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CGD: EY fez “ataque” aos órgãos de fiscalização, diz ex-presidente do conselho fiscal

A nova comissão de inquérito à Caixa está a ouvir nesta quarta-feira, 3 de abril, o antigo presidente do conselho fiscal do banco. Eduardo Paz Ferreira diz que relatório da EY fez uma “declaração espantosa” sobre os órgãos de fiscalização da CGD e refuta conclusão que estes “não exerceram a competência de fiscalização”. Aos deputados diz mesmo que quando presidiu ao conselho fiscal apresentou, em 2008, um relatório com 150 deficiências de controlo de crédito.
3 Abril 2019, 18h37

Eduardo Paz Ferreira o antigo presidente do conselho fiscal da Caixa Geral de Depósitos (CGD), que está hoje no Parlamento a ser ouvido na II Comissão de Inquérito à Gestão da CGD, considera que a auditora EY fez “um ataque” aos órgãos de fiscalização do banco no seu relatório à gestão da Caixa o banco entre 2000 e 2015. O responsável nega a conclusão de que aqueles órgãos não exerceram a competência de fiscalização.

Em causa está uma  frase de discórdia que consta do relatório de auditoria da EY: “conclui-se pela falta de efetividade da ação do órgão de fiscalização no período”. Uma conclusão que para Paz Ferreira “não se percebe” dado que no relatório de controlo interno de 2008 constam precisamente “11 anexos, onde são assinaladas 150 deficiências de controlo de crédito”. “Mas isto não está no relatório [da EY]”, diz o antigo presidente do órgão de fiscalização da CGD na audição que está a decorrer na nova CPI à gestão da CGD, criada após divulgação de relatório de auditoria da EY, que concluiu por negócios ruinosos que geraram perdas superiores a 1,6 mil milhões devido, nomeadamente, a decisões de crédito pouco fundamentadas.

“Na pág 103 do relatório da EY encontra-se uma declaração espantosa que é de ataque aos órgãos de fiscalização, mas também não se percebem quais os órgãos de fiscalização e a que período de tempo”, disse Paz Ferreira aos deputados que foi presidente deste órgão de fiscalização entre 2007 e 2011, data a partir da qual assumiu a presidência da comissão de auditoria num novo modelo de fiscalização então adoptado pela CGD.

A frase da polémica surge depois da EY ter assinalado no relatório que o Gabinete Função de Compliance (GFC) falhou na identificação das fragilidades da Direção de Gestão de Risco

em relação ao risco de crédito. O relatório refere a seguir que “por sua vez, o órgão de fiscalização concluiu, igualmente, no âmbito da validação dos trabalhos do GFC sobre o sistema de controlo interno que estes foram adequados”.

Segundo Eduardo Paz Ferreira, “apesar de tudo foram melhorados muitos dos riscos assinalados, em parte porque também foram ordenadas utas inspecções pelo Banco de Portugal e os serviços também fizeram o seu esforço de brio para melhorarem o seu trabalho”.

Na sua intervenção inicial, Paz Ferreira começou por salientar que “não guarda memória de centenas de relatórios, cartas e documentos” referentes ao longo período de oito anos que  exerceu funções na CGD e antes da audição desta quarta-feira solicitou alguns documentos à CGD, mas nem todos lhe foram remetidos.

“Não obstante esta limitação, a minha preocupação essencial é não responder aos senhores deputados que não me lembro, não me recordo ou que não estava lá”, acrescentou, dando conta que assumiu três mandatos de presidente do conselho fiscal e da comissão de auditoria, tendo trabalhado com quatro conselhos de administração (CA): de Carlos Santos ferreira, com quem trabalhou num período “muito curto” de seis meses entre maio e dezembro de 2007. Foi no mandado seguinte de Fernando Faria de Oliveira, diz, com quem trabalhou mais tempo e que “havia espaço para um contacto mais permanente e eficaz”. Seguram-se depois os mandatos de José de Matos e de Álvaro Nascimento.

É sobre as suas funções enquanto responsável pelos órgãos de fiscalização da Caixa e os alertas do ROC em 2007 que foram ignorados pelo regulador, banco e tutela, que a nova CPI à gestão de Caixa está a ouvir hoje Eduardo Paz Ferreira que incluiu aqueles avisos nos pareceres do órgão de fiscalização do banco público que liderou, tal como o Jornal Económico revelou a 1 de fevereiro.

Segundo este responsável,  a tutela, o ministério das Finanças, não tomou a devida atenção para os riscos assinalados. Segundo Paz Ferreira, que na CGD presidiu ao conselho fiscal entre 2007 e 2010 e, posteriormente, à comissão de auditoria entre 2011 e 2015, os alertas “não tiveram grande tradução de medidas, nomeadamente do Ministério das Finanças, para quem estes relatórios eram enviados”.

Em causa estão os alertas da sociedade de revisores oficiais de contas (SROC), Oliveira Rego e Associados, cujo responsável foi ontem ouvido na nova CPI à Caixa, para o risco de “fraudes e erros” sem serem detectados devido a “limitações” no controlo interno em áreas como a concessão de crédito, e que perduraram durante sete anos, não tendo tido a devida atenção e acompanhamento do supervisor e dos sucessivos governos até 2014, de acordo com os relatórios e contas do banco do Estado.

Foi em 2007 que o ROC da Caixa, Oliveira Rego, alertou para o risco de “fraudes ou erros” poderem ocorrer sem serem detectados devido às limitações do sistema de controlo interno (SCI) do banco público nas áreas de gestão de risco, compliance e auditoria interna.

Este alerta surgiu na administração da Caixa liderada por Carlos Santos Ferreira que ao Jornal Económico recusou qualquer comentário. O aviso do ROC acabou também por não merecer a devida atenção do governo da altura, chefiado por José Sócrates e pelo Banco de Portugal (BdP), então liderado por Vítor Constâncio. Neste caso, apesar de instruções do supervisor, em 2008, para reforço do SCI, no final de 2015 permaneciam ainda falhas nos procedimentos internos do banco que se traduziram num aumento grave da exposição da CGD ao risco, tal como a EY assinalou na auditoria  à gestão da Caixa.

O aviso do ROC terá ainda caído em saco roto na  administração da Caixa ao não se ter traduzido em medidas concretas que resolvessem as deficiências de controlo, nomeadamente nos procedimentos de concessão de crédito, detectadas em 2007. Após esta data, seguiram-se sete anos de recomendações à CGD para melhorar e acompanhar a evolução do controlo interno.

No parecer do órgão social responsável pela fiscalização da CGD, que consta do relatório e contas do banco, Paz Ferreira começa por reproduzir que, em termos gerais, o ROC considera que o ambiente de controlo interno existente no banco “é adequado à dimensão e à natureza e risco das actividades desenvolvidas”. Mas acaba por deixar um aviso claro: “no entanto, o ROC salienta que foram identificadas algumas situações de excepção e apresentadas recomendações resultantes da percepção que obteve do sistema de controlo interno e alerta para o facto de, tendo em conta as limitações inerentes aos sistemas de controlo interno, fraudes ou erros podem ocorrer em serem detectados”.

 

Paz Ferreira critica tutela

O JE questionou Eduardo Paz Ferreira sobre o seguimento que teve o alerta do ROC em 2007, tendo o então presidente do CF considerado que a tutela, o ministério das Finanças, não tomou a devida atenção para os riscos assinalados.

“Cumprimos os nossos deveres, fazendo os alertas”, afirma Paz Ferreira na edição do JE fsde 1 de fevereiro, acrescentando que, no entanto, “não tiveram grande tradução de medidas, nomeadamente do Ministério das Finanças, para quem estes relatórios eram enviados”. Uma crítica refutada pelo então ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, que remeteu para o seu ex-secretário de Estado das Finanças o acompanhamento da CGD. Já Carlos Costa Pina diz a este respeito que “tudo que eram recomendações à época que vieram ao conhecimento do acionista, não eram desconsideradas, mas eram dirigidas à administração do banco”.

O então líder do órgão de fiscalização da CGD vai, no entanto, mais longe ao afirmar que, na sua percepção, “os relatórios eram depositados numa pilha de uma qualquer secretária nas Finanças sem ser lidos”.

 

ROC diz que alertas foram enviados ao BdP

O JE questionou Oliveira Rego, responsável pela SROC da Caixa até 2015, sobre se houve alguma resposta em concreto da administração do banco após o alerta que fez para o risco de “fraudes e erros” sem serem detetados. Em resposta, o responsável limitou-se a avançar que a sua opinião era comunicada anualmente ao órgão fiscalizador do banco e ao BdP.

“No âmbito das suas atribuições, a nossa sociedade comunicava ao Conselho Fiscal e ao Banco de Portugal, anualmente e até ao dia 30 de junho, a sua opinião sobre o Sistema de Controlo Interno da entidade fiscalizada”, afirmou ao JE Oliveira Rego. Este responsável  recusou-se a esclarecer que “situações de excepção” foram detectadas. A este respeito afirma apenas: “o conteúdo da nossa opinião destinava-se àquelas entidades, é confidencial, e só elas poderão fazer utilização do mesmo”.

O JE sabe, porém, que os alertas do ROC incidiram sobre os circuitos de controlo interno e procedimentos de operações relacionadas com a análise de risco, nomeadamente a concessão de crédito. A este respeito, fonte próxima ao processo assegura: ”não existiam circuitos com fiabilidade necessária para evitar, por exemplo, créditos ruinosos, como aqueles assinalados na auditoria da EY”.

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