Mais de 190 países adotam esta semana o “Compromisso de Sevilha”, que, para o subsecretário-geral da ONU Marcos Neto, “é o melhor documento possível” no mundo atual, mas permitirá avanços no financiamento do desenvolvimento e combate à pobreza.
“É o melhor documento da história? Não. É o melhor documento possível neste momento, sim”, disse Marcos Neto, em entrevista à Lusa, a partir da sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque.
O também diretor do Gabinete de Políticas de Apoio a Programas do PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, realçou que, num momento em que se ouve insistentemente que “o multilateralismo está morto” e não tem resultados, foi possível negociar um documento para relançar a cooperação internacional e o financiamento ao desenvolvimento que 192 dos 193 países membros da ONU vão subscrever.
O documento, de 68 páginas, vai ser formalmente adotado na 4.ª Conferência Internacional sobre Financiamento ao Desenvolvimento (FFD4) da ONU, que decorre em Sevilha, Espanha, de segunda a quinta-feira.
O “Compromisso de Sevilha” foi negociado no seio da ONU, no comité de preparação da conferência, copresidido por Portugal e pelo Burundi, com Marcos Neto a elogiar a diplomacia portuguesa por conseguir fechar um acordo e também que não fosse vetado pelos Estados Unidos da América (EUA), que se ausentou da negociação e não estará em Sevilha, mas não bloqueou o acordo, exigindo, por exemplo, uma votação.
Os EUA, grande doador da comunidade internacional, decidiu cortar ajudas humanitárias e apoios a programa de desenvolvimento e combate à pobreza desde que Donald Trump regressou à Presidência do país, em janeiro.
Sem os EUA, “é mais difícil, sem dúvida nenhuma”, relançar o financiamento ao desenvolvimento e pôr em marcha a nova arquitetura de cooperação e mobilização de recursos inscrita no “Compromisso de Sevilha”, reconheceu Marcos Neto, realçando que a implementação “do mapa” definido neste documento passa pelo envolvimento de organismos como o Banco Mundial ou o G20, onde a voz dos norte-americanos é importante.
No entanto, para o subsecretário-geral da ONU, a comunidade internacional, e o PNUD em particular, “vai dar seguimento, dentro do possível”, ao “Compromisso de Sevilha”, um documento que, realçou, é para longo prazo – mais além da legislatura de um Governo – e, por outro lado, tem como uma das novidades uma nova abordagem ao envolvimento do setor privado no financiamento ao desenvolvimento e combate à pobreza.
“Traz um discurso para o setor privado muito importante, que é um discurso de impacto, que o setor privado tem de ter um impacto, que é social, ambiental e financeiro”, não sendo esta “uma questão de responsabilidade social, corporativa”, explicou.
“Não há dinheiro suficiente no setor público, seja doméstico, seja de cooperação internacional”, realçou Marcos Neto, que destacou ser necessário “atrair o setor privado” desenvolvendo políticas públicas que diminuam riscos de investimentos em países em desenvolvimento mas exigindo-lhe, em paralelo, “integridade e transparência”.
Outros dos avanços no “Compromisso de Sevilha”, e em que o documento revela “certa ambição”, segundo Marcos Neto, é a criação da figura do “grupo dos devedores”.
“Houve sempre na História o grupo de credores, mas não o grupo de devedores. Os credores juntam-se e vão com força total negociar com um país a cada vez. Agora não, é com o grupo de devedores. Isso pode começar a mudar os pesos e equilíbrios”, afirmou.
Para o PNUD, a agência da ONU com a missão de combater a pobreza e promover o desenvolvimento sustentável com escritórios em 170 países e territórios, o “Compromisso de Sevilha” é “um mapa de implementação”.
“O nosso compromisso indo para Sevilha e saindo de Sevilha, junto e perante aos países-membros, o setor privado e a sociedade civil, é que vamos dar vida ao Compromisso de Sevilha, dentro da realidade de cada país e sob as prioridades de cada país”, afirmou.
Realçando o papel do PNUD de articulação entre o nível nacional, internacional e multilateral, e entre o público e o privado, Marcos Neto disse que o foco tem sido e continuará a ser na “criação de estratégias financeiras” que “coloquem as finanças por trás dos objetivos”, sejam os de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030, sejam os compromissos para o clima ou outros, assumidos pela comunidade internacional.
Outro aspeto fundamental, segundo Marcos Neto, é a da “mobilização de recursos domésticos”, porque, “no final das contas, os responsáveis pelo desenvolvimento do país têm que ser os seus próprios governos”.
“A cooperação internacional não deveria estar a ser reduzida, como está a ser, mas ela terá de ser sempre catalítica, em função da mobilização de recursos domésticos, seja por reformas fiscais, seja por reformas de dívidas, reformas de orçamento nacionais”, defendeu, dizendo que para o PNUD é e tem sido “muito importante” o trabalho de assessoria em cada país ao nível das finanças públicas.
Neste contexto, considera que o “Compromisso de Sevilha” reflete o trabalho do PNUD” e permitirá avançar ainda mais no mesmo caminho e estratégias.
“Um dos problemas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [que integram 169 metas] foi sempre a mobilização e o alinhamento dos recursos”, a que Sevilha pretende dar agora resposta, com “este mapa, para fazer o resgate” destes compromissos, nas palavras de Marcos Neto, para quem é importante que existam objetivos, mas é contraproducente o discurso permanente de que estão longe de ser alcançados, por haver o perigo de desmobilização.
Para Marcos Neto, o importante é trabalhar e continuar a “meter mãos à obra”: “Se no final das contas reduzirmos a c em 70% em vez de 100, já temos 70% de ganho”.
Mais de 60 líderes mundiais e quatro mil representantes da sociedade civil reúnem-se de segunda a quinta-feira em Sevilha para tentar relançar a ajuda ao desenvolvimento, que tem atualmente um défice de quatro biliões de dólares anuais (cerca de 3,4 biliões de euros), segundo a ONU.
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