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Conclusões de Tancos vão ditar futuro da PJ Militar

Alegado envolvimento e comprometimento da investigação a Tancos pela PJ Militar desagrada a todos os partidos. Deputados aguardam encerramento da comissão de inquérito para proporem mudanças. Existência dessa entidade pode ser reconsiderada.
21 Abril 2019, 14h00

A questão foi levantada pela ex-procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, e reacendeu o debate nos corredores do Parlamento: Para que serve a Polícia Judiciária Militar (PJM)? Essa força policial, que já teve fim anunciado várias vezes, volta a estar de corda ao pescoço devido ao alegado envolvimento no furto do material militar de Tancos e suposto comprometimento das investigações judiciais. O mal-estar com a situação já levou o Governo e os partidos políticos a falarem na necessidade de  uma reflexão aprofundada ao atual papel da PJM, mas nenhum partido quer “legislar a quente”.

“Este é um momento muito negativo para a PJM”, afirma ao Jornal Económico o deputado centrista Telmo Correia. O coordenador de trabalhos do CDS – partido que propôs a criação da comissão de inquérito ao caso de Tancos – nota que a reconstituição do que aconteceu na noite do desaparecimento do material militar dos paióis de Tancos vai, aos poucos, ganhando forma, entre as acusações e contradições feitas na comissão de inquérito. A tese de “encenação” do aparecimento do material roubado, na Chamusca, vai também ganhando força e o puzzle final dos acontecimentos não é nada abonatório para a PJM.

Depois da detenção do diretor da PJM na altura, o coronel Luís Augusto Vieira, e outros elementos ao serviço desta polícia, pairam sob esta polícia criminal outras suspeitas. A PJM terá alegadamente obstacularizado a investigação da Polícia Judiciária Civil (PJ), participado no aparecimento do material roubado em Tancos e terá atuado indevidamente na noite em que foi detetado o crime, de acordo com os dados reunidos, até agora, das declarações proferidas por diferentes pessoas e entidades, em audição na comissão de inquérito.

As diferentes bancadas parlamentares mostram-se desagradados com a atuação da PJM e pedem uma reflexão profunda sobre o futuro da PJM. Mas apenas o Bloco de Esquerda (BE) admitiu até agora a intenção de acabar com a PJM. A iniciativa foi anunciada pela coordenadora do BE, Catarina Martins, no debate quinzenal com o primeiro-ministro, António Costa, logo após a detenção do ex-diretor da PJM, em dezembro, e fonte do partido diz ao Jornal Económico que a ideia se mantém.

Costa queria fim da PJM

O BE considera que, depois da extinção dos tribunais militares em tempo de paz, com as alterações legislativas de 2002/2003, “é difícil justificar que hoje permaneça uma polícia de investigação militar”. Esta foi também uma das questões levantadas pelo próprio António Costa, quando passou pelo Ministério da Justiça, entre 1999 e 2002. Apesar de não ser a favor da extinção da PJM, como o BE quer, o então ministro da Justiça queria fundir a PJM com a PJ, o que, na sua visão, traria “ganhos de sinergias por partilha de uma mesma máquina”. Uma década e meia depois, em resposta a Catarina Martins, o primeiro-ministro disse apenas que “as alterações institucionais são sempre possíveis, mas no quadro devido, no tempo devido e não no calor dos acontecimentos”.

Contactado pelo Jornal Económico, o Ministério da Defesa diz que não está prevista qualquer iniciativa legislativa nesse sentido. No entanto, no início desta semana, o ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, falou da necessidade de se pensar “em conjunto” com a sociedade o futuro das Forças Armadas. “As Forças Armadas que queremos e precisamos para o nosso país não são seguramente as Forças Armadas do século XX”, disse, sem especificar se a PJM será incluída nessa reflexão.

Reflexão é também palavra de ordem para os restantes partidos políticos. “Todas as iniciativas legislativas sobre o que deve acontecer à PJM devem ser aguardar a conclusão da comissão de inquérito de Tancos”, diz ao Jornal Económico o presidente da comissão parlamentar de Defesa, Marco António Costa, do PSD. À direita, Telmo Correia, do CDS, considera que “o futuro e as competências da PJM devem ser estudados a posteriori, numa reflexão profunda que deve envolver a comissão de Defesa e o Governo”.

Também o PCP diz que “este não é o momento adequado para considerações sobre o futuro da PJM” e “qualquer consideração e reflexão sobre o futuro da PJM devem ser efetuadas depois de encerrado o processo em curso ligado com Tancos”. A comissão de inquérito ao caso de Tancos tinha fim previsto para maio, mas o prazo de funcionamento foi prolongado até 14 de junho. Assim sendo, a discussão sobre o futuro da PJM deve arrancar apenas na próxima legislatura.

“Sensibilidade” militar 

Ainda antes do debate sobre o futuro da PJM, o capitão-de-mar-e-guerra Paulo Isabel, atual diretor da PJM, veio garantir, na comissão de inquérito ao caso de Tancos, que tem “todo o sentido que exista” esta polícia. “A investigação de crimes estritamente militares tem de obedecer a um conhecimento importante, rigoroso e abrangente sobre o que são as Forças Armadas e os seus valores. Uma desobediência em ambiente civil não pode ser encarada como uma desobediência em ambiente militar”, explicou, dando conta de que uma ordem militar, mesmo que coloque em causa a integridade física do subordinado, “não pode ser desobedecida”.

Ao Jornal Económico, o tenente-coronel Donato Tenente acrescenta que é preciso “sensibilidade” para se tratar de ilícitos criminais de âmbito estritamente militar, tendo em conta que estes envolvem suspeitas de traição à pátria, espionagem, crimes de guerra e violação de segredo. “Estamos na ribalta por causa de um conjunto de pessoas que terão tido atitudes que não foram as melhores e, por isso, não devemos avaliar a instituição como tudo”, afirma.

A PJM surgiu no período pós-25 de abril, quando, sob a dependência direta do Conselho da Revolução, lhe foi atribuída a função de investigar ilícitos criminais de foro militar e ditar a abertura da instrução dos processos judiciais. Até então, os processos estavam entregues ao comando militar, o que levantava dúvidas quanto à transparência na tomada de decisões e na aplicação de medidas disciplinares. Mais tarde, a PJM passou para a dependência do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, mas com a publicação da lei orgânica de 1993, fica subordinada ao Ministério da Defesa Nacional. É sob a tutela deste ministério que a PJM se mantém até hoje.

Artigo publicado na edição nº 1983 de 5 de abril do Jornal Económico

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