O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), Paulo Lona, insistiu, perante os mais recentes números sobre as condições de trabalho, desgaste profissional e bem-estar dos magistrados – que retratam uma classe em sério risco de burnout – na urgência da criação de meio de prevenção e resposta a uma “situação que se tem vindo a agravar”.
De acordo com o documento, mais de 15% dos magistrados do MP enfrentam um risco elevado de burnout e mais de 70% um risco muito elevado para a saúde.
“Há aqui um vazio que tem que ser preenchido”, assinalou, recordando que o Conselho Superior da Magistratura, gozando de autonomia financeira, está a implementar um programa de apoio psicológico para os juízes, bem como a Polícia Judiciária (PJ), que tem gabinete de apoio psicológico para profissionais.
“No caso do Ministério Público, não podemos ter alguém que é o defensor da legalidade para efeitos externos e que internamente está numa situação de ilegalidade nesta matéria por não ter medicina de trabalho”, acusou.
“Há duas alternativas: ou há autonomia financeira para que seja o próprio MP e a estrutura da Procuradoria-Geral da República a criar e implementar estes programas de saúde, de trabalho de apoio psicológico, ou então alguém tem de assumir esta responsabilidade. Não podemos é ficar numa situação de vazio, em que os magistrados estão desprotegidos em relação às recomendações”, acrescentou.
João Paulo Dias, sociólogo e um dos autores do estudo, denuncia o mesmo “vazio legal”. “Neste momento, desde 2020, os magistrados do Ministério Público não têm sequer o instrumento mínimo nestas circunstâncias, que é a medicina do trabalho. Porque a Procuradoria-Geral da República não tem autonomia administrativa e financeira”, explicou, apontando uma das recomendações do estudo: Autonomia administrativa e financeira da Procuradoria-Geral da República (maiores competências, maior responsabilização).
“A saúde ocupacional, no seu todo, pode já exigir um nível de complexidade maior. Naturalmente, o Ministério da Justiça pode resolver a medicina no trabalho, mas parece-me que é inadiável que se caminhe para aquilo que já muitas vezes foi adiado, que é a autonomia administrativa e financeira da Procuradoria-Geral da República sobre todos os magistrados do MP. A Procuradoria só tem autonomia para os serviços próprios do Departamento Central de Investigação e Ação Penal/DCIAP e os procuradores gerais adjuntos dos tribunais superiores. Mas falta todo o grande universo da segunda instância e da primeira instância”, explicou.
O sociólogo saúda a taxa de resposta de 20%, “complementada com uma componente qualitativa muito importante”. “Tivemos um bom retrato da primeira instância, que é onde estão mais problemas”, explicou.
Apoiado por 32 entrevistas semiestruturadas, o estudo contou com a colaboração de 1.512 magistrados/as do MP em exercício de funções nos tribunais, em dezembro de 2022, somando uma taxa de resposta de 21,4%, correspondente a 324 respostas. Os profissionais inquiridos têm, em média, 46,4 anos de idade e 14,6 anos de serviço.
Os autores do estudo acompanham as conclusões com uma lista de recomendações para prevenção e intervenção neste problema vigente na classe. São elas: a elaboração e implementação de um Plano de Segurança e Saúde no Trabalho, a criação de um Gabinete de Saúde Ocupacional, a elaboração e implementação de um Plano de Conciliação entre a vida profissional, pessoal e familiar, o mapeamento de necessidades e reforço dos quadros do Ministério Público (e dos oficiais de justiça), bem como a avaliação da distribuição dos/as magistrados/as pelos tribunais e serviços, procurando otimização de recursos e melhor adequação ao volume de trabalho.
Sugerem ainda a formação inicial e contínua em riscos profissionais, gestão de trabalho, stress e burnout (incluindo a formação das hierarquias e serviços de inspeção do MP), a revisão dos atos de natureza administrativa e burocrática praticados (redução, automatização e simplificação), a avaliação e melhoria dos instrumentos mobilidade e gestão processual, a revisão dos procedimentos de inspeção do Ministério Público, incluindo a atuação em contextos de baixas médicas e/ou situações comprovadas de doenças, bem como a “autonomia administrativa e financeira da Procuradoria-Geral da República, dotada dos meios necessários, para poder definir, criar e implementar as medidas necessárias para a gestão de recursos humanos e melhoria das condições de trabalho”.
O mesmo documento indica, quanto aos indicadores de saúde, que a percentagem de inquiridos na “situação favorável” é baixa: 47,8% dos/as respondentes situa-se no grupo “Risco para a saúde” no indicador stress, 41,4% no indicador problemas em dormir, 34% no indicador sintomas depressivos e 47,2% situa-se numa Saúde geral de elevado risco.
Apresentado na sexta-feira, dia 6 de setembro, o estudo sobre condições de trabalho, desgaste profissional e bem-estar no Ministério Público resulta de um acordo de colaboração entre o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES), no âmbito do Observatório Permanente da Justiça, e a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o SMMP.
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