Pensar na Administração Pública sem o uso de tecnologias é já inconcebível. Desde o lançamento do Programa Simplex, em 2006, que foram sendo implementadas diversas medidas de simplificação e desmaterialização, no âmbito de uma estratégia de modernização administrativa transversal a todos os serviços do Estado.
A (r)evolução tecnológica criou uma nova dinâmica, com Portugal a sobressair como pioneiro na adoção da contratação pública eletrónica. Passámos a usar tecnologias como as plataformas virtuais, as assinaturas digitais e os selos temporais, necessárias ao funcionamento dos procedimentos eletrónicos. Chegou a vez da fatura eletrónica e com ela o fim definitivo da fatura em papel.
O diploma que, em 2017, alterou o Código dos Contratos Públicos, estabeleceu a obrigação de os operadores económicos utilizarem mecanismos de faturação eletrónica no âmbito dos contratos públicos.
A implementação desta modalidade de faturação assume-se como um programa de transformação digital, assente na normalização, otimização e automatização processual do ciclo da despesa e da receita, promovendo a agilização e desmaterialização do relacionamento existente entre entidades públicas e agentes económicos, esperando-se que reduza prazos de pagamento e custos de operação e de transação, além de garantir maior fiabilidade e transparência em todas as atividades do processo.
Porém, atenta a complexidade inerente à implementação da faturação eletrónica, considerou-se que a disseminação deste programa transformacional exigia uma execução gradual, designadamente atendendo às particularidades das pequenas e médias empresas, permitindo a gestão da mudança necessária à implementação.
O calendário fixado previa o dia 31 de dezembro de 2020 como reta final para o efeito, mas a emergência de saúde pública provocada pela pandemia e o reconhecido impacto no já por si complexo processo de execução para os operadores económicos obrigou, durante o ano de 2020, a um alargamento dos prazos para início do uso da faturação eletrónica, nomeadamente: (a) a partir de 30 de junho de 2021, para as pequenas e médias empresas e (b) a partir de 31 de dezembro de 2021, para as micro empresas e entidades públicas, na qualidade de entidades cocontratantes.
Esta extensão teve em vista permitir às empresas, com menor resiliência financeira, assoladas pelos impactos provocados pela crise sanitária, centrar os seus esforços na recuperação económica e reunir as condições necessárias à sua adaptação ao futuro digital.
Contudo, ao entrar-se em 2021, a sensação é de regresso ao início da pandemia e com o atual quadro de emergência e de incerteza é legítimo perguntar se os operadores privados e, bem assim, as entidades públicas, enquanto entidades cocontratantes, serão efetivamente capazes de cumprir a obrigação de utilização deste mecanismo de faturação a partir das datas definidas ou se beneficiarão, entretanto, de um novo alargamento.
Se a pandemia tem, de um modo geral, acelerado a adaptação ao digital, neste caso parece atuar no sentido diametralmente oposto.