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Como fomentar a participação de jovens em atividades cívicas e políticas

“Utilizar novas formas de fazer e de comunicar politicamente e fazendo da proximidade uma nova forma de estar em política”, sugere Margarida Balseiro Lopes. “A política pública mais eficaz para fomentar um espírito crítico aberto ao confronto de ideias é reformar a escola”, defende Luís Monteiro. “Partidos devem abrir-se mais à participação dos jovens e às nossas exigências”, sublinha Paulo Muacho.
3 Setembro 2018, 10h08

É um lugar-comum dizer-se que as novas gerações não se interessam pela política, não têm consciência nem pensamento políticos (ou têm menos do que as gerações anteriores), não se mobilizam nem participam em atividades cívicas e políticas. Mas será mesmo assim? “Há uma distinção que importa fazer”, começa por responder Margarida Balseiro Lopes, presidente da JSD e deputada do PSD. “Considero que os jovens estão desencantados com a classe política e com os partidos, mas que falam e se interessa por política e por causas que os sensibilizem. Para além disso, há novas formas de participação que também modificaram a forma como os jovens exteriorizam o seu interesse em política, podendo fazê-lo em sítios como as redes sociais. Ou seja, não se circunscrevem aos métodos convencionais de outros tempos”.

Atentando na sua experiência na JSD, o número de militantes tem vindo a aumentar ou a diminuir? Que relação é que as novas gerações têm com as juventudes partidárias, o que é que as atrai ou retrai? “Tem vindo a aumentar”, enaltece Balseiro Lopes. “A JSD está a procurar, com o trabalho de credibilização que consideramos fundamental que seja feito, que as juventudes partidárias mudem a imagem de descrédito que atualmente têm. Isso faz-se, a nosso ver, com propostas concretas e com discursos que vão ao encontro das preocupações das pessoas, dos jovens, porque só dessa forma tomarão em conta e ouvirão a nossa mensagem. Para além disso, consideramos fundamental inovarmos na forma como comunicamos e na proximidade que temos não apenas na linguagem, como na ação e presença, junto das escolas, de instituições de ensino superior, organizações da sociedade civil, entre outras”.

 

“Fazer das escolas locais onde se pode falar de política e onde se pode aprender mais sobre o país e o mundo em que vivemos”, propõe Margarida Balseiro Lopes.

 

De que forma é que se poderá fomentar a participação de jovens em atividades cívicas e políticas? O que é que deveria ser feito nesse sentido, ao nível de políticas públicas? “Uma das formas de fomentar a participação dos jovens passa por fazer das escolas locais onde se pode falar de política e onde se pode aprender mais sobre o país e o mundo em que vivemos. Há projetos muito interessantes nesse sentido, como é o caso do ‘Jovem Autarca de Santa Maria da Feira’ que permite que haja um jovem do concelho eleito ‘presidente de câmara’ e que, de forma prática e inovadora, aprende e apreende mais conhecimentos sobre cidadania e participação do que se tivesse 10 aulas teóricas sobre o mesmo tema”, salienta a líder da JSD.

Os partidos e as instituições deveriam mudar no sentido de se adaptarem às novas linguagens e aspirações dos jovens? Como é que poderão cativar mais jovens e fomentarem a sua participação política? “Falar de temas que de facto correspondam às preocupações das pessoas, utilizar novas formas de fazer e de comunicar politicamente e fazendo da proximidade uma nova forma de estar em política”, diz Balseiro Lopes.

 

“A escola hoje ensina tudo mas não tem formado cidadãos”

Luís Monteiro, do BE, destacou-se em 2015 como o mais jovem deputado eleito desde o 25 de abril. Hoje tem 25 anos de idade e, no Parlamento, dedica-se sobretudo a temas relacionados com a Educação e o Ensino Superior. Questionado sobre se as novas gerações têm consciência e pensamento políticos, ou capacidade de mobilização e participação em atividades cívicas e políticas, Monteiro ressalva que “são duas perguntas diferentes e merecem duas respostas diferentes”.

“Em relação à primeira questão, penso que os últimos anos de crise abanaram muitas consciências, mas continuamos a sentir um espírito individualista exacerbado, fruto de um modelo de sociedade organizado na ideia do sucesso pessoal. Exemplo máximo disso é a narrativa do empreendedorismo. No fundo, consequência das políticas neoliberais”, critica Monteiro.

“Em relação à segunda questão, é preciso denunciar as caricaturas a que as gerações mais novas são, por norma, sujeitas. A ideia de que a política é para os outros. Não sou partidário da ideia perigosa do ‘confronto de gerações’, porque parte do princípio de que os jovens pensam e agem todos da mesma forma, têm todos as mesmas origens sociais, regionais, culturais, e isso aplica-se às outras gerações. É uma ideia muito utilizada para desviar as atenções do essencial: os problemas do país não são culpa da geração que viveu na primeira metade do século XX, são culpa da ditadura fascista de Salazar; não são culpa da geração de Cavaco Silva, são culpa de Cavaco Silva que destruiu a economia do país; não são culpa da geração de Passos Coelhos, mas são culpa da sua desastrosa governação; tal como a crise financeira não é culpa de quem pediu empréstimos para comprar uma casa, mas da classe de banqueiros que vendeu a ideia de que os bancos se aguentavam”, defende o bloquista.

O que é que o atraiu no BE, na atividade política? De que forma é que se desenvolveu esse processo de filiação? Sentiu abertura da parte da estrutura do partido, ou algum tipo de obstáculo por ser mais jovem? “Frequentava o 9º ano de escolaridade e as aulas de História Contemporânea apaixonavam-me. Por ionia do destino, depois licenciei-me em Arqueologia. A par disso, seguia com atenção as grandes manifestações de professores, por um lado, e de estudantes do Ensino Superior, por outro, quando o Governo do PS liderado por José Sócrates havia decidido abrir uma guerra sem precedentes contra a Escola Pública. Isso despertou-me para a política e, mais do que isso, para a participação no movimento social”, explica.

 

“O modelo de escola, salvo raras exceções, mantém o paradigma de ‘transmissor’ e ‘recetor’, ou seja, o professor transmite e o aluno recebe. A política pública mais eficaz para fomentar um espírito crítico aberto ao confronto de ideias é reformar a escola”, defende Luís Monteiro.

 

“Foi nesse momento que surgiu a ideia de por mãos à obra. Entrei no BE quanto tinha 15 anos. Revia-me na leitura que o partido apresentava sobre o país, sobre o mundo e sobre o futuro da esquerda. Como deve calcular, o PS não era (nunca foi e nunca será) para mim solução, muito menos solução para uma rutura com o sistema capitalista. Na altura, em 2008, já batia à porta a grande crise financeira mundial. E sobre o PCP, mais do que uma linguagem ultrapassada, continuava amarrado às experiências do chamado ‘socialismo real’. Como eu acredito que, para voltarmos a acreditar na hipótese do socialismo, precisamos de nos desvincular dos desastres do passado, só fazia sentido estar num espaço que comungasse desta visão. A abertura que senti no BE foi motivadora para tudo o que fiz a seguir a isso: fui dirigente estudantil durante o meu ensino secundário e ensino superior, participei em rádios universitárias, jornais académicos, dediquei-me ao movimento estudantil a sério. A minha idade nunca foi um obstáculo, antes pelo contrário. E hoje, passados 10 anos, continuo a sentir-me bem no partido”, enaltece.

De que forma é que se poderá fomentar a participação de jovens em atividades cívicas e políticas? O que é que deveria ser feito nesse sentido, ao nível de políticas públicas? “Ainda que a sua questão não coloque a coisa nesses termos, faço já um pré-aviso: eu não vejo a participação cívica e política como meros instrumentos para a melhoria da vida em coletivo, da sociedade, do que nos é ‘comum’. Essa é uma visão redutora da própria ideia de política e rapidamente confundimos participação política com voluntariado ou outra atividade similar”, responde Monteiro. “Podem e dever existir políticas públicas para o efeito. Já o defendi inúmeras vezes, enquanto era ativista estudantil e já como deputado, que a escola hoje ensina tudo mas não tem formado cidadãos. Os jovens passam mais tempo dentro da sala de aula do que em casa com os pais ou com os seus amigos. É preocupante. Mas preocupa mais que, com toda essa carga letiva, não tenha existido espaço para debater. O modelo de escola, salvo raras exceções, mantém o paradigma de ‘transmissor’ e ‘recetor’, ou seja, o professor transmite e o aluno recebe. A política pública mais eficaz para fomentar um espírito crítico aberto ao confronto de ideias é reformar a escola”.

Os partidos e as instituições deveriam mudar no sentido de se adaptarem às novas linguagens e aspirações dos jovens? Como é que poderão cativar mais jovens e fomentarem a sua participação política? “Em primeiro lugar, não posso deixar de mencionar um aspecto: os partidos não são o alfa e o ómega da participação política em democracia, mas são essenciais à sua existência. São quem traduz visões amplas, construídas e consolidadas da política como escolha da vida em coletivo. Talvez a primeira aprendizagem para os partidos que nos têm governado pudesse ser essa. A forma como se fez política nos últimos anos (e aqui destaco os últimos 10 anos, em que enfrentámos uma crise duríssima) tentou secar tudo o que existia à volta. A ideia de democracia participativa (preceito constitucional necessário para a consolidação da democracia social) não tem passado de um chavão para a maioria dos nossos governantes. Aceitam pouco o confronto político, fazem-no nos espaços formais (no Parlamento, por exemplo), mas não têm estado muito abertos a ouvir a voz daqueles que se organizam politicamente fora desse espectro”, lamenta.

“Os movimentos de ‘indignados’ que surgiram um pouco por toda a Europa (‘Acampadas’, ‘Geração à Rasca’, ‘Que se Lixe a Troika’) e nos Estados Unidos da América (‘Occupy Wall Street’) só vieram provar que a crise financeira também é uma crise política. Não necessitamos, sequer, de olhar para os novos exemplos. Vejamos o caso do movimento sindical: nunca o vimos tão desrespeitado. Existe uma cada vez maior percentagem de população que não se revê nos políticos tradicionais que nos levaram até à crise. E, já agora, que não nos vão salvar dela. Paradoxalmente, os discursos em defesa do consenso são cada vez mais proferidos pelos líderes políticos europeus e mundiais. Ora, só o conceito de consenso ‘mata’ logo a ideia de democracia que, inevitavelmente, é a aceitação dos vários pontos de vista, do confronto de classes. Ao invés, tenta normalizar-se a inevitabilidade da escolha única. As aspirações dos jovens, como refere na pergunta, enfrentam hoje um dilema: para que a sua voz tenha poder de decisão efetivo no espaço democrático, precisam de furar esses canais tradicionais e fechados que o poder instalado foi erguendo à sua volta”, conclui.

 

Tomar a dianteira em vez de “um papel de apoio e suporte”

Na perspetiva de Paulo Muacho, dirigente do Livre e deputado municipal em Lisboa, “a geração jovem atual é talvez das mais politizadas. Porém, ao contrário das anteriores, não é tão partidarizada. Os jovens hoje em dia militam mais facilmente em causas sociais, ecológicas e cívicas do que em partidos. Isto tem um lado positivo de reforçar a sociedade civil e os movimentos sociais e cívicos e um lado negativo de muitas vezes deixar de lado a política partidária e, por esta via, a representação política. Por outro lado, a mobilização de hoje em dia, e em especial para nós jovens, faz-se de outras formas, muitas vezes online, o que pode diminuir o impacto e a perceção dessa mobilização e participação. Mas ela é real. Pode é não estar nos locais onde normalmente se procuram”.

Quanto à experiência de fundação do Livre e o papel desempenhado pelos jovens nesse processo, Muacho destaca que “neste momento temos vários membros da direção nacional do partido com menos de 30 anos, eu incluído. E nas duas direções anteriores a situação era idêntica. Nas listas de candidatos também temos tradicionalmente muitos jovens. Nas legislativas de 2015, os cabeças-de-lista de distritos como Viseu e Leiria e dos círculos da diáspora eram jovens com menos de 30 anos. Nas recentes autárquicas, as listas do Livre em Oeiras foram lideradas por dois jovens e eu fui eleito deputado municipal em representação do Livre numa lista de convergência com o PS e os Cidadãos por Lisboa com 27 anos”.

“Isto mostra que, no Livre, os jovens não têm apenas um papel de apoio e suporte, mas muitas vezes tomam a dianteira e é-nos dada a possibilidade de nos tornarmos protagonistas políticos”, enaltece. “No Congresso Fundador, os jovens do Livre reuniram-se e decidiram que não pretendiam a formação de uma juventude partidária. Assim, todos participam nos debates e na tomada de decisões em pé de igualdade. Parece-nos ter sido uma escolha acertada para fomentar a participação dos jovens”.

 

“As políticas públicas devem ter especial atenção às condições materiais dos jovens. Um jovem ou uma jovem precária que acumula dois trabalhos e recebe o salário mínimo não tem muitas vezes tempo, disponibilidade e até dinheiro para uma participação política ativa, ainda que tenha vontade”, explica Paulo Muacho.

 

Sobre o incentivo à participação de jovens em atividades cívicas e políticas, Muacho considera que “desde logo é importante um sinal dos próprios partidos que se devem abrir mais à participação dos jovens e às nossas exigências. A participação não deve ser um mero cheque em branco que se passa de tempos a tempos. Hoje em dia, nós, jovens, queremos participar ativamente na construção de soluções e na sua implementação. E é por isso que nos desencantamos com a política partidária e nos mobilizamos nos movimentos cívicos e sociais. Por outro lado, as políticas públicas devem ter especial atenção às condições materiais dos jovens. Um jovem ou uma jovem precária que acumula dois trabalhos e recebe o salário mínimo não tem muitas vezes tempo, disponibilidade e até dinheiro para uma participação política ativa, ainda que tenha vontade. Antes de mais a sociedade deve conseguir dar aos jovens condições de autonomia e de autorrealização. E sempre que possível incluir-nos na construção das soluções para os nossos problemas específicos”.

Relativamente à necessidade de mudança dos partidos para se adaptarem às novas linguagens e aspirações dos jovens, o dirigente do Livre reitera a “necessidade de abertura” dos partidos e salienta que “as formas de participação dos jovens são hoje diferentes, muito baseadas nas redes sociais e no contacto direto, prescindindo muitas vezes dos meios de comunicação social. Assim, novas formas de comunicação são imprescindíveis. A opacidade do funcionamento das instituições é outra má prática que, afastando todos os cidadãos, afasta especialmente os jovens, habituados que estão a um mundo em que toda a informação está a um clique de distância”.

“Não é por acaso que plataformas como o ‘hemiciclo.pt’, que pretende organizar e sistematizar de forma mais transparente o funcionamento da Assembleia da República, são criadas e dinamizadas essencialmente por jovens. A abertura é também isto: maior transparência e mostrar para o exterior o funcionamento das instituições públicas e dos partidos políticos. Se continuarmos a fazer política como há 30 ou 40 anos, apenas os jovens muito motivados para o serviço público ou os ‘carreiristas’ se aproximarão dos partidos políticos. E a maioria de nós continuará alienada”, finaliza.

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