Económico de Cabo Verde – A tendência do preço dos combustíveis tem sido no sentido ascendente. Só a título de exemplo, em Maio do ano passado os cabo-verdianos pagavam 109.80 escudos por cada litro de Gasolina, com a última atualização, de 1 junho, passaram a pagar 132,50 escudos. Neste mesmo período, o gasóleo passou de 74 escudos litro para 107, 50 escudos. Os factores externos são os condicionantes mais fortes para esta tendência de aumento?
Lívio Lopes – Para responder a esta pertinente questão é preciso compreender o seguinte: Para a determinação da estrutura de fixação dos preços dos combustíveis em Cabo Verde, somos regulados pelo Decreto-Lei n.º 19/2009, de 22 de junho, que estabelece os princípios orientadores da política de preços e a fórmula de cálculo dos preços de comercialização de produtos petrolíferos em Cabo Verde.
O Decreto-Lei referido institui o modelo tarifário dos preços máximos (price–cap) como mecanismo de fixação de preços dos produtos petrolíferos. O regime “price-cap” – que representa um forte incentivo à eficiência das empresas – prevê a recuperação apenas de custos elegíveis e um retorno justo sobre o capital investido, incentivando desta forma a redução dos custos, o aumento da eficiência e investimentos no sector.
A fórmula, supracitada, é a seguinte: PMVCF = CP + CUGSL + MMUD + IVA + Outros I&T +/- ARR, em que PMVCF – significa preço máximo de venda ao consumidor final por unidade (litro ou kg); CP – Custo de aquisição do produto no mercado internacional, incluindo custos de seguros de transporte marítimo internacional e despesas adicionais de importação; CUGSL – Custo unitário de gestão do sistema de logística, que incorpora os custos relacionados com a gestão das instalações de armazenagem, incluindo o retorno sobre o capital investido e o transporte marítimo inter-ilhas; MMUD – Margem máxima unitária de distribuição e venda a retalho, entre outros;
Com base no artigo 8º do Decreto-Lei n.º 19/2009 a ARE desenvolveu a metodologia e os procedimentos para o cálculo dos parâmetros CP, CUGSL e MMUD da fórmula de fixação de preços dos produtos petrolíferos.
O parâmetro CP, que garante a recuperação automática dos custos de importação – uma vez que estes estão fora do controlo das empresas petrolíferas – é determinado pela indexação à flutuação das cotações dos derivados de petróleo no mercado internacional, utilizando como referência as cotações diárias do Platts European Marketscan (Gasolina, Jet A1, Gasóleo e Fuelóleo) e do Platts LPGaswire (Butano). O parâmetro CP incorpora o custo FOB de referência, o premium (frete ao fornecedor), os impostos aduaneiros e os custos adicionais de importação.
Os parâmetros CUGSL e MMUD, revistos quinquenalmente, permitem a arrecadação de receitas suficientes para fazer face aos custos operacionais razoáveis, amortizações e uma taxa de retorno adequada, mediante gestão eficiente e investimentos prudentes.
Como se pode constatar, o parâmetro determinante é o CP, referente aos custos de importação – de atualização mensal – fortemente influenciado por fatores externos, fora do controle das empresas petrolíferas e sujeito às flutuações das cotações dos derivados do petróleo no mercado internacional e ao impacto da apreciação/depreciação do euro em relação ao dólar, entre outras externalidades. Por outro lado, o peso relativo do parâmetro CP é muito superior aos outros, em cerca de 60%, isto é, os custos de importação pesam muito mais do que a logística e a distribuição. Fica evidente que os fatores externos referidos são determinantes para a tendência de evolução dos preços e tarifas em Cabo Verde.
– O que pode a ARE, enquanto Reguladora do sector, em articulação com o governo, fazer para minimizar a subida?
– Em primeiro lugar, vale realçar que a ARE não é entidade competente para a conceção e elaboração da política energética para o país, nem das políticas sociais subsequentes. Estas, depois de aprovadas legalmente pelo Governo, fazem com que a reguladora tenha de refletir nas tarifas estas políticas.
O que a ARE pode determinar autonomamente são as exigências às operadoras em matéria de eficiência produtiva, operacional e energética nos limites dos custos aceites e dos princípios e regras regulatórias. Assim, por exemplo, a aceitação, ou não, do nível de perdas, para efeitos tarifários, é cada vez mais rigorosa. Partimos há anos dos 37% de perdas no sector da eletricidade, para os 23% admissíveis atualmente, contrastando com o que a operadora, que exige aceitação de um nível de perdas de 26,7%, para além de outras ineficiências e imparidades não aceites, ou seja há um esforço contínuo da eficiência do sector e da observância das regras universais da regulação.
Em agosto de 2017 a ARE fez a revisão quinquenal dos parâmetros CUGSL e MMUD. Neste processo de revisão tarifária foi possível constatar que se verificaram ganhos de eficiência nos serviços de distribuição e transporte terrestre de distribuição, mas que nos serviços de logística os custos continuam bastante elevados para as duas petrolíferas, o que anulou em parte o impacto dos ganhos obtidos na tarifa final. São indicadores importantes para medidas de política que, neste caso concreto, apontam para a necessidade de se retomar a logística comum.
Por outro lado, a ARE contribui, nesta matéria de articulação com o Governo e no exercício das suas competências consultivas, na emissão de pareceres, estudos e posicionamentos técnicos importantes para a tomada de decisões.
É preciso esclarecer, por outro lado, que a ARE não faz política social, tarifa social, nem tem poderes para, por exemplo, diminuir os direitos alfandegários, a taxa do IVA, atualmente em 15%, a da manutenção rodoviária, muito menos impor a subsidiação dos combustíveis. As tarifas sobem e descem durante o ano, como aconteceram com as atualizações anteriores, consoante o impacto da evolução dos preços dos combustíveis no mercado internacional.
– As tarifas da eletricidade e da água estão indexadas ao preço dos combustíveis, é de esperar aumento destes dois serviços nos próximos tempos?
– As tarifas de eletricidade e água não estão indexadas apenas aos combustíveis, como também aos chamados “Custos Não Relacionados com os Combustíveis” relativos à produção, compra, transporte, distribuição e venda de eletricidade.
O agravamento ou não das tarifas futuras de eletricidade e água, depende de muitos fatores externos relacionados com os combustíveis. O mercado petrolífero é imprevisível e muito volátil, sendo portanto difícil de se prever a tendência.
– No caso da água há empresas municipais a reclamar que não tem atualização de preço desde 2016. Estes casos estão a ser revistos?
-As chamadas “empresas municipais” ou SAAS não são reguladas pela ARE. Para que isso venha a acontecer é preciso aprovar um quadro legal adequado e exigente que faça com que venhamos a ter verdadeiras empresas municipais, com estruturas de custos bem definidos, que permitam ao regulador fixar tarifas justas e sustentáveis. Até ao presente momento existem SAAS ou supostas empresas municipais, de natureza mais política do que empresarial, sem contabilidade organizada, com órgãos diretivos de composição essencialmente política e que acabam por fixar preços e tarifas essencialmente políticos.
Por isso está em processo de discussão e aprovação um Decreto Legislativo que virá a estabelecer o regime jurídico dos serviços de abastecimento público de água e de saneamento de águas residuais urbanas.
Este diploma deve consagrar o necessário equilíbrio entre a sustentabilidade das operadoras municipais e a proteção do consumidor.
Se se conseguir aprovar este diploma, com os princípios e regras regulatórios (tarifárias ou não) que nós exigimos, estaremos em condições de regulá-las.
-Ainda em relação ao preço de água, como é que há empresas que estão no sistema regulado a pagar IVA e as que estão fora e não pagam?
– O IVA e a política fiscal é competência do Governo, a quem cabe fiscalizar o pagamento do mesmo (IVA) ou o cumprimento da política fiscal.
– Concretamente o que tem impedido a criação da empresa de logística comum de combustíveis, que se fala há vários anos?
–A criação de uma empresa de logística comum foi uma opção do Governo, iniciada em maio de 2007, sem envolvimento direto da ARE. O Memorando de Entendimento consagrava um acordo tripartido Governo-Shell-Enacol, em joint-venture, para a implantação em S. Vicente de uma “Companhia de Logística Comum” cuja missão principal seria garantir o abastecimento do país em produtos petrolíferos em condições de segurança e qualidade. Naturalmente que se previa como resultados a redução dos custos da logística primária, com benefícios para o consumidor.
Não dispomos de elementos que nos possa elucidar sobre as razões que tenham impedido a criação da mesma.
– Em 2015, ARE chegou a apontar que duas petrolíferas, Vivo e a Enacol, davam sinais de entendimento e havia condições favoráveis para que essa empresa fosse criada. Houve mais avanços?
– Houve desenvolvimentos em alguns aspetos, mas a ARE desconhece as razões mais determinantes para o bloqueio registado. Julgamos que, em 2007, a complexidade de entidades envolvidas, entre as quais, a ENAPOR, o MIT, as Câmaras Municipais, a ASA, AAC, a DGMP, poderá ter dificultado a missão do “task force” criado para o efeito.
-Santiago maior mercado de Cabo Verde, só recebe de forma direta o gás butano. Gasóleo e fuel são descarregados nos armazéns primários em São Vicente, a gasolina e o jet desembarcam diretamente no Sal. Faz sentido que seja Santiago, a receber a empresa de logística comum?
– Segundo o Memorando de Entendimento, a empresa de logística comum devia ser instalado em São Vicente. Nestas questões a natureza insular de Cabo Verde e a focalização de determinadas atividades económicas em pólos localizados, por ilhas, acabam por influenciar certas opções politicas.
Neste momento, estão criadas todas as condições para que a descarga primária do fuel 380 seja feita diretamente na Praia, com vantagens na redução dos custos de eletricidade.
–Os consumidores continuam a arcar com os custos advenientes desta falta de entendimento?
– O processo de entendimento pareceu-nos institucionalmente complexa na esfera pública, com o envolvimento de entidades diversas por causa dos investimentos a fazer. Para nós seria determinante mais vontade política. Tudo o que se possa fazer para reduzir os custos e o preço final ao consumidor, deve ser feito, mas só o parâmetro logístico não é tão determinante nos preços e tarifas. Há que agregar outras medidas já mencionadas.
O governo já anunciou a criação de uma Agência de Regulação Económica, Multissectorial, em que os setores regulados pela ARE e ANAC estariam sob uma única tutela. Pela experiência, acumulada na ARE, como avalia esta decisão?
O processo anterior de Reforma do Estado ditou o quadro institucional para a regulação no modelo atual – após a criação da ARM em 1998 – depois de vários estudos, debates e conclusões. Foi uma opção de maior focalização em áreas afins, em vez de uma multisectorialidade desagregada.
A atual opção é do Governo e julgo que deve assentar, previamente, em estudos aprofundados, consultorias especializadas que possam ter aconselhado este regresso à multisectorialidade. Nós desconhecemos, em pleno, este processo e por isso não o podemos avaliar.
– A nível dos transportes a ARE fixa até agora apenas o preço dos transportes públicos urbanos, com esta nova configuração, faria sentido a nova agencia assumir também a regulação do preço dos transportes interurbanos, Hyaces, e também dos táxis?
-Penso que não, porque o novo diploma de 1 de março passado, veio a integrar numa única lei todos os transportes motorizados, mas com princípios e regras que excluem a regulação pela ARE. Os transportes interurbanos desenvolveram-se num contexto de um estranho vazio legal, até à recente aprovação do Decreto-lei nº 11/2018, de 1 de Março que estabelece o Regime Jurídico Geral dos Transportes em Veículos Motorizados. Para os táxis o RTA já os regulava, anteriormente.
Por outro lado, estas modalidades de transportes ou atividades, não estão organizados em empresas ou cooperativas, tornando-se quase impossível estruturar os custos para a definição de tarifas, numa perspetiva regulatória, mais exigente.
De todo o modo, embora prestam um serviço público, estas atividades de transporte se desenvolvem num mercado de concorrência livre em que o regime de preços e tarifas deve ser mais flexível, isto é, o Governo fixa as tarifas máximas e as assembleias municipais fixam, dentro deste limite máximo, a tarifa exata por cada percurso ou distância.
– Salvo raras aparições fugazes aquando do aumento dos combustíveis, pode-se dizer que não se nota ou se sente pouco a presença da ARE no seio da sociedade cabo-verdiana. Que comentário?
–A ARE não é uma organização política, mas sim uma reguladora que deve manter uma postura e atitude discreta e resguardada, para garantir a sua credibilidade. Deve sim esclarecer a opinião pública sempre que solicitada, mas nunca pretender ser o protagonista principal.
Estaríamos certamente com a nossa credibilidade em causa se envolvêssemos na tentação de responder regularmente às especulações de determinadas organizações, sedentas de protagonismos. Quando for necessário estaremos em público a esclarecer, como estamos hoje. A sociedade cabo-verdiana, e não só, tem, por outro lado, à sua disposição o site da ARE que deve consultar e obter informações e dados pertinentes.
– Um exemplo da ausência da ARE é o seu silêncio à volta das reclamações dos clientes quando são estabelecidos novos preços.
– Sempre que houve reclamações a ARE esclareceu ou resolveu. Exemplo especifico é o desta primeira semana de Junho em que no primeiro dia do mês atualizamos os combustíveis e estivemos em todos os meios de comunicação social. No passado dia 6 dei uma entrevista ao Jornal Expresso das Ilhas e hoje (8 de Junho) estou a falar para o Jornal Económico. Isso diz tudo. Em matéria de reclamações, a ARE dispõe de um departamento próprio que atende diariamente os consumidores e clientes. Por ano recebemos centenas de reclamações ou recursos que resolvemos na sua maioria.
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