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‘Burnout’ na magistratura expõe “vazio legal” e falta de apoio, alerta sindicato

“Estudo sobre condições de trabalho, desgaste profissional e bem-estar dos/as magistrados/as do Ministério Público portugueses/as” expõe conclusões “preocupantes” sobre as condições de trabalho dos magistrados. Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) denuncia “vazio legal” que deixa os profissionais desprotegidos.
12 Setembro 2024, 07h30

O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), Paulo Lona, insistiu, perante os mais recentes números sobre as condições de trabalho, desgaste profissional e bem-estar dos magistrados – que retratam uma classe em sério risco de burnout – na urgência da criação de meio de prevenção e resposta a uma “situação que se tem vindo a agravar”.

De acordo com o documento, mais de 15% dos magistrados do MP enfrentam um risco elevado de burnout e mais de 70% um risco muito elevado para a saúde.

“A situação tem vindo a agravar-se porque a exigência do trabalho também tem aumentado. Os números dos magistrados do MP, em função dos quadros e das necessidades, também têm vindo a piorar. Não temos um número de magistrados suficientes para preencher os quadros. Portanto, o volume de trabalho também aumenta”, diz o procurador, em declarações ao Jornal Económico.
De 2018 a 2023, cerca de 120 magistrados/as do MP “estiveram, em média, ausentes por ano, ou seja, 8,3% do total de magistrados/as em funções”, indica o relatório.
Entre as principais preocupações de Paulo Lona estão a inexistência de qualquer plano de segurança e saúde no trabalho ou medicina no trabalho para a maioria dos magistrados.

“Há aqui um vazio que tem que ser preenchido”, assinalou, recordando que o Conselho Superior da Magistratura, gozando de autonomia financeira, está a implementar um programa de apoio psicológico para os juízes, bem como a Polícia Judiciária (PJ), que tem gabinete de apoio psicológico para profissionais.

“No caso do Ministério Público, não podemos ter alguém que é o defensor da legalidade para efeitos externos e que internamente está numa situação de ilegalidade nesta matéria por não ter medicina de trabalho”, acusou.

“Há duas alternativas: ou há autonomia financeira para que seja o próprio MP e a estrutura da Procuradoria-Geral da República a criar e implementar estes programas de saúde, de trabalho de apoio psicológico, ou então alguém tem de assumir esta responsabilidade. Não podemos é ficar numa situação de vazio, em que os magistrados estão desprotegidos em relação às recomendações”, acrescentou.

Segundo Paulo Lona, o “custo para lidar com esta situação é relativamente baixo, tendo em conta o benefício em termos mais magistrados no ativo”.

João Paulo Dias, sociólogo e um dos autores do estudo, denuncia o mesmo “vazio legal”. “Neste momento, desde 2020, os magistrados do Ministério Público não têm sequer o instrumento mínimo nestas circunstâncias, que é a medicina do trabalho. Porque a Procuradoria-Geral da República não tem autonomia administrativa e financeira”, explicou, apontando uma das recomendações do estudo: Autonomia administrativa e financeira da Procuradoria-Geral da República (maiores competências, maior responsabilização).

Questionado sobre as conclusões apresentadas no relatório, que redigiu com Paula Casaleiro, Gustavo Veiga e Ana Filipa Neves, João Paulo Dias, refere que, o que mais surpreende, é a “dimensão”. “E mais do que o número, é o dramatismo nalgumas situações. Há um lado quantitativo que é importante, mas um lado qualitativo, também, não só no drama dos profissionais, mas também nos impactos que tem na qualidade da justiça”, analisou.

“A saúde ocupacional, no seu todo, pode já exigir um nível de complexidade maior. Naturalmente, o Ministério da Justiça pode resolver a medicina no trabalho, mas parece-me que é inadiável que se caminhe para aquilo que já muitas vezes foi adiado, que é a autonomia administrativa e financeira da Procuradoria-Geral da República sobre todos os magistrados do MP. A Procuradoria só tem autonomia para os serviços próprios do Departamento Central de Investigação e Ação Penal/DCIAP  e os procuradores gerais adjuntos dos tribunais superiores. Mas falta todo o grande universo da segunda instância e da primeira instância”, explicou.

O sociólogo saúda a taxa de resposta de 20%, “complementada com uma componente qualitativa muito importante”.  “Tivemos um bom retrato da primeira instância, que é onde estão mais problemas”, explicou.

Apoiado por 32 entrevistas semiestruturadas, o estudo contou com a colaboração de 1.512 magistrados/as do MP em exercício de funções nos tribunais, em dezembro de 2022, somando uma taxa de resposta de 21,4%, correspondente a 324 respostas. Os profissionais inquiridos têm, em média, 46,4 anos de idade e 14,6 anos de serviço.

Os autores do estudo acompanham as conclusões com uma lista de recomendações para prevenção e intervenção neste problema vigente na classe. São elas: a elaboração e implementação de um Plano de Segurança e Saúde no Trabalho, a criação de um Gabinete de Saúde Ocupacional, a elaboração e implementação de um Plano de Conciliação entre a vida profissional, pessoal e familiar, o mapeamento de necessidades e reforço dos quadros do Ministério Público (e dos oficiais de justiça), bem como a avaliação da distribuição dos/as magistrados/as pelos tribunais e serviços, procurando otimização de recursos e melhor adequação ao volume de trabalho.

Sugerem ainda a formação inicial e contínua em riscos profissionais, gestão de trabalho, stress e burnout (incluindo a formação das hierarquias e serviços de inspeção do MP), a revisão dos atos de natureza administrativa e burocrática praticados (redução, automatização e simplificação), a avaliação e melhoria dos instrumentos mobilidade e gestão processual, a revisão dos procedimentos de inspeção do Ministério Público, incluindo a atuação em contextos de baixas médicas e/ou situações comprovadas de doenças, bem como a “autonomia administrativa e financeira da Procuradoria-Geral da República, dotada dos meios necessários, para poder definir, criar e implementar as medidas necessárias para a gestão de recursos humanos e melhoria das condições de trabalho”.

O mesmo documento indica, quanto aos indicadores de saúde, que a percentagem de inquiridos na “situação favorável” é baixa: 47,8% dos/as respondentes situa-se no grupo “Risco para a saúde” no indicador stress, 41,4% no indicador problemas em dormir, 34% no indicador sintomas depressivos e 47,2% situa-se numa Saúde geral de elevado risco.

Apresentado na sexta-feira, dia 6 de setembro, o estudo sobre condições de trabalho, desgaste profissional e bem-estar no Ministério Público resulta de um acordo de colaboração entre o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES), no âmbito do Observatório Permanente da Justiça, e a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o SMMP.

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