A pergunta que o jornalista da RTP Vitor Gonçalves fez a José Sócrates, no final do programa “Grande Entrevista”, questionando-o sobre qual a fonte de rendimentos que lhe permitia manter o seu actual nível de vida, deixou o antigo primeiro-ministro indignado.

De facto, existe a ideia genérica de que as finanças pessoais são isso mesmo, pessoais, não públicas, pelo que nenhum cidadão tem que explicar aos demais qual a sua situação financeira e como a obteve.

O princípio subjacente é o do direito à privacidade, onde a nossa situação financeira faz parte desse domínio privado: ninguém tem que saber quanto dinheiro temos, qual é o nosso salário, quais são os nossos rendimentos de capitais, que empréstimos contraímos, que heranças e doações recebemos, ou como mantemos o nosso estilo de vida.

Na realidade, porém, existem muitas excepções:  todas as empresas cotadas em bolsa são obrigadas a tornar públicas as suas contas, onde se incluem os lucros, os dividendos distribuídos e os vencimentos dos administradores; no sector público, todos os vencimentos estão tabelados e são do domínio público.

Ou seja, entende-se que, num conjunto vasto de situações, pela natureza e importância social de certas funções, a esfera financeira dos indivíduos não é apenas privada, tem dimensões públicas.

Entende-se que as grandes empresas, porque estão cotadas em bolsa, onde o público pode intervir, têm que ser transparentes sobre a sua situação financeira, para que quem quiser tomar decisões de investimento o possa fazer com a devida informação. Para além disso, as empresas cotadas em bolsa são grandes empresas, com forte relevância para as economias, pelo que têm uma dimensão de relevância pública inegável.

Por maioria de razão, toda a máquina do Estado, que é por definição pública, não privada, tem que ser transparente. Todos contribuímos para ela, todos temos o direito de poder aceder à mesma e todos temos o direito a saber a sua realidade financeira.

Acontece que, quer no caso das grandes empresas cotadas em bolsa, quer no caso da Administração Pública, Governo e Empresas Públicas, a realidade tem sido pródiga em nos exibir casos de fraude, gestão danosa ou corrupção. Significa isso que os instrumentos de que dispomos não são suficientes para combater os elevados níveis de má gestão dos interesses públicos.

As portas giratórias entre o sector público e o sector privado, em que as mesmas pessoas, ora estão ao serviço de interesses privados, ora vão, supostamente, defender o interesse público, têm-se demonstrado danosas para o último, sem que a democracia possa fazer muito, pois que um cidadão que deixa as suas funções públicas pode fazer o que quiser com a sua vida daí para a frente.

As exigências de transparência, incompatibilidades e “períodos de nojo” (antes de transitarem para sectores privados que regularam), de deputados e governantes, vão no sentido de atenuar estes problemas. Mas não têm sidos suficientes.

Poder saber como e porquê um ex-governante tem um nível de vida muito acima do seu vencimento, ou como e porquê está um ex-governante a receber salários milionários no sector privado, talvez fosse um bom dissuasor de promiscuidades e corrupções. Talvez fosse interessante experimentar a criminalização do enriquecimento injustificado.

Sei bem que se têm levantado muitas dúvidas por causa da inversão do ónus da prova. Mas este é um caso em que tenho dificuldades em perceber como essa inversão possa ser problemática. Cada um sabe da sua vida financeira e sabe como obteve o que tem. Se alguém perguntar, basta dizer. Ninguém fica rico sem querer, sem saber como. Nem ninguém pode ser obrigado a ficar rico contra a sua vontade.

Exigir um extra de transparência e prova de honestidade a quem teve o poder de influenciar os destinos de uma nação, ou de um conjunto de nações (como Durão Barroso na Comissão Europeia), parece-me uma medida justa, no sentido de equilibrar poderes com responsabilidades, e criar os incentivos correctos para não deixar os políticos caírem em tentação…

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.