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CMVM aplica coima de 1 milhão de euros à KPMG, por falhas no caso BES

A CMVM aplicou uma coima de um milhão de euros à auditora KPMG, anunciou o supervisor do mercado de capitais, num comunicado hoje divulgado no seu site oficial. A decisão foi impugnada judicialmente pela KPMG, refere o comunicado.
  • Gabriela Figueiredo Dias, presidente do Conselho de Administração da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários
23 Outubro 2020, 16h02

A CMVM aplicou uma coima de um milhão de euros à auditora KPMG, anunciou o supervisor do mercado de capitais, num comunicado hoje divulgado no seu site oficial. A decisão foi impugnada judicialmente pela KPMG, refere o comunicado.

Na origem da coima está a atuação da KPMG como auditor do Banco Espírito Santo. O banco, então liderado por Ricardo Salgado, foi alvo de uma medida de resolução em agosto de 2014 e a KPMG tem estado debaixo de fogo dos supervisores desde essa altura.

Em causa, segundo o comunicado do supervisor, estão alegados factos ocorridos entre 2012 e 2015. Segundo a entidade liderada por Gabriela Figueiredo Dias, que tem a seu cargo a supervisão das auditoras, a KPMG falhou em áreas como as relações entre o BES e o BES Angola (que provocou um rombo de vários milhares de milhões de euros na casa mãe e acelerou o seu colapso), o crédito a empresas do Grupo Espírito Santo e a avaliação de imóveis no balanço, tendo ainda prestado falsas informações aos supervisores, sobre factos de que tivera conhecimento enquanto auditora do grupo liderado por Ricardo Salgado.

Entre outras coisas, a CMVM concluiu que a KPMG não documentou adequadamente os procedimentos de auditoria efetuados aos créditos de alguns clientes do BES, não elaborando nem conservando documentação suficiente para o Conselho Nacional de Supervisão de Auditoria (CNSA) poder examinar convenientemente o seu trabalho.

Além disso, a KPMG “não obteve, de forma a suportar a opinião de auditoria emitida, relativamente ao “crédito a clientes” de um componente significativo do Grupo (relevado no balanço das demonstrações financeiras consolidadas do Grupo), prova de auditoria, apropriada e suficiente, de suporte às asserções “existência”, “integralidade”, “direitos e obrigações” e “valorização” (imparidade)”.

Ao mesmo tempo, acrescenta a CMVM, a KPMG não aplicou “um nível apropriado de ceticismo profissional” na avaliação da prova de auditoria obtida sobre o crédito a clientes de um componente significativo do Grupo, nem inclui – devendo fazê-lo – uma reserva na opinião emitida na Certificação Legal de Contas e no Relatório de Auditoria às contas do BES.

“Arguido prestou ao CNSA informações falsas”

A CMVM concluiu ainda que a KPMG “não elaborou e conservou documentação suficiente para o CNSA examinar convenientemente o seu trabalho, enquanto auditor do Grupo, sobre imóveis (registados na rubrica “imobilizado em curso” e “Outros Valores – Devedores Diversos” do balanço do componente”) de um componente significativo do Grupo (relevados no balanço das demonstrações financeiras consolidadas do Grupo)” e que agiu de forma a induzir em erro o CNSA.

“O Arguido prestou ao CNSA informações falsas, respeitantes (i) a factos de que teve conhecimento, no âmbito da revisão legal/auditoria sobre demonstrações financeiras consolidadas (referentes aos exercícios de 2011 e 2012) de uma instituição de crédito emitente de valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado, referentes ao trabalho de auditoria levado a cabo sobre o crédito a clientes de um componente significativo do Grupo cujas contas foram auditadas; (ii) ao seu acesso a dois documentos respeitantes um componente significativo do Grupo cujas contas foram por si auditadas”, adiantou.

O que está em causa?

Trata-se da condenação definitiva de um processo de contraordenação movido pela CMVM contra a auditora do BES e do BES Angola, depois de ter sido conhecida, no final de agosto de 2019, a primeira pronúncia por parte do supervisor do mercado e das auditoras – e que levou, na altura, a que três sócios da auditora KPMG — Fernando Antunes, Inês Viegas e Sílvia Gomes — tivessem abandonado a profissão e cancelado a licença da CMVM para exercer essa atividade, tal como o Jornal Económico avançou na altura.

A CMVM condenou a KPMG por conta da auditoria ao Banco Espírito Santo e por factos ocorridos entre 2012 e 2015.

A KPMG é acusada de não ter feito a documentação adequada no que toca aos procedimentos que seguiu sobre o crédito a clientes de uma das unidades com peso no grupo [o BESA] e, com isso, não foi dada informação adequada ao supervisor. A CMVM diz que a KPMG não apresentou provas de que a auditoria feita à área do crédito tenha sido adequada, para além de ter prestado informações falsas.

Recorde-se que só em 2016 é que a CMVM passou a ter poderes de supervisão sobre as auditoras.

A auditora liderada por Sikander Sattar foi acusada de não ter cumprido normas de auditoria em 2011 e 2012 e de omitir perdas identificadas na carteira de crédito do BESA (auditado pela KPMG Angola), nos dois anos seguintes, quer pela CMVM agora, quer pelo Banco de Portugal, num processo que se aproxima das alegações finais no Tribunal.

Em causa está o papel do auditor na consolidação das contas entre BES e BESA.

Além do processo da CMVM, a KPMG foi já condenada pelo Banco de Portugal num processo de contraordenação pelos mesmos factos: auditoria ao BES. A decisão final foi de aplicação de uma coima de três milhões de euros, sendo que os sócios da auditora sofreram também uma sanção pecuniária. O presidente, Sikander Sattar, foi alvo de uma coima de 450 mil euros. Inês Viegas, Sílvia Gomes, Inês Filipe e Fernando Antunes foram também visados.

O Tribunal da Concorrência, em Santarém, está a julgar os pedidos de impugnação da auditora KPMG e de cinco dos seus sócios às coimas no valor global de 4,9 milhões de euros aplicadas pelo supervisor no âmbito do caso BES.

A decisão do BdP concluiu que houve a violação de normas que determinam o “dever de os revisores oficiais de contas ao serviço de uma instituição de crédito e os auditores externos de comunicarem factos que são suscetíveis de determinar uma emissão de reserva às contas da entidade que auditam”, neste caso o Banco Espírito Santo (BES), e a prestação de informações incompletas e de informações falsas ao supervisor, relativas à situação da filial em Angola (BESA).

A acusação do BdP de 22 de janeiro de 2019 culminou com a condenação em 17 de junho. O BdP considerou ter ficado provado que, entre 2011 e, pelo menos, dezembro de 2013, os arguidos sabiam que, no âmbito do seu trabalho de auditoria, nomeadamente para efeitos de certificação das contas consolidadas do BES, não tinham acesso a informação essencial sobre a carteira de crédito do BESA e que, pelo menos a partir de janeiro de 2014, sabiam que existia um conjunto de créditos considerados incobráveis.

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