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Bruno Bobone: “O ministro das Finanças determina o caminho do país e não devia ser assim”

O presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, Bruno Bobone, em entrevista ao Jornal Económico, transmite a contestação do mundo empresarial em relação à hegemonia das Finanças, reivindicando maior protagonismo ao Ministério da Economia, que, segundo defende, deveria definir a estratégia económica para as empresas e para o país.
  • Cristina Bernardo
17 Abril 2019, 07h44

Bruno Pinto Basto Bobone, preside à Câmara de Comércio e Industria Portuguesa desde 2005, e é a oitava geração da sua família à liderar esta estrutura de apoio ao mundo empresarial. Um dos maiores projetos que promoveu foi o estudo “Hypercluster da Economia do Mar”, elaborado sob a orientação do ex-ministro das Finanças, Ernâni Lopes, que veio dar origem ao Fórum Empresarial da Economia do Mar. A 11 de abril realizou em Lisboa o ‘Growth Forum 2019’, a primeira iniciativa de um forum empresarial português com participação de gestores globais realizada pela CCIP. Entre as maiores “queixas” dirigidas ao Governo está a “falta de estratégia para as empresas portuguesas” e a “subjugação da política do Governo à liderança do ministro das Finanças”, que considera “um erro”. Defende maior visibilidade para o ministro da Economia, que é quem “deveria definir uma estratégia para as empresas e para o país”.

O Growth Forum 2019 surgiu para incentivar um aumento da internacionalização das empresas portuguesas?

Surgiu por várias razões. Portugal está neste momento num ponto em que tem que assumir a sua estratégia para o futuro. Estão a ocorrer alterações muito significativas que causam uma instabilidade enorme na nossa relação com a EU, ao mesmo tempo que assistimos ao processo do Brexit, a nossa relação com os PALOP também está em evolução. Ao mesmo tempo as empresas portuguesas prosseguem o trabalho da sua internacionalização, fundamental para o desenvolvimento da economia nacional. Portanto, é o momento para desenhar uma estratégia, numa altura em que o mercado de Portugal é o mundo.

Uma estratégia diferente da que tem sido seguida até à data?

Se queremos que os portugueses vivam melhor, seguramente. O principal problema é não termos estratégia no nosso país. Precisamos de nos envolver nas decisões que importam a todo o mundo. Nós não podemos viver no mundo quando não participamos na tomada da sua decisão. Portugal é um país que não tem um número de habitantes significativo a nível europeu. Nem tem dimensão, nem riqueza para ambicionar ser líder mundial como país. Mas tem uma população com características tão especiais, tão únicas, que lhe permitem chegar a esse âmbito das decisões mundiais. E quais são essas caraterísticas? O facto do povo português conseguir adaptar-se extraordinariamente a todas as condições onde tem de viver e integrar-se, negociar, trabalhar, etc. Em qualquer dos locais mais recônditos do mundo vamos encontrar um português, que é provavelmente a pessoa que resolve os problemas a toda a gente, que é a pessoa mais estimada e admirada daquela zona, que é a pessoa a quem recorrem quando é preciso alguma coisa. Por outro lado, tem uma competência extraordinária para mediar relações. E porquê? Porque a primeira coisa que um português faz é colocar-se no papel do outro. Portanto, aprecia totalmente as forças que cada um dos interlocutores têm e ao fazer isso tem uma competência enorme para juntar dois interesses antagónicos ou não cooperantes e torná-los cooperantes. Já vimos isso acontecer em muitos casos, como o do presidente da Comissão Europeia ou do secretário geral das Nações Unidas. Há dezenas de casos destes, que foram pontuais e não resultaram de uma estratégia. Aquilo que nós achamos que deve ser feito agora é utilizar estas características extraordinárias da população portuguesa, termos a estratégia de pormos estas qualidades ao serviço do mundo, cada um no seu ambiente, na sua condição, seja nos negócios, seja na cultura, seja na política, seja na internacionalidade, seja a nível político internacional de maneira que apareçamos cada vez mais como os facilitadores das ligações e dos interesses diversos que existem no mundo. A partir do momento em que criarmos essa realidade, passamos a estar presentes em todas as decisões importantes que o mundo toma, não como decisores – porque só os tais países líderes têm dimensão suficiente para terem essa figura – mas intermediando muitos dos interesses que estão por detrás dessas decisões e participando com alguma mais-valia em conseguir desenvolver isso. É uma qualidade que os portugueses têm, extraordinária, que não temos de nos envergonhar dela. Ao princípio toda a gente vai dizer que é uma ambição que é fora das nossas competências, ou das nossas capacidades, porque o português tem uma auto-estima muito baixa e nunca acredita que é capaz de chegar onde quer, mas se os portugueses forem pelo mundo vão encontrar isto replicado por outros portugueses em dezenas e centenas de casos. Esta é uma realidade que só basta acreditar e começar a trabalhar nela. E é o grande objetivo deste Growth Forum: dar uma estratégia a Portugal, com uma ambição suficientemente grande para garantir que Portugal vai ter um desenvolvimento económico suficiente para que a nossa população venha a beneficiar de uma melhor qualidade de vida.

A sociedade civil ainda tem de ganhar mais força para obrigar o Estado a seguir aquilo que é a vontade da sociedade civil – que é a única entidade que deve determinar o caminho do seu desenvolvimento

Quando diz que não houve estratégia em Portugal isso também é uma auto-crítica porque tem tido responsabilidades grandes na Câmara de Comércio, que é um parceiro muito importante na decisão sobre orientações estratégicas…

A Câmara de Comércio fez-se um parceiro muito importante e aí esta direção teve de facto um trabalho muito forte. Também é uma direção bastante polivalente e que integra pessoas que são opinion leaders, fazedores de opinião em Portugal e isso ajuda. Nessa perspetiva lançámos vários projetos de estratégia nacional, um deles foi o ‘Hypercluster da Economia do Mar’, todo pago pela Câmara de Comércio, e entregue aos vários partidos. Hoje é a base de toda a estratégia marítima que há nos vários partidos. Tudo foi baseado nesse trabalho. Também entregámos um projeto para a justiça económica. Para ser facilitada toda a parte da Justiça que é uma das questões mais importantes para o desenvolvimento económico do país. E entregámos um estudo sobre a justiça económica aos vários partidos. Não chega fazer o trabalho. É preciso depois ganhar peso para conseguirmos convencer o poder político de que é muito mais importante definir esta estratégia do que a luta política por garantir as próximas eleições. Mas a sociedade civil ainda tem de ganhar mais força para obrigar o Estado a seguir aquilo que é a vontade da sociedade civil – que é a única entidade que deve determinar o caminho do seu desenvolvimento. O Estado, o Governo e as instituições devem trabalhar no sentido de garantir essa satisfação, mais do que garantir a sua perenidade no local onde estão.

Tem havido grande passividade da sociedade civil?

A sociedade civil praticamente não existe em Portugal, embora nos últimos anos a nossa sociedade civil – e as empresas – tenha vindo a estruturar-se cada vez mais. A internacionalização marcou uma autonomia das empresas relativamente ao Estado e às instituições. No passado essa autonomia não era tão forte – na realidade a independência permitiu à sociedade civil ter mais capacidade de impor a sua vontade. O que era fundamental. Havia que separar o Estado das empresas, na perspetiva da tomada de decisão. Não dependendo tanto do Estado, as empresas podem ser mais exigentes com o trabalho e os serviços que o Estado lhe presta.

Portugal tem um grande defeito. Deixa o ministro das Finanças ser sempre o líder do Governo. E isso é francamente negativo.

Quem responsabiliza por essa falta de estratégia? Será o ministro da Economia? Temos tido fracos ministros da Economia?

Portugal tem um grande defeito. Deixa o ministro das Finanças ser sempre o líder do Governo. E isso é francamente negativo. Porque quando estamos condicionados por questões financeiras, acabamos por tomar as decisões todas em função do que é urgente. Seguimos uma visão imediatista e sem qualquer planeamento estratégico. O ministro da Economia tem a obrigação de estabelecer uma estratégia para o futuro. Todos os outros ministérios, o da Saúde, o da Educação, da Agricultura, todos eles, devem planear conjuntamente um caminho, e o Ministério das Finanças depois devia servir para, avaliando essa estratégia, determinar que recursos precisamos e como é que vamos buscar esses recursos. Aí, se a ambição dos vários ministérios e do plano estratégico for excessiva, o ministro das Finanças deve condicioná-los minimamente para que sejam razoáveis. Mas o papel do ministro das Finanças em Portugal é o de quem determina o caminho do país e não devia ser assim. Nós devemos ter uma estratégia, um planeamento. O Ministério das Finanças devia servir o Governo e não servir-se do Governo.

Defende que Portugal deveria ter um ministério da Economia mais forte e liderante, não subjugado ao ministro das Finanças?

Precisamos em primeiro lugar um Primeiro Ministro com visão de longo prazo para que exija aos seus ministros este planeamento estratégico e que a seguir determine junto dos ministérios mais pragmáticos – que é o caso do Ministério das Finanças -, que então sim, planeie, na parte financeira, a forma de obter os resultados pretendidos. É claro que uma coisa está condicionada pela outra, mas não pode ser o Ministério das Finanças a dominar.

Considera que o Primeiro Ministro, António Costa, entregou a liderança do Governo ao ministro das Finanças, a Mário Centeno?

O PM não é claramente um homem da economia. É um bom político, sem dúvida nenhuma. E um líder bom. Mas a economia é uma área que não lhe surge à primeira como um grande objetivo. Penso que em função da realidade política que viveu, de ter um Governo dependente de dois partidos que precisa de cuidar para garantir o sucesso das suas decisões, e face a uma oposição inexistente, acho que lhe tem sido fácil a vida de primeiro ministro. Basta-lhe ceder para ganhar nos momentos importantes e acho que com essas cedências acabámos por nos prejudicar significativamente. Todas as cedências que foram feitas aos partidos para garantir a continuidade das decisões do Governo não foram suficientemente criticadas pela oposição de uma forma forte e com uma garantia de resultado de maneira a poder condicionar minimamente o primeiro ministro. Portanto, o primeiro ministro não sendo condicionado dessa maneira tem tendência a ceder da forma mais fácil para atingir os seus objetivos.

Porque é que diz que a oposição tem sido passiva?

A política em Portugal tem desvalorizado os seus elementos de maior valor. No passado os vários partidos tinham figuras de destaque que apareciam nos vários momentos e hoje vivem basicamente das pessoas que estão dentro do partido e acabam por ter menos capacidade de intervenção pública e de defender temas que são importantes para o país e isso é um grande prejuízo para Portugal. A política quer controlar as máquinas partidárias e não querem ter pessoas muito autónomas. Nota-se muito essa falta em todos os partidos em geral.

Têm sido nomeados para ministros de Economia pessoas com fraco perfil político?

Sobre isso recordo que Álvaro Santos Pereira foi muito maltratado na Economia e foi ridicularizado com os pastéis de nata, que hoje é um dos produtos reconhecidos internacionalmente a Portugal. Isso aconteceu porque o ministro das Finanças era o dono do Governo e não permitia que ninguém se destacasse em outras pastas. Não há uma situação melhor em qualquer Governo, desde há muitos anos, provavelmente desde que Ernâni Lopes assumiu o cargo de ministro das Finanças e foi fundamental à recuperação financeira vivida no país na altura do Bloco Central. Desde então o ministro das Finanças toma uma posição de tal maneira forte que domina o Governo.

Manuel Caldeira Cabral não parece ter tido uma passagem marcante pela Economia. Será que o atual ministro Adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira, fará a diferença?

O problema é a força política que conseguem assumir. Estes três casos são pessoas com competências ao nível intelectual e de saber, portanto não há qualquer dúvida que poderiam desenvolver o seu trabalho se tivessem peso político e conseguissem marcar o seu caminho. Temos esperança que a nomeação de um ministro da Economia como ministro Adjunto, com o peso de ter uma ligação ao Primeiro Ministro, faça a diferença. Siza Vieira foi convidado para o ‘Growth Forum’, como a pessoa que tem a preocupação da estratégia no Governo. Já tive a oportunidade de conversar com Siza Vieira e notei que tem ideia que é preciso ter ambição para Portugal. Temos de lhe dar tempo para verificar os resultados.

Devíamos ter mantido os impostos baixos com o objetivo de atrair investimento – seja internacional, seja português -, porque é claramente uma política que já se demonstrou que funciona em vários locais do mundo, como é o caso da Irlanda

 

A diplomacia económica colocou as embaixadas a apoiarem a dinamização externa das empresas portuguesas. Essa é uma peça que faz sentido?

É dos pontos que mostram que a manutenção de uma estratégia dá resultados extraordinários. Este Governo não alterou a lógica da diplomacia económica. Antes, reforçou-a. Há uma consciência que se mantém. Há um trabalho continuado e que claramente mostra que devemos ter estratégias nacionais, devemos ter acordos em pontos que são fundamentais para objetivos futuros, em vez de mexer neles constantemente. Devíamos ter feito o mesmo na parte da política fiscal, onde devíamos ter mantido os impostos baixos com o objetivo de atrair investimento – seja internacional, seja português -, porque é claramente uma política que já se demonstrou que funciona em vários locais do mundo, como é o caso da Irlanda. Ao estarmos constantemente a mexer na fiscalidade, desacreditamos a capacidade de atrair esses investimentos. Ninguém está disponível para investir num país que não mantém os seus impostos baixos e em que cada vez que muda a política, são mudados os impostos. O investimento é fundamental ao enriquecimento de Portugal.

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