Enquadrada pelo que já se sabe do projeto de rearmamento da Europa, apresentado há dois dias pela presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, os chefes de Estado e de governo da União Europeia reúnem hoje com uma agenda clara: “dar um novo impulso no que diz respeito à situação na Ucrânia”, ao mesmo tempo que, “nesse contexto, trocarão pontos de vista sobre os contributos europeus para as garantias de segurança necessárias para assegurar uma paz duradoura na Ucrânia”, pode ler-se na carta de convite enviada pelo presidente do Conselho Europeu, António Costa. “A UE e os seus Estados-Membros estão prontos para assumir mais responsabilidades pela segurança europeia”, disse António Costa entretanto, para especificar que “desde o início da agressão militar da Rússia, a UE e os seus Estados-membros prestaram quase 135 mil milhões de euros em apoio à Ucrânia e ao seu povo, incluindo 48,7 mil milhões para apoiar as forças armadas ucranianas”.
Além disso, o ex-primeiro-ministro português lembrou que “a UE também adotou sanções sem precedentes contra a Rússia: as sanções mais recentes, adotadas em 24 de fevereiro de 2025, visam domínios vitais da economia russa, incluindo a banca, a frota paralela de Putin e bens e tecnologias nos setores industrial e energético”.
Os entraves do costume
De qualquer modo, e segundo os analistas, a possibilidade de aumentar o apoio à Ucrânia pode embarrar na recusa da Hungria e da Eslováquia, que aliás já disseram que não estão de acordo com esse aumento. Será sempre, disse o embaixador Seixas da Costa ao JE, um entrave momentâneo: “como já aconteceu antes, os países que tentam impedir um acordo nessa matéria acabam sempre por recuar”, nem que seja apenas porque precisam dos cheques que a União faz seguir para as suas capitais.
A resposta da Europa surge num quadro em que a a União tenta encontrar uma forma de ir contra aquilo que os Estados Unidos decidiram sobre a matéria: encontrar a paz a todo o custo, nem que seja pelo emagrecimento do apoio do seu país à causa ucraniana ou impondo um contexto geopolítico e mesmo geográfico que a própria Ucrânia recusa determinantemente.
O outro item da agenda da cimeira tem a ver com o debate sobre o plano de rearmamento (foi assim que von der Leyen o apresentou), mas pode ser apenas um início de conversa. É que, para já, os pormenores ainda são desconhecidos, nomeadamente no que tem a ver com financiamento e com a clausula de segurança que provavelmente permitirá impedir que o financiamento que casa Estado-membro consiga no mercado não seja elegível para as contas da dívida. O alívio é pequeno: por muito que não conte para a dívida pública, será sempre necessário pagar esse financiamento.
Outro tema que com certeza será alvo de conversa é o anúncio – já depois de conhecido o ‘plano von der Leyen’ de 800 mil milhões de euros, de um plano de financiamento da defesa apresentado pelo futuro chanceler alemão, Friedrich Merz, que quer gastar 500 mil milhões a dez anos precisamente no mesmo setor
Uma das propostas do plano é financiar uma indústria de defesa europeia, que viabilize a produção ‘própria’ que substitua as importações, quase todas elas oriundas dos Estados Unidos. Mas isso levará tempo – não se sabe quanto, mas sabe-se que não é por aí que a Europa vai ajudar a Ucrânia: essa ajuda terá de manter-se como até aqui, ou seja, pagando as compras do material que Kiev precisa, onde houver fabricantes que o possam fornecer. Mais uma vez os Estados Unidos, principalmente.
O plano de rearmamento
Ursula von der Leyen propôs esta terça-feira o Plano Rearmar a Europa, de mobilização de até 800 mil milhões de euros, para financiar um aumento maciço das despesas com a defesa. As cinco medidas delineadas por von der Leyen, que foram detalhadas numa carta dirigida aos líderes da UE antes da cimeira extraordinária de quinta-feira, incluem um “novo instrumento” para conceder 150 mil milhões de euros em empréstimos aos Estados-membros para financiar investimentos conjuntos na defesa de capacidades pan-europeias, incluindo a defesa aérea e antimísseis, sistemas de artilharia, mísseis e munições, drones e sistemas anti-drone. Ou seja, os restantes 650 mil milhões são da responsabilidade dos 27 Estados-membros.
Von der Leyen não forneceu detalhes sobre como esse dinheiro seria arrecadado e se os cerca de 90 mil milhões de euros em dinheiro não utilizado do fundo de recuperação pós-covid fariam parte dele. A emissão das chamadas euro-obrigações para financiar as necessidades de defesa do bloco tem sido, até agora, veementemente contestada por vários Estados-membros, os ditos ‘frugais’, que têm sempre mantido a recusa de usar esse instrumento – que, pelo contrário, é defendido pelos Estados que têm maiores dificuldades em manter as suas contas públicas alinhadas com as ‘ordens’ de Bruxelas em relação à dívida em percentagem do PIB.
A ativação da cláusula de salvaguarda nacional do Pacto de Estabilidade e Crescimento é a outra medida fundamental do pacote de defesa de von der Leyen, que ela já tinha comunicado no mês passado num discurso na Conferência de Segurança de Munique.
As outras três medidas incluem permitir que os Estados-membros utilizem mais amplamente os programas da política de coesão para aumentar as despesas com a defesa, alargar o mandato do Banco Europeu de Investimento para aumentar o financiamento de projetos de defesa e acelerar a União da Poupança e do Investimento para permitir que os bancos privados também possam injetar mais dinheiro no setor. “A verdadeira questão que se coloca é saber se a Europa está preparada para atuar de forma tão decisiva quanto a situação o exige e se está preparada e é capaz de atuar com a rapidez e a ambição necessárias”, afirmou a presidente da Comissão.
Entre 2021 e 2024, as despesas totais de defesa dos Estados-membros da UE aumentaram mais de 30%. Em 2024, atingiu cerca de 326 mil milhões de euros – cerca de 1,9 % do PIB da EU, segundo dados oficiais da Comissão. Em 2023, os investimentos em defesa cresceram a um ritmo excecional. “Em comparação com o ano anterior, aumentaram 17%, atingindo um recorde de 72 mil milhões de euros, constituindo 26% das despesas combinadas com a defesa dos Estados-membros. “Os Estados-membros estão, portanto, muito acima do valor de referência coletivo acordado de 20%. Os dados indicam que, em 2024, os investimentos em defesa atingiram 102 mil milhões de euros, representando mais de 30 % do total das despesas com a defesa”, referem os documentos.
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