável.
Sobre a bitcoin propriamente dita, valor desta moeda em circulação atingiu, em dezembro, 325 mil milhões de dólares, que compara com 12,5 mil milhões de dólares um ano antes, refere a mesma fonte. E esta é apenas uma das moedas que tira partida daquela tecnologia.
De facto, para além da bitcoin, as tecnologias blockchain são utilizadas por várias outras moedas: ethereum, ripple, litecoin, dash, entre outras, onde se inclui a portuguesa appCoin. A Oferta Inicial de Moeda (ICO) da appCoin, um protocolo blockchain para lojas de aplicações, decorreu durante a Web Summit, no passado mês de novembro, em Lisboa. A criptomoeda portuguesa começou a ser transacionada já durante o corrente mês e no primeiro dia de negociação valorizou para mais de 600 milhões de euros.
Mas a tecnologia blockchain pode ser aplicada a muitos outros setores de atividade. Depois de alguns anos de testes e provas de conceito começam já a conseguir observar-se alguns casos práticos com resultados demonstráveis. A tecnologia pode servir para gerir serviços tão diversificados como registos prediais, recursos pesqueiros, transportes de mercadorias, serviços financeiros, rastreabilidade de produtos alimentares, saúde, viagens e transportes ou media e entretenimento.
O que é a blockchain?
Antes de mais, importa perceber o que é a blockchain. É uma “tecnologia que permite o armazenamento de informação numa rede de transações, segura e inviolável, sem necessidade de uma entidade central para gestão e manutenção da mesma”, isto é, sem intermediários. Deste modo, ao contrário de outras tecnologias, que centralizam os registos das transações numa base de dados centralizada, a blockchain guarda a informação de uma forma distribuída. E como? “O fator diferencial, e único desta tecnologia”, é a forma como guarda a informação que é partilhada “por toda a rede de computadores”, garantindo a “segurança e a integridade dos dados”, explica Bruno Padinha. Além disso, “para que cada registo seja efetivamente considerado, é necessário que seja validado pela rede, tornando o processo fiável e rastreável”.
Compõem esta tecnologia uma “rede de interligação dos diferentes servidores; um banco de dados distribuído; os blocos ou transações, ou no caso das cibermoedas as carteiras (wallet) e o “hash” que serve de assinatura, ou chave de cada bloco, detalha Rui Duro, diretor de vendas da empresa de soluções de segurança empresarial Check Point Portugal.
Os participantes podem ser de qualquer tipo e geografia, por exemplo, clientes, fornecedores, auditores, bancos, parceiros, instituições”, exemplifica Nuno Miguel Laginha, consultor na CGI.
Por outras palavras, “o princípio é bastante revolucionário, uma vez que pretende descentralizar os registos das transações. Em vez de termos um registo num único local, ou contentor, ele encontra-se presente e distribuído por vários bancos de dados”, acrescenta Rui Duro.
Possíveis aplicações da blockchain
As primeiras aplicações desta tecnologia foram na área das transações financeiras, até porque a tecnologia nasce associada a uma moeda digital. Mas a blockchain poder ser aplicada em qualquer tipo de transação, financeira ou não, que necessite “níveis de confiança significativos entre as partes”, explica Bruno Padinha. E estes processos podem ser encontrados em quase todos os sectores “desde o retalho até ao legal, passando pela relação entre o Estado e os contribuintes, até à saúde ou educação”, refere.
E exemplifica com um caso muito concreto. “Muitos daqueles que compõem a recente vaga de refugiados oriundos do Médio Oriente possuem cursos superiores. No entanto, não dispõem da documentação necessária para comprovar os seus estudos. A verificação das habilitações académicas destas pessoas teria sido consideravelmente mais fácil em qualquer parte do mundo se o seu diploma estivesse guardado numa blockchain – tal como o próprio MIT já fez, num projeto-piloto, com 100 dos seus alunos”.
Outro caso de aplicação é à indústria vinícola. A EY Itália esteve recentemente envolvida num projeto que permite “ver todos os passos da cadeia de valor da garrafa de vinho que chega às mesas dos consumidores” (ver pp. IV-V).
Gabriel Coimbra, diretor-geral da IDC Portugal apresenta múltiplas possibilidades, mas deixa o alerta “são apenas alguns dos exemplos atuais em que se pode sentir a mudança fruto da adoção e utilização do blockchain, será expectável que novas e inovadoras aplicações da tecnologia”. Pode ser aplicado nos cuidados de saúde, “em temas de enorme sensibilidade, como a segurança dos dados dos pacientes, a contrafação dos medicamentos, a partilha de dados de pacientes e a gestão de protocolos e dados de testes clínicos”. Também os governos podem tirar partido da tecnologia utilizando-a para “processos de identidade eletrónica, votação eletrónica, registo eletrónico de terrenos e propriedades, transações e finanças eletrónicas, administração de fundos, conformidade com políticas e certificados de educação”.
Na indústria, prossegue Gabriel Coimbra, as aplicações podem passar pela “autenticação de componentes à monitorização de cadeias de abastecimento, registo de patentes”. Na energia, “a sua utilização poderá ser feita na transação e liquidação de transações, certificação e tokenização da geração de energia renovável, carregamento de veículos elétricos e autónomos e automação da energia doméstica”. Finalmente, nos mercados financeiros, “pode ser utilizado para pagamentos internacionais, agilizar o despacho e liquidação de operações, plataformas de negociação e cartas de crédito automático”.
A blockchain é então “uma forma promissora de simplificar os processos multipartidários e complexos e, ainda, de criar confiança entre os participantes”, explica Pedro Ruivo, consultor de soluções para a Transformação Digital, na SAP Portugal, uma empresa que já tem casos de estudo em 25 indústrias distintas. Na SAP, “a blockchain funciona como um serviço na cloud – blockchain-as-a-service (BaaS) – estando nativamente integrada com os sistemas transacionais de backend, tais com o ERP”, acrescenta Pedro Ruivo.
“Identificámos diversas aplicações, nomeadamente: empréstimos sindicados, liquidação e liquidação de valores mobiliários, relatórios, carta de crédito, gestão de ativos, auditoria, dunning, comunicação de contrato, inventário e rastreabilidade de bens, emissão e validação de certificados, lealdade e recompensas ao cliente, classificação e votação, registo de emissão de SLA (acordos de níveis de serviço), procedimentos de autorização e garantia no sector público, distributed manufacturing (3D-printing), licitação segura no processo de aquisição, seguro de garantia, segurança da cadeia de fornecimento de medicamentos e alimentos, proveniência, operações de proteção civil”, entre outros exemplos, avança Pedro Ruivo (SAP Portugal).
A IBM está a trabalhar em soluções de blockchain em código aberto para empresas desde 2015, disponibilizando aos clientes uma plataforma “integrada baseada na cloud de nível empresarial, desenhada para acelerar o desenvolvimento, gestão e operação de uma rede de negócios multi-instituição”, exemplifica Paulo Rodrigues, responsável de tecnologias global para o sector financeiro na IBM Global Markets, IBM Portugal. Para este responsável, a blockchain “está em franco crescimento, com algumas indústrias especificas a liderar a adoção, sobretudo nas áreas financeira e logística, onde as otimizações de processos resultantes do uso desta tecnologia se traduzem em importantes reduções de custos”.
Num outro registo, Nuno Miguel Laginha (CGI) recorda que “é importante recordar que esta hype em torno da tecnologia já gerou o aparecimento de muitas startups, algumas destas totalmente dedicadas a blockchain”, assinala. Muitas preocupam-se com problemas que a tecnologia pode resolver, especialmente quando “existam transações que, ao dia de hoje, são reguladas e processadas de forma centralizada” e que, no futuro poderão “implementar tecnologia blockchain”, conseguindo-se assim “ganhos para o prestador de serviços e para o utilizador final”.
É o caso, por exemplo, da Bitcliq, uma startup tecnológica portuguesa que está a utilizar blockchain para implementar o armazenamento da informação referente à rastreabilidade digital do pescado, desde o ponto de captura até à venda final, passando pelos vários intervenientes da cadeia de valor, explica Pedro Manuel, fundador e CEO da Bitcliq. (ver pp. IV-V).
No futuro da tecnologia, que poderá não estar muito distante, “novas funcionalidades como os smart contracts irão permitir que contratos parametrizáveis sejam executados entre dois indivíduos, de acordo com condições específicas, sem que sejam necessários intermediários”, detalha Bruno Padinha (EY).
Desafios da tecnologia e da regulação
A questão da (falta) regulação é apontado como um dos maiores desafios que a tecnologia irá enfrentar. Para a EY, este é um dos dois grandes desafios da blockchain. Por um lado, “a tecnologia terá ainda de fazer algum caminho no sentido de materializar e demonstrar a aplicabilidade dos inúmeros dos casos de uso sobre os quais se consegue teorizar hoje”. O segundo aspeto apontado por Bruno Padinha (EY) é precisamente o desafio regulatório, pois a blockchain poderá ter nos governos e nos reguladores as maiores barreiras à sua adoção”. Segundo Padinha “a resposta regulatória por parte destes stakeholders corre o risco de estrangular o ecossistema que se está a criar em torno desta nova tecnologia”.
Esta é uma opinião partilhada por Nuno Miguel Laginha (CGI) que assinala que “a evolução da tecnologia em si, deverá ter, como principal foco no futuro imediato, questões sobretudo relacionadas com desempenho e legislação”. O consultor recorda que, “por estarmos a falar de transações entre pares que não desempenham funções de intermediação faz com que seja necessária legislação e protocolos que ao dia de hoje não existem em muitos países. Quem é responsável, por exemplo, na falha de uma transação ou num contrato automático (smart contracts) que não funcionou de acordo com o previsto?”.
Paulo Rodrigues (IBM) assinala ainda que é necessária “melhor informação sobre os diversos tipos de blockchain, com um claro entendimento das diferenças entre as plataformas construídas para consumidores (ex: moedas virtuais) e as plataformas empresariais (como Linux Foundation Hyperledger).
A grande oportunidade da blockchain poderá estar relacionada com as empresas que “queiram de facto participar numa economia em rede, onde a imutabilidade e o consenso são fatores decisivos do negócio, explica Pedro Ruivo, da SAP Portugal. Ressalvando que “nem todos os atuais/clássicos negócios deverão ser baseados em blockchain”, o maior desafio da tecnologia prende-se com a necessidade de as empresas mudarem parcial ou totalmente o seu modelo operacional para uma economia em rede, onde todos os agentes têm o mesmo poder”.
Entretanto, é aguardar e continuar a acompanhar o mercado, porque “devido à relativa juventude desta tecnologia, não é possível antever para um futuro próximo a estandardização ao nível de componentes (ex: protocolos e linguagens), porquanto muitos desenvolvimentos estão em curso em diversas empresas e comunidades, com vista a otimizar e refinar a base tecnológica, bem como a criar todo um ecossistema de plataformas, produtos e serviços ao redor da mesma”, explica Paulo Rodrigues (IBM).
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