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Fundos comunitários. Como ter maior controlo, mas sem mais burocracia

Portugal já tem mecanismos para controlo da aplicação dos fundos europeus, mas há sempre espaço para melhoria, consideram os especialistas ouvidos pelo JE, que alertam que mais fiscalização não pode resultar num labirinto burocrático.
28 Março 2021, 19h00

Uma preocupação frequentemente apontada, em Portugal, quando se fala de fundos comunitários prende-se com a sua adequada utilização. Num país onde a corrupção é um tema que ciclicamente domina o debate político e onde ainda se recordam processos judiciais da década de 90 do século passado, a transparência na gestão dos recursos europeus a que Portugal terá acesso até ao final da década constitui tema de debate, mesmo quando os especialistas ouvidos pelo Jornal Económico (JE) consideram existirem hoje tecnologias e mecanismos de reporte e verificação mais robustos.

“O problema das apropriações indevidas dos fundos é um tema ultrapassado, hoje em dia”, defende Ana Luísa Guimarães, sócia na área de Público da sociedade de advogados Sérvulo & Associados. “A execução do Portugal 2020 e dos quadros anteriores já tinha mecanismos de controlo e de governance que, em regra, preveniram esse efeito e que obviamente devem ser mantidos. Esse é um tema resolvido e o foco no improvement deve ser outro”, acrescenta.

Há sempre espaço para melhorias, mas é fulcral atingir um equilíbrio entre a burocracia pedida e a agilidade com que se processarão as candidaturas, outro aspeto no qual vários agentes portugueses costumam apontar o dedo à máquina do Estado.

“É importante apostar em mecanismos que não passem, obrigatoriamente, pelo aumento da informação solicitada aos empresários”, pede Rita Roque, cofundadora da consultora Moss & Cooper, sob pena de se criarem mais barreiras às candidaturas por parte dos empresários. E, como ressalva Ana Luísa Guimarães, “menor burocracia não significa fraudes ou falta de transparência e o inverso também é verdadeiro”.

Por outro lado, estes programas estão sempre sujeitos a pequenas apropriações ou utilizações indevidas, sendo algo quase inevitável. Isso mesmo reconhece a Comissão Europeia, como relembra José Eduardo Martins, sócio da sociedade Abreu Advogados, que aponta o facto de Bruxelas reconhecer a existência de uma “taxa de evaporação”. Para o antigo secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, não se pode falar de uso indevido sem mencionar o principal responsável pelo mesmo, o Estado.

“Os fundos da UE [União Europeia] servirão para pagar despesa permanente do Estado, não servirão para fazer crescer as empresas privadas que são as que geram riqueza, emprego, pagam impostos e contribuições para a segurança social. A primeira entidade que se apropria indevidamente dos fundos é o Governo, deixando para as empresas privadas uma percentagem mínima dos fundos disponíveis”, argumenta.

Como tal, importa criar ou aperfeiçoar mecanismos que permitam a avaliação da forma como são aplicados estes fundos, que terão, na teoria, de se reger por avaliações custo-benefício. Um passo nesta direção foi dado com a criação do Portal Base, há mais de 10 anos, como refere Pedro Melo, sócio e coordenador da área de Público e Regulatório da sociedade de advogados Miranda & Associados, que projeta uma aplicação deste modelo aos novos instrumentos de apoio definidos para o atual período.

Mais recursos, mas não um novo quadro
“Uma solução possível seria criar uma Comissão ad hoc, devidamente apetrechada com recursos humanos de elevada competência e probidade, que centralizaria a atribuição desses fundos. Em alternativa, poderia ser criada uma nova secretaria de Estado para a gestão exclusiva desta matéria”, acrescenta, descartando, no entanto, a criação de “um novo quadro normativo, sob pena de se complicar uma área que importa agilizar e desburocratizar”.

Outro aspeto prende-se com a resolução de algumas ineficiências nos portais onde devem ser submetidas as candidaturas. “A melhoria das plataformas, enquanto medida de simplificação de processos, também não comprometeria a luta contra a fraude”, sublinha Rita Roque, ideia que encontra eco em José Eduardo Martins.
“Procedimentos simples, transparentes, com uma base tecnológica acessível dão muito mais garantias de respeito pela legalidade do que labirintos administrativos com um infinito sobe e desce de procedimentos hierarquizados”, relembra o sócio da Abreu, que suporta esta visão nos “estudos internacionais credíveis que demonstram uma correlação direta entre o excesso de burocracia e o aumento da corrupção”.

Assim, dois aspetos parecem incontornáveis: por um lado, é essencial que Portugal faça um verdadeiro aproveitamento destes fundos, para o qual tem de contribuir a simplificação dos processos de candidatura, mas, por outro, este aproveitamento terá de ser auditado e acompanhado, sobretudo junto das entidades públicas.

“Portugal não pode falhar neste projeto ambicioso e na maximização do aproveitamento dos milhões de euros que vão ser disponibilizados”, diz Ana Luísa Guimarães. “Desde que se garanta um controlo adequado da execução dos fundos pelas entidades públicas, penso que a criação desses mecanismos acrescidos de transparência deve ficar para segundo plano: se forem simples de implementar, muito bem; se nisso se vão concentrar recursos e meios que são necessários para conseguir maior eficácia e eficiência na atribuição dos fundos e na seleção dos projetos, então não tem sentido investir nesses mecanismos”, remata.

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