O surto do coronavírus tem espalhado o medo e ansiedade um pouco por todo o mundo. Neste momento, contam-se mais de mil mortes e cerca de 45 mil pessoas infetadas. Em Macau, cidade com uma forte presença da comunidade portuguesa o cenário é ‘fantasmagórico’. João Francisco Pinto, diretor da Televisão de Macau revela em entrevista ao Jornal Económico, a forma como a região asiática está a lidar com um surto, que de acordo com os especialistas ainda não atingiu o seu pico.
Qual é o cenário atual em Macau?
Atualmente, a região de Macau está praticamente paralisada desde que o Governo decidiu fechar as escolas (numa primeira fase) e, na semana passada, ter decretado o encerramento dos casinos. Por outro lado, a própria China deixou de emitir vistos de saída para os turistas, o que significou uma queda de mais de 80 por cento no número de visitantes em Macau. Logo que o Governo apelou a que as pessoas ficassem em casa, o mais possível, para interromper a cadeia de epidemia comunitária, a maior parte do comércio acabou por ter de fechar as portas. Assim, a esmagadora maioria dos restaurantes, lojas de roupa estão fechadas devido à falta de clientes. Também a Administração Pública fechou as portas apenas os serviços de urgência são asseguradas. Isto fez com que a população ativa de Macau passasse a estar, de facto, em quarentena, em casa. Os únicos estabelecimentos comerciais que continuam abertos são os supermercados e as farmácias. Os bancos e outros prestadores de serviço funcionam com horários reduzidos e apenas alguns balcões estão abertos ao público.
Quando surgiram os primeiros sinais do coronavírus em Macau?
Os primeiros sinais de infecção surgiram na segunda metade do mês de janeiro, pouco antes do Ano Novo Lunar, que se assinalou a 25 de janeiro. A primeira doente foi uma turista de Wuhan, que entretanto já teve alta.
O país vive uma situação de risco de pandemia?
A China vive uma situação de epidemia generalizada. Há doentes em todas as províncias e existem dezenas de cidades que estão em regime de lock down para evitar a propagação da doença. É difícil ter uma ideia clara da verdadeira dimensão da epidemia dado que a propaganda comunista tende a ocultar a realidade. Mas, olhando para os números conhecidos, é inegável que existe uma situação de alto risco e de descontrolo da epidemia.
Quantos doentes já foram confirmados? Desses doentes quantos vieram de outros países?
Macau teve 10 doentes confirmados. Sete eram turistas da cidade de Wuhan. O oitavo caso é de uma pessoa de Macau que esteve a ser tratada num hospital na China (logo é uma doente importada). O nono caso é uma sobrinha da oitava doente – o contágio foi pela proximidade física entre as duas. O décimo caso é um motorista de shuttle bus. Não é ainda claro como é que foi infetado.
Os casinos podem perder a curto prazo três mil milhões de euros a curto prazo. Existem hotéis encerrados. Que impacto pode ter o coronavírus na economia e no turismo de Macau?
O impacto na economia de Macau é devastador. E penso que ainda é cedo para contabilizar os números em termos de perdas no PIB. No entanto, é preciso dizer que o Governo de Macau foi durante as últimas duas décadas superavitário. Assim, existe uma poderosa almofada financeira, em termos de um fundo de reserva, que pode ser injetada na economia, logo que termine a epidemia. Por outro lado, é preciso olhar para a estrutura da população ativa de Macau. Na economia local trabalham cerca de 190 mil trabalhadores migrantes, essencialmente da China e de países do Sudeste Asiático. Numa situação de crise, as empresas despedem primeiro os trabalhadores migrantes (no fundo vistos como trabalhadores «descartáveis»). Esta política (desumana e discriminadora) permite, no entanto, proteger os trabalhadores locais cujo despedimento é muito mais difícil e penalizador para as empresas.
Que medidas implementou o Governo para ter menos pessoas nas ruas?
O encerramento da Administração Pública, escolas e casinos, foi determinante para retirar da rua cerca de duas centenas de milhares de pessoas. Por outro lado, as empresas têm pedido aos trabalhadores migrantes da China, que estiveram de férias durante o Ano Novo Lunar, para não regressar ao trabalho.
Ainda existem máscaras de proteção disponíveis para os cidadãos? Registou-se um aumento dos preços ao nível dos produtos de desinfeção?
As máscaras de protecção são vendidas em farmácias convencionadas e centros de saúde a preços controlados e mediante a apresentação do documento de identificação. O processo é controlado pelos Serviços de Saúde do Governo de Macau. Isto impediu a subida dos preços das máscaras. No entanto, para outros produtos de desinfecção, registou-se um aumento dos preços, dado que não são objecto de controlo do Governo.
Macau pode ser considerada uma cidade fantasma neste momento?
Macau pode ser considerada uma cidade fantasma. Sim.
Como está a comunidade portuguesa a lidar com esta situação do coronavírus? Pensam em sair da cidade?
Os portugueses, habitualmente bem informados, estão a reagir com ansiedade. Ninguém teme pelo emprego, muito embora os empresários estejam preocupados com o futuro das suas empresas. Algumas famílias, especialmente com crianças pequenas, regressaram a Portugal, temporariamente. Para muitos de nós, isto não é muito diferente da SARS de 2003. Nessa altura, a situação foi igualmente grave.
A resposta do Governo de Macau tem sido mais ou menos eficiente quando comparado com o vírus SARS?
A resposta do Governo de Macau tem uma taxa de aprovação superior a 90% de acordo com uma sondagem feita esta semana. As medidas foram tomadas de acordo com a evolução da infeção. Acima de tudo, não houve medo de fechar os casinos quando se percebeu que havia o risco de epidemia local, depois dos primeiros residentes terem sido infetados.
Existe alguma previsão de quando será possível a cidade voltar ao seu estado normal?
Não. Depende, acima de tudo, do que vier a acontecer na China. Macau não pode voltar à normalidade sem que a China também volte à normalidade. A dependência de Macau é demasiado grande para poder operar num ambiente de fronteiras virtualmente fechadas.
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