É tremendamente triste e cruel que uma mulher que dedicou uma parte significativa da sua vida a lutar contra o apagamento da memória tenha também de viver os últimos anos da sua vida com a doença de Alzheimer.
Esse é o caso verídico de Eunice Paiva, uma mulher brasileira que começou por ser apenas a esposa de Rubens Paiva, opositor assassinado pela ditadura militar, mas que se tornou num símbolo de resistência e numa defensora de causas sociais e cívicas, como a autonomia dos povos indígenas.
Novamente a partir do olhar feminino, como acontecera em Central do Brasil (1998), Walter Salles volta a realizar um filme, Ainda Estou Aqui, com um sentido narrativo e dramático muito inquieto, intenso e eficaz, com um excelente trabalho na mise-en-scène e na direção de elenco (a interpretação de Fernanda Torres é consensualmente reconhecida pela crítica internacional), contribuindo decisivamente para garantir a cumplicidade da plateia para com aquela história e personagens.
Há ainda uma evidente pertinência política em recuperar uma história que remonta a 1970, e que adapta o livro homónimo publicado em 2015, escrito pelo filho de Eunice Paiva.
No atual contexto internacional, desde o Brasil a Portugal, passando por diversas outras paragens, em que um passado sinistro está a ser reabilitado de forma preocupante, esta história mostra-nos, de forma simultaneamente emocional e racional, que uma sociedade que prefere ignorar, ou optar por não conhecer criticamente, o seu passado não pode ter um futuro promissor.