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Cimeira da NATO: “Se não houver mais tensões, já não é mau”

Cimeira em Haia ficará marcada por “decisões arrojadas” no que toca ao aumento dos gastos dos aliados em defesa, tendo Mark Rutte anunciado na véspera do encontro um consenso para atingir a meta dos 5% do PIB pedida por Donald Trump, mas à qual Espanha se opõe. Portugal vai assumir o compromisso dos 2% até ao final deste ano, passando a incluir nesses gastos despesas do Ministério da Administração Interna com serviços de emergência, GNR, salários e pensões destes miliares. Embaixador Martins da Cruz espera que a cimeira não sirva para criar “mais tensões e divisões” na aliança, podendo esta ser uma ocasião para os EUA “reafirmarem o seu empenho em manter a NATO”, numa altura em que a guerra entre Irão e Israel, e intervenção americana, agravaram a tensão no Médio Oriente.
24 Junho 2025, 07h00

Haia, nos Países Baixos, é durante o dia de hoje e amanhã palco da mais aguardada cimeira da Aliança Atlântica. No topo da agenda do encontro dos chefes de Estado e de Governo dos 32 membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) está o pedido dos Estados Unidos para que os aliados aumentem os gastos em defesa para 5% do Produto Interno Bruto (PIB). O conflito na Ucrânia, a guerra entre Israel e Irão e a intervenção norte-americana — que Mark Rutte já disse ter respeitado a lei internacional — e a retaliação iraniana a uma base militar no Qatar serão outros pontos de análise incontornáveis da cimeira, que contará com a presença de Donald Trump, presidente dos EUA.

Mas o que se pode esperar desta cimeira perante um mundo reconhecidamente cada vez “mais perigoso”? E como sairá a NATO dela? “Se não houver mais tensões [no seio da NATO], e se não servir para afastar [os EUA], já não é mau”, analisa o embaixador Martins da Cruz em conversa com o Jornal Económico (JE). “Em política externa”, frisa o antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros, “o óptimo é inimigo do bom”.

O antigo embaixador de Portugal na organização atlântica sustenta que, apesar das tensões e divisões que têm marcado os tempos mais recentes, desde que Donald Trump regressou aos comandos da Casa Branca, os EUA “não têm nenhum interesse em acabar com a NATO, antes pelo contrário”.

“O que querem é que os europeus tenham um esforço maior em questões de defesa para não estarmos 100% dependentes da dissuasão dos EUA, sobretudo tendo em vista o risco que significa a Federação Russa depois do conflito na Ucrânia”, afirma Martins da Cruz, confiante de que da cimeira destes dois dias não haverá “nenhum corte” entre os EUA e a Europa. Pode, aliás, ser uma ocasião — “desde que os europeus façam um esforço” — para que os EUA “não se afastem” e “reafirmem o seu empenho em manter a NATO”.

A Aliança Atlântica, acrescenta o antigo governante, “precisa de reafirmar a sua unidade para ser credível face a eventuais inimigos, que não podem estar a pensar que estamos desunidos. Temos de projetar uma imagem de unidade e penso que isso vai prevalecer sobre as divisões”. Terá sido, de resto, para conseguir mais facilmente criar uma imagem de unidade e evitar o agravar de tensões ou divisões que a cimeira propriamente dita, o momento em que os vários chefes de Estado e de Governo estarão reunidos, “ficou resumida a três horas”.

O resto do tempo vai ser ocupado por reuniões bilaterais entre os vários membros. “Provavelmente vai haver também uma reunião com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. Acho bem que se reafirme o compromisso da Europa e da NATO na defesa ucraniana”, assinala Martins da Cruz, antecipando que a Aliança Atlântica vai mostrar “uma certa flexibilidade” em relação à meta dos 5% do PIB em gastos de defesa, dos quais 3,5% incluem também vencimentos e segurança interna e 1,5% dirão respeito a infraestruturas de duplo uso (por exemplo, estradas que sirvam também para instalações militares; aeroportos que também sirvam para uso militar).

Portugal, que vai a Haia assumir o compromisso dos 2% já este ano, gasta atualmente 4.500 milhões — 1,58% do PIB. Para alcançar essa meta, que foi determinada em 2014 e que oito países (entre os quais Portugal, Espanha e Itália) ainda não atingiram, faltam 1.100 milhões. Para o conseguir, Portugal vai utilizar recursos de outros ministérios, por exemplo, da Administração Interna, no que diz respeito a serviços de emergência e à GNR. “Tudo o que é segurança pode ser incluído nas despesas de defesa, assim como salários e pensões dos militares da GNR. E por essa via, vamos chegar aos 2% no final do ano”, prevê o embaixador. Já sobre os 3,5% do PIB, num cenário otimista, só daqui a uma década lá chegaremos.

Para Portugal, país que é simultaneamente europeu e atlântico, “é muito importante que não haja um afastamento dos EUA da NATO”. “Somos simultaneamente um país europeu e um país atlântico, temos a maior Zona Económica Exclusiva do Atlântico de toda a Europa. Para nós, a segurança do Atlântico é essencial à nossa segurança. E para haver segurança no Atlântico, precisamos dos EUA como aliado”, finaliza o antigo governante e diplomata português.

Imagem de unidade (e a voz dissonante vinda de Espanha)

Seja como for, o principal objetivo da cimeira é “dar uma imagem de unidade” e de que a Europa está de facto a aumentar os gastos em defesa, analisa José Palmeira, professor de Relações Internacionais da Universidade do Minho. Porque há entre os aliados a noção de que o “pior que podia acontecer neste momento seria mostrar a Moscovo e a Pequim que na NATO ninguém se entende; que os EUA não se entendem com os europeus e que os próprios europeus estão divididos e não querem chegar aos 5% do PIB” em despesas militares.

E sendo certo que as cimeiras, quando começam, já têm as “conclusões alinhavadas”, é de esperar essa mensagem de unidade. Se assim não fosse, se não houvesse acordo, nomeadamente sobre a meta dos 5%, ainda que com criatividade contabilística, sustenta Palmeira, “Trump nem iria lá, mandava uma segunda figura”.

O professor de Relações Internacionais considera que Mark Rutte, que muitas vezes é criticado por “puxar os EUA para dentro” da aliança, “terá feito o trabalho de casa” ao ponto da cimeira de Haia ir de encontro ao que os EUA pretendem — fundamentalmente que os europeus paguem mais para a defesa.

E assim parece ser. Na antecipação da cimeira, esta segunda-feira, o secretário-geral da NATO declarou que os aliados vão tomar “decisões arrojadas para melhorar a nossa defesa coletiva, tornando a NATO numa aliança mais forte, mais justa e mais leal”. O que inclui, segundo Rutte, um novo plano substancial de investimento, elevando a marca do investimento na defesa para 5% do PIB.

“Um esforço concertado para melhorar a indústria da defesa em toda a aliança, dando não apenas mais segurança, como também mais empregos”, frisou o holandês, garantindo também que haverá, da parte da organização que lidera, um “esforço contínuo de apoio à Ucrânia e uma procura de um final justo e duradouro para a guerra de agressão russa”. “Tudo isto é essencial para manter em segurança os nossos mil milhões de habitantes”, argumentou Rutte.

José Palmeira acrescenta ainda outro prisma à exigência dos 5% dos EUA, que os próprios não atingem, lembrando que Donald Trump “não dá ponto sem nó”. Ou seja, poderá estar mais interessado que a Europa vá comprar material de guerra aos EUA do que propriamente na segurança dos aliados, diminuindo assim o défice norte-americano. Se os 5% do PIB em defesa forem uma meta longínqua, a Europa “tem tempo para desenvolver a sua indústria de defesa”, mas se a meta for para “amanhã” — aí “a Europa não terá capacidade suficiente” e os países vão ser “muito seduzidos pelo facto de o armamento norte-americano ser mais evoluído”.

Para o professor de Relações Internacionais, Espanha ter conseguido um compromisso que isentará o país da meta dos 5% do PIB é “curioso”, não se tratando de um país propriamente pobre.

A suposta cláusula de isenção (opting out), que Rutte desmentiu na conferência de ontem, teria sido negociada no fim de semana e anunciada pelo primeiro-ministro espanhol no domingo. Pedro Sánchez garantiu que o país afetará 2,1% do PIB às despesas com a defesa, “nem mais, nem menos”, o que lhe permitirá garantir todos os seus compromissos no âmbito da NATO, e sublinhou que a percentagem de 5% seria “desproporcionada, desnecessária” e incompatível com o Estado social.

“Respeitamos a vontade legítima dos outros países de aumentar o seu investimento na defesa, se assim o desejarem, mas não o faremos”, notou, assinalando ainda que o acordo alcançado com a Organização do Tratado do Atlântico Norte é “muito positivo”, uma vez que permite “respeitar a aliança transatlântica” e “preservar a sua unidade” sem aumentar as despesas com a defesa.

Na sexta-feira, o Presidente dos EUA tinha defendido que a meta de 5% do PIB para gastos de defesa dos membros da NATO não deveria aplicar-se a Washington e criticou a Espanha por “pagar pouco” no âmbito da Aliança Atlântica. Em resposta a estas críticas, no sábado, a ministra do Trabalho e vice-presidente do Governo espanhol, Yolanda Díaz, disse que a Espanha é soberana e “não vai fazer o que ele quer”.

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